por CAIO SENS20:27,
25 AGOSTO 2023
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) -
"Pinta esculpindo e esculpe pintando." Assim o artista Ayrson
Heráclito define o trabalho de Adilson Costa Carvalho, seu colega de profissão.
Carvalho, ou Mestre Dicinho, como é conhecido, é o tipo de talento que transita
entre tantos mundos diferentes que é difícil chegar a uma definição precisa para
o seu trabalho
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Nascido em Jequié, na Bahia, Dicinho
esteve no centro da efervescência cultural da tropicália e participou dela de
forma ativa, ao se unir artística e politicamente a Waly Salomão e outros
conterrâneos.
Desde então, atua na pintura, na
escultura, na cenografia, no figurino e na performance. Criou a coreografia
"O Quebra", que apresentou diversas vezes na casa de vidro de Lina Bo
Bardi, e trabalhou com Jards Macalé e Zé Celso. É também o artista por trás da
icônica capa do disco que Gal Costa lançou em 1969, com ilustrações
psicodélicas.
Apesar de sua atividade intensa desde
a década de 1960, Dicinho esteve relativamente distante do circuito comercial
das artes visuais, e sua produção escapou do radar de galerias e museus. De acordo
com a artista e galerista Maria Montero, o destino da maioria das peças que o
artista criou antes dos anos 2000 é desconhecido. Montero é fundadora da
galeria Sé, que agora traz à cidade obras que Dicinho produziu nos últimos 25
anos. " Praticamente tudo o que ele tem no ateliê está aqui", comenta
Maria.
Entre as peças está um conjunto de
quadros tridimensionais. As telas abstratas apresentam a precisão geométrica de
Mestre Dicinho. Entre tons pastel e paletas monocromáticas, elas ganham uma
camada a mais de profundidade no jogo de luz e sombra criado pela volumetria. O
quadro "O Corvo" faz a ponte temática para outra vertente das obras
na galeria, as esculturas de animais.
As estátuas seguem geometrias
precisas. Para alcançar o feito, o artista usa técnicas autorais. Ao longo dos
anos, Dicinho desenvolveu sua própria massa de modelar, assim como ferramentas
específicas para recorte e o método "copageti" --acrônimo para cola,
papel, gesso e tinta--, derivado do papel machê.
Questionado sobre esse espírito
inventor, Mestre Dicinho lembra a influência de seu pai, Vavá. "Quando
quebrava alguma coisa em casa, como um bule, meu pai raramente saía para
comprar. Ele buscava folhas de flandres e estanho e criava algo novo",
afirma o artista
A aparente racionalidade dos animais
geométricos contrasta com a abstração das formas e pinturas das obras. Dicinho
cria padrões que remetem a seus trabalhos psicodélicos, mas em uma versão
pontilhista, relativamente comportada. O artista revela que algumas dessas
peças levaram cerca de oito meses para serem concluídas. "Eu vou mudando a
textura, e essa fase [do pontilhismo] foi uma época em que eu enlouqueci.
Demorava muito para terminar uma obra."
Seu jeito de falar transparece a
paciência que emprega em seus trabalhos. O artista é adepto da macrobiótica,
uma dieta que demanda maior dedicação de tempo ao alimento, do cozimento à
mastigação. Sobre sua produção, Dicinho afirma que trabalha "como
Caymmi", fazendo referência aos longos processos criativos do músico. "Caymmi
demorava anos para fazer uma canção porque queria a palavra certa no lugar
certo, como se ela tivesse estado sempre ali" comentou em 2008 o poeta e
antropólogo Antonio Risério, em artigo especial para a Folha.
Um baobá, com galhos retorcidos, põe
o público em outra perspectiva da produção do artista. Dicinho é uma figura
engajada e não dissocia a política de sua arte. Sobre a escultura da árvore,
afirma que "foi feita em uma época em que o Brasil estava atravessando
momentos dificílimos com Bolsonaro". "Cada galho surgia de uma das
coisas estúpidas que ele falava. Aquilo me deixava sem prumo."
A casa que abriga a galeria Sé está
aninhada em uma das cada vez mais raras --mas sempre charmosas-- vilas de São
Paulo; esta, especificamente, construída pelo arquiteto Flávio de Carvalho. Ele
próprio foi também um artista versátil e pode com facilidade ser considerado a
um só tempo cenógrafo, dramaturgo, decorador, pintor e escritor.
A relação entre os dois artistas é
inevitável. Por motivos diferentes, a arte de Dicinho é mutável como a de
Flávio. Ambos demonstram facilidade para encerrar um ciclo e iniciar outro.
Mais importante, conseguem demonstrar coerência nesse processo.
A mostra é o topo do iceberg da produção do artista. Fica a vontade de mergulhar mais a fundo na obra de Dicinho.
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