Ela já não é minha, não é tua, não é mais aquela alegria que contagiava a alma do povo. A Seleção, aquela que pintava as ruas de verde e amarelo, que fazia o coração bater mais forte a cada toque na bola, foi se perdendo aos poucos — sem que notássemos direito quando ou como aconteceu.
Antes, bastava ouvir o apito inicial para que o Brasil inteiro parasse. O silêncio das ruas era interrompido apenas pelos gritos nas janelas, pelas buzinas e pelas cornetas improvisadas. Cada gol era um abraço coletivo, uma lágrima feliz, um alívio de quem, por 90 minutos, esquecia a dureza da vida. Era mais que futebol — era identidade, era fé, era povo.
Hoje, assistimos com o olhar cansado, quase indiferente. As escalações já não têm nomes que parecem nossos. Os jogadores, cada vez mais distantes, habitam um mundo de cifras e contratos milionários, enquanto o torcedor amarga um ingresso impagável. O grito de "é hexa!" ficou no passado, ecoando em VHS empoeirados ou nos vídeos nostálgicos que circulam nas redes.
Não é que deixamos de amar o futebol. Amamos, sim. O que se perdeu foi o elo, o sentimento de pertencimento. A Seleção virou produto de patrocinador, de marketing global. Cadê a alegria moleque? Cadê a ginga irreverente? Cadê a camisa suada beijada com orgulho?
Perdemos a Seleção. Ela virou deles — dos empresários, dos gestores de imagem, dos que confundem camisa com marca. Mas enquanto houver uma criança jogando descalça na rua, imitando um drible sonhado, ainda há esperança. Porque o futebol vive na alma do povo. E quem sabe, um dia, a Seleção volte a ser nossa.
Perdemos. E não falo de uma derrota em campo — essas sempre fizeram parte do jogo. Falo de algo mais profundo, mais simbólico, quase uma ferida na alma. A Seleção já não é mais aquela alegria que contagiava a alma do povo, que nos fazia esquecer das contas, dos problemas, da política suja, do caos cotidiano.
A camisa amarela, outrora sagrada, virou motivo de divisão. Onde antes víamos Garrincha, Didi, Pelé, Vavá, Zico, Romário, Ronaldo — mitos costurados em ouro e suor — agora vemos um uniforme desbotado pela indiferença e pelas cores trocadas. A Seleção ficou vermelha. Não por paixão, como deveria ser, mas por ideologias que sequestraram símbolos e apagaram memórias.
Nos bares, já não se canta o hino com a mão no peito. As ruas já não se pintam para a Copa. As bandeiras, que antes tremulavam nas janelas com orgulho, agora jazem nas gavetas, sufocadas pelo medo do julgamento. O futebol, que era refúgio e identidade, virou território de disputa.
O povo, que um dia foi dono da Seleção, hoje assiste de longe, desconfiado. O brilho nos olhos deu lugar ao ceticismo. Perdemos algo que era nosso por direito — não por conquista, mas por herança afetiva.
Se ela ficou vermelha, não é a cor o que mais incomoda. É a ausência de pertencimento. É a sensação de que algo essencial se perdeu no caminho. Quem sabe um dia a camisa volte a unir em vez de separar. Por ora, ficamos com a saudade de quando ela era apenas amarela e do povo.
Salvador-Ba, 29 de abril de 2025.
José Joaquim de Oliveira
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