quinta-feira, 3 de março de 2022

O Pote de Ouro.

                                                             J. B. Pessoa

Um pote de ouro?!... Onde o senhor ouviu isso, seu João do Osso? Do meu irmão Adonias?... Homessa! Eu já tinha até esquecido dessa história boba! Como?!... Eu botei uma alma mal assombrada pra correr?!... Todos vocês querem ouvir o caso? Pois bem, aí vai!

Essa história aconteceu em novembro de 1951, semanas antes, da minha mudança para essa maravilhosa cidade, que moramos. Pra início da conversa não se trata de um pote de ouro, e sim, de um pote de barro cheio de moedas de ouro. Pois bem: havia bastante tempo, que circulava por toda a região, que havia um pote cheio de cheio de ouro, enterrado nas imediações de Iguatemi. Essa estória era antiga, e antes do meu nascimento!... Segundo o povo, o grande fazendeiro Aureliano Fernandes Amorim, que por sinal é bisavô de Tina, minha mulher, Teria enterrado um pote cheio de moedas ouro, após o golpe militar que deserdou o nosso grande monarca D. Pedro II, de governar o Brasil. Pois bem: a proclamação da república pegou desprevenida a população sertaneja, que não entendia o que estava acontecendo. Afinal, o imperador do Brasil não governava por direito divino?!... Era o que clamava Aureliano, indignado com as noticias que lia nos jornais, vindos da capital baiana.

Seu moço!... Meus companheiros de prosas!... O que aconteceu naquela época ficou marcado na memória do povo sertanejo. De repente, apareceram os fiscais republicanos e começaram a cobrar impostos, os quais ninguém havia ouvido falar!... Pegavam o pobre tabaréu e tomava dinheiro, a metade de suas criações e sacos de mantimentos, alegando impostos de rendas atrasados. Verdade, seu Manequito?!... O seu avô dizia que tomavam até doce das crianças?!... Exagero à parte, contudo foi uma verdadeira derrama! O que há de verdade é que, o governo republicano instituiu novos impostos, mas as cobranças ficaram a cargo de fiscais corruptos, designados pelos governadores dos estados, como existem nos tempos atuais.

Aureliano Fernandes Amorim era um homem muito rico. Ele era proprietário de uma grande fazenda, cortada pelo Rio São João, que separa os municípios de Brumado e Livramento. A sua fazenda, denominada de Santo Inácio, era a mais progressista da região. Produzia de tudo, pois era autossuficiente. Alem da cultura de algodão, mamona e milho e culturas de subsistência, tinha uma tecelagem, que fabricava os tecidos necessários do dia a dia e uma pequena metalurgia que produzia ferramentas, tais como facas, facões, foices, martelos e quase tudo que necessitava. Pois bem: segundo o povo, Aureliano, apavorado com os fiscais republicanos, teria enterrado um grande pote de barro cheio de moedas de ouro. Os mais antigos afirmam que ele morreu sem revelar onde tinha enterrado o fabuloso pote de ouro. Dizem que a alma dele já apareceu a muita gente, na intenção de revelar o local; porem, as pessoas fugiam da visagem, pois tinham medo de almas penadas. O tempo foi

passando e a lenda do pote de ouro suscitando casos de assombração, conforme o gosto do proseador.

Em uma segunda-feira, quando eu estava circulando pela feira de Iguatemi, apareceu o meu jovem primo Abdias Matos, com um sujeito de um povoado chamado Barbosa. Era um caboclo magro, de estatura mediana, que aparentava uns trinta e poucos anos. Abdias me apresentou ao “barbozeiro” como um homem valente, que não tinha medo de nada, nem de assombração, e nos covidou para tomar uns aperitivos no bar de Quincas, onde se reuniam os nossos amigos e parentes, nos dias da famosa feira de Iguatemi. Lá chegando, cumprimentamos a todos e nos sentamos em volta uma mesa vazia, que ficava afastada das demais. Em seguida, depois de alguns tragos de uma boa destilada, o sujeito, que atendia pelo nome de Nando, me fez uma inusitada proposta!... Meus amigos: adivinhe qual foi a proposta?!... Isso mesmo Seu João do Osso: encontrar o famoso pote de ouro.

O barbozeiro me afiançou de que, o lendário tesouro existia, pois uma “alma penada” contou pra seu tio. Era para ele ir buscar o tal pote e ficar podre de rico!... Porem, ele não podia ir, pois é entrevado das pernas, e contou onde ficava o pote com ouro, para o confiável sobrinho. O tio afirmou que o pote era tão grande, que deixariam ricos, todos que o acompanhasse na inusitada empreitada!... Seu moço, meus amigos aqui presentes, na medida em que tragava os copos da branquinha, o sujeito ficava mais animado e elevava o tom da voz e, de repente, todo mundo que estava bebendo no bar, ficou sabendo da história.

Animados com aquela empreitada, alguns rapazes resolveram nos acompanhar, em mais uma das minhas aventuras. Alguns, pois a maioria estava horrorizada com aquela tarefa. Aliás, só há uma coisa, que o catingueiro tem medo: essa coisa é alma penada. O tal Nando, marcou um encontro com a gente à meia noite; condição que provocou a desistência de outros. Como era hora do almoço, me despedi de todos, e segui para a casa de Belanisa, minha irmã, onde eu estava hospedado com minha família, esperando a nossa viajem de muda para Jequié.

A noite estava maravilhosa, com sua luz prateada iluminando a minha amada vila. Era noite de lua cheia. Encontrei a rapaziada alegre, ainda tomando suas destiladas, com muita animação. Abdias não estava com eles, pois não acreditava naquela estória. “Né, isso aí é caso da carochinha”, Disse-me ele, quando se despediu de mim, na hora do almoço. Pois bem: segui com aquela risonha rapaziada, todos animados com a possibilidade de ficarem ricos. Quando o barbozeiro disse, que o tesouro estava enterrado em uma cova, no cemitério da vila, houve mais desistências. “Ótimo, assim vai sobrar mais ouro pra gente!” Disse um dos rapazes mais afoito, o qual afirmava que já havia botado muito Lobisomem pra correr. Assim, com apenas seis pessoas, contando comigo e o barbozeiro, entramos no cemitério à meia noite em ponto.

A lua continuava a brilhar, magnificamente, com um céu cheio de estrelas. Já dentro do cemitério, notei que os quatro rapazes ficaram bastante

assustados com o piar de uma coruja. De repente, a lua se escondeu por trás de uma nuvem escura, e a noite ficou como um breu. Tirei uma lanterna de pilhas do bolso do meu paletó e iluminei todo o percurso. Seu moço!... Meus companheiros de prosas!... De repente, no clarear da lua, apareceu uma figura grande, toda de branco, com uma vela acesa na cabeça, que gritou com uma voz cavernosa: “ O ouro me pertence, e vou levar todo mundo pro o Cão!” Seu moço!... Os quatro rapazes saíram “voando” do cemitério, apavorados com aquela figura sinistra, só ficando eu e o barbozeiro, o qual emitia um leve sorriso, de quem esperava o acontecimento. A seguir a “visagem” levantou os braços, ameaçadoramente, aparecendo à barra da calça e os pés, calçados com uma alpercata catingueira. Como percebi que se tratava de um embuste, saquei o meu revólver 38, e sapeque chumbo quente nos pés da “alma penada”. Seu moço, meus companheiros de prosas!... Dessa vez, quem saiu “voando” foi o barbozeiro, seguido pela alma penada, que corria apavorada, a qual deixou cair seu chapéu de couro, com uma vela apagada em cima. Era tudo uma mentira para pegar peças nos tolos. Como seu Manequito?... Se a “visagem” era o primo de minha mulher e parente meu, Luis Weisderland Amorim?!... Não! Nessa época, ele já estava casado com uma paulista de Fernandópolis, morando naquela progressista cidade!

Pois é, meus amigos!... Essa foi a “alma mal assombrada” que botei pra correr!... Sinto muito se os desapontei, pois contei o “peixe pescado” e não aumentei o tamanho!... Agora vamos tomar um cafezinho quente, que seu Otonho tem um causo pra contar.

Décimo sétimo e último capítulo do livro não publicado: “ As Aventuras de um Catingueiro”.

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