J. B. Pessoa
Seu
moço!... Tem coisas na vida, que acontecem com um cidadão, que parece mentira.
A gente fica aqui, nessa noite fria proseando, contando nossas aventuras,
aumentando um pouco o “tamanho do peixe” para dar mais encanto a estória, como
fez o compadre Argemiro, quando deu uma surra em um caipora, fazendo a gente
morrer de rir com a caganeira do coisa ruim, ou os causos do Seu Manequito,
grande caçador de onça braba, famoso em todo o sertão brasileiro, que a gente
se esquece do que está acontecendo nesse Brasil do Nosso Senhor.
Meus
amigos: eu estou dizendo isso, para chamar a atenção de vocês a um
acontecimento preocupante, pois todos aqui são pais de famílias e temos filhos
e filhas jovens, que estão na idade de fazer besteiras. Não sei se é do
conhecimento de vocês, da prisão do garoto de Seu Agripino, pelos militares,
junto a outro jovem, os quais foram acusados de serem comunistas! Pois bem:
Como?!... Foi bem feito? Os comunistas são comedores de criancinhas?!...Que
asneira é essa Seu Bertoldo? Como o senhor pode dizer uma tolice dessas? Logo o
Senhor que é evangélico, que está ciente com as coisas da religião. Todos aqui
devem saber que os cristãos, na época das perseguições, sofreram as mesmas
acusações. O seu Manequito também acha que os comunistas, são coisas do
Diabo?... Todos vocês?!... Valha-me Deus, que decepção!
Ainda
bem que o Seu João do Osso e os demais companheiros, aqui presentes, não
concordam com vocês. Na verdade, sempre achei que os comunistas fossem pessoas
equivocadas. Só isso e nada mais! Pois bem: eu chamei a atenção dos amigos
sobre os nossos causos, porque eu asseguro para todos, que é melhor encarar
lobisomens, caiporas, mulas sem cabeça, Et Cetera e tal, do que um bando de
dementes fardados, julgando serem os salvadores do mundo. Eu estou falando
sério, ao afirmar que, o animal mais perigoso que existe é o bicho homem.
Principalmente o fardado, porque sabe que é desprezado pela sociedade que
defende!
Seu
moço, meus camaradas de prosas, nessa bela noite fria e coberta de estrelas.
Vou contar prá vocês um caso que sucedeu comigo, aqui mesmo em Jequié, há
alguns anos. Antes de ir à narrativa, vou coar um cafezinho para a gente, que a
água já está fervendo na chocolateira e vou assar esse pedaço de bacalhau que
estava de molho, para tirar o sal.
Certa
feita, no começo do ano de 1958, após o final das sessões de cinema da cidade,
eu entrei no Bar Maringá, para comprar um maço de cigarros. Como vocês sabem,
naquela época, o bar era o ponto dos motoristas de caminhão e das meninas da
noite. Fiquei por algum tempo conversando com a rapaziada, pois o movimento
estava intenso naquele momento. De repente, eu fui abordado por dois sujeitos,
um dos quais me apresentou suas credenciais da policia federal. Eles eram
bastantes altos, quase da minha altura. Perguntaram o meu nome e eu respondi
prontamente. O outro, com sotaque estrangeiro, me
olhou
com raiva e disse que já tinha a minha ficha, pois eu era um fugitivo alemão,
acusado de crimes de guerra. Sorri para ele, argumentando que eu era moreno e
não poderia ser a pessoa que ele procurava. Nesse mesmo momento, ele suspendeu
a manga da minha camisa, mostrando a minha pele branca para todos, afirmando
que, somente o meu rosto e braços eram bronzeados pelo sol e que os meus olhos,
de um azul cinzento, eram tipicamente germânicos. Fiquei boquiaberto por uns
instantes, sem poder dizer nada e já estava preocupado com o rumo dos
acontecimentos. O policial me deu voz de prisão e já estava com as algemas na
mão, quando apareceu o meu amigo Fernando Nunes Vieira, fiscal do Estado e
irmão do prefeito Ademar Vieira. Fernando mostrou os seus documentos e em
seguida apresentei os meus. Eu disse ao sujeito de cara enfezada, que tinha
quinze irmãos e irmãs, como parentes em todo o Brasil e que, de alemão, eu só
tinha uma bisavó, que havia morrido há muito tempo. Fernando afirmou para os
dois homens, que eu era fiscal da prefeitura, amigo do prefeito da cidade e do
deputado Lomanto Junior. Depois de algum tempo de explicações e de depoimentos
de várias pessoas ali presentes, os dois homens cederam às nossas declarações,
e acabaram pedindo desculpas pelo contratempo. O vermelhão, mal encarado, me
mostrou o retrato do sujeito procurado. Embora fosse mais jovem, era um pouco
parecido comigo. Logo depois eles entraram em um sedan Ford e foram para
Jeguarquara em busca de outra pista. Despedi-me do amigo Fernando e fui para
minha casa. No trajeto fiquei avaliando, se a minha sorte seria a mesma, se
acaso eu estivesse em uma cidade diferente, na qual eu não seria conhecido de ninguém.
O meu amigo Fernando averiguou tudo depois, e confirmou que, o estrangeiro era
um caçador de nazistas.
Seu moço, meus amigos aqui presentes, ninguém está seguro nessa vida. Como é que um catingueiro tabaréu, que nem eu, possa ser confundido com um alemão?!... Fico imaginando, o que poderá acontecer com esses dois meninos, nesses tempos de demência. Por isso digo e repito: É melhor ter encrencas com lobisomem, caipora e mulas sem cabeça, do que se meter com essa gente. Agora vamos tomar outro cafezinho, que seu Jurandy vai contar prá gente, como ele conseguiu escapar da Mula Sem Cabeça, num sábado de aleluia.
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