Carlos Éden Meira
Não
levei muito tempo acreditando em Papai Noel. Acho que tinha uns quatro anos de
idade, quando me disseram que o tal “bom velhinho” era “de mentirinha”, e que
representava os pais das crianças que eram realmente, quem davam os presentes.
Muitos pais daquela época achavam que quanto mais cedo melhor, para não mais
iludir as crianças com certas fantasias. Hoje, os psicólogos acham que a
fantasia é naturalmente saudável, e faz parte de uma determinada fase infantil
que obviamente, tende a desaparecer à medida que a criança vai crescendo,
dentro da realidade de seu próprio meio. Numa certa ocasião, tive a
oportunidade de observar uma cena emblemática, cômica no seu aspecto cênico e
triste no que se refere ao sentido social e educacional, demonstrando o que a
realidade de cada um pode fazer, com o chamado “Espírito do Natal”.
Há
algum tempo, num tórrido dia de dezembro já quase ao meio-dia, debaixo de um
sol daqueles de fritar ovo no asfalto, quando ao voltar do trabalho, vi
descendo a Av. Rio Branco passando por baixo do Viaduto Daniel Andrade, um
velhíssimo caminhão basculante (caçamba) da Prefeitura, desses que transportam
entulho. Levava na carroceria ainda suja de terra, um sujeito vestido de Papai
Noel, com as roupas folgadas tipo “engole ele paletó que o finado era maior”,
acompanhado por dois músicos, um tocando um tambor (caixa), e o outro, um
trompete.
Tocavam
a velha marchinha “Boas Festas” de Assis Valente, como sempre: “anoiteceu, o
sino gemeu”... Suados, famintos e cansados dentro daquela carroceria de aço,
suja e terrivelmente aquecida pelo sol, o coitado do raquítico Papai Noel com
aquela roupa quente, o suor escorrendo incomodamente por baixo da roupa, pois o
tecido era daqueles que não transpiram, o sol inclemente, uma tortura.
Exatamente quando veículo passava sob a ponte do viaduto, alguns garotos de
sete ou oito anos de idade, e que brincavam sobre a ponte, ao ver o caminhão
passando, gritaram:
-
Papai Noel, viado!
O
Papai Noel já “virado no cabrunco”, no ato, esticou a mão fechada só com o dedo
médio para cima, naquele “clássico” gesto, gritando:
- Aqui
pra tu, seu “f” da “p”!
A cena, por um momento me fez rir, pois foi ironicamente cômica, entretanto, me fez refletir quanto ao aspecto emblemático que ela representou: um pobre cidadão desempregado, “pegando um bico” de Papai Noel para arranjar uns trocados, sendo ridicularizado por crianças também pobres, cuja realidade é bem distante das efusividades natalinas das crianças cujos pais podem se dar ao luxo de alimentar suas fantasias, e que podem freqüentar “shopping centers”, ganhar belos presentes “ofertados” por um saudável Papai Noel bem vestido, sentado em um luminoso trono dourado. Creio que se o “Espírito do Natal” fosse mais voltado para o seu verdadeiro significado, sem essa exploração consumista imposta pelo capitalismo brutal, onde uns têm tudo e outros não têm nada, tais cenas ridículas talvez não acontecessem.
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