domingo, 5 de setembro de 2021

O Leilão.

                                                              J. B. Pessoa

O evento festivo mais animado de Jequié acontecia em junho. Durante as treze primeiras noites do mês eram rezadas as trezenas na igreja matriz, e na Praça Castro Alves realizava-se a quermesse da casa paroquial, com várias brincadeiras típicas da região. Mas tarde, a festa perdeu a sua característica original e se transformou numa festa de largo, à semelhança das realizadas em Salvador. Nessa época apareceram as barracas de bebidas, tocando músicas soteropolitanas, totalmente inadequadas para a ocasião. A despeito do desprezo de alguns, a maioria da população via a novidade como uma forma de progresso. A festa foi crescendo, entrando pela Avenida Rio Branco, com várias opções vindas de fora, atraindo muita gente das cidades vizinhas, até mesmo de Salvador, transformando a festividade numa atração turística.

Certa noite enluarada, dia dos namorados, dois jovens adolescentes estavam bebericando em uma barraca e flertando as meninas da terra, quando apareceu uma belíssima loura de olhos azuis, dona de um corpo escultural, pele bronzeada e um belo par de coxas, que lhes dirigiu sorridente:

- Oi rapazes! Posso sentar um pouquinho com vocês? Estou morta de cansaço e não encontro nenhum lugar vazio.

Os garotos ficaram emudecidos, por alguns segundos, diante da repentina aparição. Logo após, um deles levantou-se e ofereceu o seu lugar a moça, dizendo amavelmente:

- Pois não senhorita! Sente-se em meu banco, que vou providenciar outro. Chamando o garçom pediu mais uma cerveja e ofereceu a moça:

- Tome um copo com a gente para aliviar o cansaço! Meu nome é Valdeck, sou conhecido como Quinho, e este garotão aqui é chamado de Colorido, um grande amigo.

Feitas as apresentações, os jovens ficaram sabendo que o nome da moça era Sueli, tinha vinte e três anos e residia em Salvador, trabalhando como vendedora em uma elegante loja da capital baiana. Apesar da beleza deslumbrante, via-se que era uma moça de origem modesta. Tinha vindo a Jequié, sua terra natal, para visitar uma tia que morava no Curral Novo.

Os dois jovens ficaram encantados com a garota. Conversaram com ela durante um bom tempo. Quinho, mais extrovertido que o outro, conduzia o papo estrategicamente a seu favor e a moça começou a demonstrar certo interesse por ele. A paquera seguia animada, quando apareceu um sujeito, que era conhecido dos rapazes, chamado José Costa Santos. Era um bancário, tirado a bonito, de vinte e oito anos, o qual puxou uma cadeira e sentou-se à mesa, sem ser convidado. Balançando uma penca de chaves, para evidenciar que possuía um carro, olhou para a turma e disse:

- Como é que é Quinho, não vai me apresentar à menina? – E virando-se para Sueli, com um olhar manhoso, articulou sem o menor pejo.

- Esse pessoal não tem educação. Meu nome é José Costa! Zezinho das meninas! Se o broto quiser, serei só seu!

Sueli riu muito do sujeito, ficando impressionada com a sua desenvoltura, principalmente quando ele chamou o garçom e pediu um litro de uísque com uma porção de croquete de camarão. Colorido virou para Quinho e cochichou ao seu ouvido:

- Esse cara está querendo lhe atravessar!

- Deixa pra lá que é melhor pra gente! Esse idiota é metido a rico e vai pagar a nossa conta, só para impressionar a mulher! – Disse Quinho, com tranqüilidade e olhando a atitude da mulher para com o bancário, acrescentou num sussurro:

- Ela está me parecendo um pouco interesseira!

- É isso aí meu camarada, mulher gosta mesmo é de otário gastador! – Completou Colorido, que não tinha a menor simpatia pelo bancário baixinho, que atendia pelo nome de Zezinho.

A noite foi passando animadamente, com a moça acompanhada pelos jovens e sendo paparicada Por Zezinho. A festa de Santo Antonio daquele ano superou às demais! Sueli e Zezinho pareciam velhos amigos, pois ele satisfazia qualquer desejo da moça! Quinho e Colorido estavam seguindo o casal a pedido da moça, que não queria se separar deles. De vez em quando, Zezinho virava para os rapazes e dizia:

- Vou comer essa loura!... Vou levar ela para o Motel Umbuzeiro e ferro na boneca!

Certo momento em que a turma passeava pela avenida, parou perto deles uma Mercedes Benz, novinha em folha, Ao volante estava um sujeito aparentando uns quarenta anos, o qual ficou fascinado pela moça, quando a viu na companhia dos rapazes. Por sua vez, a garota ficou apaixonada pelo carrão importado e começou dar bola ao cara que a olhava com insistência. Ele era um empresário e fazendeiro típico na região, com seu chapéu e botas de cowboy, e maneira relaxada de se vestir. Quinho conhecia o cidadão e fez as apresentações necessárias. Entre outras atividades, o sujeito era produtor e exportador de cacau, com fazendas em Ipiaú e municípios circunvizinhos. Zezinho detestou o sujeito logo de cara e entre os dois nasceu uma antipatia recíproca. Colorido, que a tudo observava, disse para Quinho à surdina:

- É esse coroa aí, quem vai comer a loura!

A essa altura, com novo personagem na trama, os rapazes ficaram curiosos para ver quem realmente ficaria com a moça. Seguiam os três, vendo Sueli sendo bajulada pelos dois numa disputa acirrada. Zezinho era orgulhoso e não queria deixar um coroa, careca e barrigudo, tomar uma mulher dele. A turma seguiu em direção a igreja para ver a parte tradicional da festa. Lá chegando, o cidadão que se chamava Enzo Panelli, foi cumprimentar o vigário da paróquia de Santo Antonio, lhe dizendo ao pé do ouvido:

- Padre, a doação que lhe prometi, sairá agora no pagamento de qualquer produto que eu arrematar em seu leilão, certo!

- Certamente Dr. Enzo, o senhor é quem manda!

O cidadão partiu em direção a turma, que estava um pouco afastada e não ouviu a sua conversa com o padre. Começando, novamente, a disputa com Zezinho, eles foram para um local onde acontecia o leilão, com produtos doados pelas casas comerciais à igreja. Esse leilão era interessante, porque somente as pessoas de posse eram quem arrematavam os produtos. Uns porque queriam fazer uma doação à igreja, outros por puro esnobismo, e alguns para impressionar uma garota. O leilão já tinha começado e os lances eram altos. De repente o leiloeiro ergueu um peru assado e disse com ânimo para a platéia:

Senhores!... Este peru foi preparado pela melhor cozinheira de Jequié! O lance de partida é quinhentos cruzeiros.

Sueli, toda dengosa, disse para seus admiradores:

- Ah!... Eu estou com vontade de comer um peru, hoje!

Zezinho, para impressionar a moça, deu o segundo lance, que foi de seiscentos cruzeiros, sendo logo cortado por alguém que ofereceu um pouco mais. Zezinho aumentou a oferta, porém teve o azar de ter um cara competindo com ele, o qual queria impressionar outra garota. Os dois ficaram algum tempo dando seus lances e o peru já estava na casa dos dez mil cruzeiros. Quando o seu opositor deu o lance de dez mil e quinhentos cruzeiros, O bancário sorriu com desdém para o seu adversário e, olhando para todos em seu redor, bradou orgulhosamente:

- Quinze mil cruzeiros!

O outro cavalheiro era um pequeno comerciante da cidade, não podendo arcar com a vultosa quantia, engoliu seco o seu orgulho. Nesse momento o recinto estava lotado de participantes e curiosos que queriam assistir àquela inusitada demanda. O leiloeiro esperou alguns segundos, gritando em seguida:

- Quinze mil cruzeiros!... Quem dá mais, quem dá mais!... Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe...

De repente uma voz poderosa ecoou na multidão!

- Um milhão de cruzeiros!

Todos os presentes ficaram estupefatos, diante da exorbitante quantia oferecida pelo novo competidor. Era Enzo Panelli, o qual sorria para o complacente vigário, diante da satisfação do leiloeiro, que entoou em alto e bom som:

- Adquirido pelo Dr. Enzo Panelli de Oliveira!

Segurando a bandeja com o peru assado, o multi milionário encarou Zezinho com desprezo e lhe disse sorrindo:

- Vou levar a loura para comer este peru na minha fazenda!... Sinto não poder lhe convidar! Virando para Quinho e Colorido disse a seguir:

Apareçam amanhã no White Star Bar, para a gente tomar uns uísques!

Acomodando a moça em seu carro, partiram dali sem demora, deixando atônitos todos os presentes que assistiam ao leilão.

Sem poder acreditar no que via, Zezinho bufou, esbravejou, rogando mil pragas àquela loura que, de repente, não era tão bonita assim. Quinho virou para o bancário e, disfarçando um sorriso, lhe disse em tom profético:

- Meu camarada!... Está escrito na Bíblia!... “Quem tem as unhas maiores, sobe pelas paredes”!

Nenhum comentário:

Postar um comentário