Por Carlos Eden Meira
Era um
tempo em que bar aberto depois da meia-noite, só no brega. Quem porventura
quisesse comprar cigarros, tomar uma “saideira” qualquer, ou mais de uma (como
sempre), teria que se dirigir às quitandas ou barraquinhas instaladas nas
imediações das casas de “mulheres da vida”. Alguns terminavam dormindo por lá.
No centro da cidade aos sábados, os bares funcionavam no máximo até a
meia-noite e eram freqüentados somente por homens, cujos excessos etílicos, não
raro terminavam em porrada, com muita cara quebrada e olho roxo no dia
seguinte. Garotas só entravam em bares para comprar sorvete ou doces, de
preferência durante o dia. Não havia essa de ir para barzinhos com a galera, ou
mesmo com o namorado, como se faz hoje em dia. Dançar e ouvir música ao vivo,
só nos bailes ou “chás dançantes” dos clubes, aos quais era preciso ser sócio,
e, nem todo mundo podia dispor desse “luxo”. A rapaziada costumava levar seus
violões para o bar, onde acontecia uma espécie de ensaio das músicas que seriam
tocadas logo mais, em alguma serenata encomendada para a namorada de alguém, ou
para alguma coleguinha de colégio. As garotas deixavam estrategicamente
escondida em algum local previamente informado, perto da casa onde a serenata
seria feita, uma garrafa de batida de limão ou de vermute, para os cantores
“molharem a garganta”, durante a cantoria.
Estávamos
numa dessas saudosas e alegres madrugadas, Soares Neto, João Batista,
Washington Rosa, e eu ao violão, “maltratando” músicas no Largo do Maringá,
quando avistamos subindo a Rua Bertino Passos, as inconfundíveis figuras de
dois inseparáveis amigos, ilustres poetas e velhos jornalistas, Eusínio Soares
e Wilson Novaes, cantando velhas canções de Lamartine Babo, intercaladas de
versos de Natur de Assis e do próprio Wilson. Vinham “machucando os olhos
dentro da noite”, como eles costumavam dizer, quando nos avistaram sentados no
meio-fio. Eusínio e Soares Neto, (pai e filho) ficaram felizes naquele boêmio
encontro, enquanto Wilson ao notar a presença de um violão, começou a cantar
sambas-canções, alguns dos quais eu tentava acompanhar, pois, conhecia as
letras, mas, “aleijava” as harmonias ao violão, coisa com que ninguém parecia
se preocupar. Estávamos próximos a um dos poucos bares ainda abertos àquela
hora, freqüentados pelas “damas da noite” que iam ali comprar cigarros e
bebidas, o que dava ao ambiente, certo ar “jorgeamadiano” com seus personagens
noctívagos. Aprendemos também, a “machucar os olhos dentro da noite” em muitos
outros encontros pelos bares da cidade; encontros recheados de declamações de
poemas, casos interessantes contados pelos velhos jornalistas, e muita música
de seresteiros.
Naquela
noite, em dado momento, Wilson, que conforme ele próprio dizia “vinha adiando
uma ressaca há anos”, de copo em punho, se posicionou no meio da calçada a
declamar um de seus poemas, quando uma bicicleta bêbada passou veloz, rente ao
seu corpo, quase o atropelando.
-
Cuidado, Wilson! A bicicleta quase te mata! – brincou alguém.
-
Bicicleta, me matar? – questionou Wilson.
- Eu
já disse mais de mil vezes, que não morro em tragédia vagabunda! – concluiu. Ao
raiar do dia, após abraços e mais abraços fraternais, despedimo-nos, e,
cambaleantes a caminho de casa, ríamos, lembrando da frase de Wilson: “Não
morro em tragédia vagabunda”.
E não morreu mesmo. Nem em tragédia vagabunda, nem shakespeariana. Em algum lugar no tempo e no espaço, Wilson Novaes, Eusínio Soares e Soares Neto, continuam vivos ali naquele momento feliz, naquela madrugada mágica e boêmia de poesia e música.
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