sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

A Parada.

                                                                J. B. Pessoa


Capítulo - 56 do livro " Guris e Gibis".

Finalmente o sol apareceu. Não o sol causticante que deu fama à cidade; mas um sol brilhante, que radiava um calor agradável, antecipando a primavera que estava por vir. Apareceu de repente, com vivacidade, deixando a população contente, depois de meses de um inverno anômalo, só visto antes pelos mais velhos. Os dois últimos meses foram de uma apatia total, sem nenhum acontecimento na cidade, que pudesse trazer ânimo a uma garotada, ávida de diversões. Os adultos ficaram atentos aos noticiários dos jornais e revistas, como também dos rádios ou nos alto falantes da cidade, os quais abordavam assuntos, como o concurso de Miss Universo no final de julho, quando a belíssima baiana Martha Rocha perdeu o título para a americana Miriam Stevenson, por ter duas polegadas a mais nos quadris. O assunto virou notícia em toda a Imprensa brasileira e revistas como O Cruzeiro e Manchete alardeavam a injustiça aos quatro cantos do País. Bem mais polêmico foi o suicído do presidente Getúlio Vargas, naquele fatídico 24 de agosto, depois de muitas semanas de nervosismo e agitação, causando grande comoção nacional.

A brisa proporcionada pela aragem no final de agosto fez com que a meninada, ao sabor do vento, começasse a empinar suas arraias, pipas e papagaios por toda a cidade. O fato deu início ao chamado tempo das arraias. Era comum na região, em algumas épocas do ano, os garotos se concentrarem em apenas um tipo de brincadeira. Havia o tempo dos piões, das gudes, dos triângulos etc. As meninas também tinham as suas manias, que iam de pular cordas, brincar de amarelinha e o jogo das pedrinhas, que em Jequié, tinha o nome de capitão. Apesar do marasmo, nos cinemas da cidade passaram bons filmes e as matinês continuavam sendo a recreação predileta da meninada.

O sol apareceu e com ele a alegria estampada no rosto de cada um. Esse sentimento transpareceu naquele sete de setembro, em que as virtudes cívicas pareciam aflorar no peito de cada cidadão, dando vivas à democracia e fazendo apologias ao sufrágio universal.

Os alunos do Grupo Escolar Castro Alves estavam de prontidão, com suas fardas engomadas e sapatos bem engraxados, na espera do grande desfile, que iria acontecer naquela radiante manhã. Estavam todos concentrados no campo de futebol do Ginásio de Jequié, juntos aos alunos daquele colégio, e seria a primeira escola que abriria aquela parada. Johnny estava na companhia de Luís e Eduardo, pois pertenciam ao primeiro pelotão da escola. As fardas escolares dos garotos eram confeccionadas, obedecendo ao padrão militar, herança da época do Estado Novo. Johnny estava preocupado. O garoto, que nunca havia participado de um desfile, foi designado pela professora Emilia para levar o estandarte da escola, ladeado a duas belas meninas do quinto ano. Ficou um tanto apreensivo e, quando pretendia pedir ajuda aos amigos, viu que Berenice iria fazer parte do grupo que carregaria as bandeiras do seu colégio. Sendo

assim, ele resolveu encarar aquele desafio, vendo naquela situação, uma maneira de aparecer perante a garota.

Depois da missa campal, ministrada pelo padre Leonides Spínola, diretor do Ginásio, os alunos das duas escolas, que portavam estandartes, se aproximaram do mastro, onde foi hasteada a bandeira brasileira, enquanto todos os presentes entoavam o Hino Nacional. Johnny ficou perto de Berenice por breves instantes, a qual o ignorou completamente, desviando o olhar de sua pessoa. Após o maravilhoso cântico, deu-se o início do desfile, com os alunos do Castro Alves saindo à frente e em seguida os alunos do Ginásio de Jequié, marchando pela avenida, para apresentar suas bandeiras às autoridades, no palanque armado na Praça Ruy Barbosa. Logo após, acompanhando os ginasianos, seguia a Escola Normal do Ginásio de Jequié, com suas belas normalistas, marchando com charme e elegância. A seguir, seguindo o desfile, foi à vez do Colégio Estadual de Jequié e, logo após, veio o Tiro de Guerra 128, dando mostra de disciplina e civismo, marchando com garbo e distinção. Depois dos desfiles das escolas e do tiro de guerra, a cavalhada encerrou a parada, com dezenas de cavaleiros desfilando pela avenida, apresentando com orgulho os seus garanhões. Chegando à Praça Ruy Barbosa os pelotões do Castro Alves se dissolveram, dando oportunidade aos seus alunos de assistir ao resto do desfile. Johnny ficou encantado com as alunas da escola normal, que com suas fardas de gala arrebatavam aplausos da multidão, deixando enlevada a rapaziada, a qual tinha orgulho de pertencer a uma cidade, que tinha fama de possuir as moças mais bonitas da região.

A parada teve o seu final, após o meio dia. A seguir a maioria das pessoas retornou às suas residências, pois era a hora do almoço em família. Contudo, a mocidade ficou ainda pelas ruas, concentrando a sua animação em flertes na Confeitaria Cristal. Os boêmios comemoravam a data da independência, nos bares da cidade, observando os cavaleiros que, aos grupos, troteavam pelo centro da cidade, demonstrando suas destrezas em galopes articulados, alguns dos quais davam mostras de grande talento na arte da equitação.

Logo em seguida, após o final da parada, Luísa foi ao encontro de Eduardo, avisando que a turma esperava por eles na confeitaria. Eduardo seguiu com sua namorada, deixando os dois primos sentados em um dos bancos do jardim, para conversarem melhor sobre a nova situação. Eles já sabiam que Berenice não queria ver Johnny e que o namoro dos dois tinha terminado. Johnny, se esforçando para esconder a sua tristeza, aconselhou Luís, dizendo:

- Primo, eu acho melhor você ir encontrar com a turma. Não precisa se preocupar comigo. Vá ver Berenice e, se alguém perguntar por mim, diga que fui à matinê. Afinal você pretende namorar a menina, não é?

- Sim, já que você não se incomoda com isso!... Não é verdade?!

- Claro! Como lhe disse antes: prefiro você, que é da minha estima, do que outro qualquer.

- Sendo assim, eu estou indo! A gente se vê depois.

- Divirta-se amigo! – Disse Johnny com sinceridade, se despedindo do primo, que seguiu animado, para encontrar o pessoal no lugar combinado.

Johnny não quis ir para casa, pois estava triste demais com a separação. Ele se sentou em um banco, posicionando-se em um lugar estratégico, no centro do jardim, cujos arbustos o camuflava da visão das pessoas que passeavam na praça. Estava se sentindo como um renegado, que foi enviado ao exílio por um crime qualquer. Ficou ali, solitário, observando a alacridade reinante na confeitaria. Queria rever o seu amor, mesmo que fosse ao longe. A saudade que sentia machucava o seu coração, corroia-lhe a alma.

A Confeitaria Cristal estava superlotada com a alegre juventude jequieense. Como o tempo estava cálido, com um sol aconchegante; o consumo de refrigerantes superou aos chás costumeiros e chocolates quentes, que eram consumidos com os quitutes da casa. A maioria dos namorados tinha aderido à moda americana de tomar a mesma coca-cola, com dois canudinhos, pertinho um do outro, com os rostos coladinhos. Berenice tinha ocupado a sua mesa predileta, a qual dava uma boa visão para a praça. Do lugar onde estava sentado, Johnny pode distinguir a garota na companhia de Luís. Estavam todos juntos: Edgar, Neide, Norma, Bill, Eva Marli, Luísa e Eduardo. Só estava faltando ele e Orlando. Mesmo ao longe, o garoto notou que Berenice falava pouco, parecendo um pouco distante, de tudo aquilo. “Será que ela sente a minha falta?” Pensou naquele momento e uma onda de esperança penetrou em seu íntimo, dando um curto alívio a sua dor. De repente a garota levantou-se de onde estava e, despedindo-se dos amigos, retirou-se do estabelecimento e foi para a sua casa, sendo acompanhada por Luís, Eva Marli e Bill Elliott. Johnny acompanhou os jovens com o olhar, até eles sumirem, entrando na Rua da Itália, onde Berenice morava. Johnny permaneceu escondido, por algum tempo, e verificou que o resto da turma, não demorou muito, retirando-se em seguida. O garoto se deu por satisfeito e foi embora, quando o relógio da matriz anunciava às quatro horas da tarde.

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