sábado, 12 de setembro de 2020

UM TÚNEL NO FIM DA LUZ

 Carlos Eden Meira

Lembro-me do “trem fantasma”, num parque de diversões, nos meus tempos de infância. Entre garotos e garotas éramos uns oito “passageiros”, naquele pequeno vagão aberto percorrendo um túnel povoado de “assombrações” diversas. Algumas garotas gritavam realmente apavoradas com os fantasmas, lobisomens, morcegos gigantes e bruxas que surgiam repentinamente dos cantos escuros do túnel, enquanto nós meninos estimulávamos o pânico, e nos divertíamos fingindo também, ter medo. Claro que alguns dos meninos menores também estavam assombrados, e era com alivio que viam se aproximar a luz no fim do túnel onde terminava aquela “viagem”.

Para mim, aquela viagem continua. Entretanto, as “assombrações” são outras e são reais. Muito mais assombrosas, pois, agem em plena luz do dia ou a qualquer hora, e povoam as instituições, levando o horror dos extremismos ideológicos obscurantistas, da ignorância, do fanatismo intolerante, da mentira e da hipocrisia, acompanhados de crimes violentos e corrupção que ferem mortalmente a dignidade humana. Diferentemente daquelas crianças que se sentiam aliviadas ao ver a luz no fim do túnel, sinto-me ansioso e apreensivo, pois, um novo “trem fantasma” parece estar fazendo o caminho inverso, saindo da luz em direção a um escuro túnel.

Vivemos uma era de incertezas, onde o preconceito, o desrespeito aos direitos individuais superam os valores humanitários, onde a violência urbana e as guerras entre facções criminosas parecem totalmente fora de controle. A ciência moderna passa por um momento grave na luta contra uma pandemia devastadora, porém muitos indivíduos se preocupam muito mais com interesses que lhes deem lucro, pouco importa o mal que possam causar ao ser humano. Pouquíssimos são os recursos investidos na saúde e na educação, na luta contra devastação do meio-ambiente e calamidades que ameaçam o planeta. O velho antagonismo ideológico da chamada “guerra fria”, que só serviu aos interesses das potências dos blocos ocidental e oriental, fomentando ditaduras nos pobres países sob seus controles, parece mais ativo do que nunca, usando agora, os novos recursos tecnológicos de uma mídia de amplitude global que mais confunde do que esclarece.

Sinto falta daquele velho parque de diversões e seu “trem fantasma”, onde as “ameaças” eram apenas vampiros, lobisomens, fantasmas e bruxas. Meras divertidas ilusões, “assombrações” que desapareciam quando surgia a luz no fim do túnel.

NOTA: O texto acima é uma reedição atualizada pelo autor, adaptada para os dias de hoje.

7 comentários:

  1. Muito boa a comparação que Eden faz. Vemos que os monstros realmente são muitos e onipresentes. O pior é que a superabundância e onipresença causam muitos danos.

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  2. Belíssimo texto! Retrata todo o drama que estamos vivendo. Parabéns!

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