sexta-feira, 24 de julho de 2020

A Missa de Santo Antônio.

J. B. Pessoa

Capítulo - 41 do livro " Guris e Gibis".


Johnny despertou naquela manhã, ouvindo o som da foguetada, que anunciava a alvorada do último dia dos festejos dedicados ao santo padroeiro de Jequié. O garoto estava contente com o clima de festa, que reinava em sua casa, pois o tio Gustavo apareceu de surpresa, com o seu automóvel, para levar a família do primo para as missas matinais daquele especial domingo. O sol brilhava com mais intensidade, prometendo um dia mais agradável do que os anteriores, apesar da chuva fina que caiu pela madrugada, cobrindo de orvalho as viçosas plantas de Dona Nonnita, a qual cultivava uma pequena horta, em torno do tanque.
Após uma deliciosa refeição matinal, feita de iguarias da cozinha sertaneja, a família entrou no automóvel, pronta para assistir às missas, daquele domingo festivo. Estavam todos elegantemente vestidos, com roupas de inverno, pois apesar da claridade solar, o frio permanecia e, por vezes, a temperatura caía, deixando a criançada sujeita a constipações, as quais necessitavam de cuidados especiais. O senhor Gustavo passou pela sua casa, no Largo do Maringá para pegar sua esposa e filho e, todos juntos no espaçoso e confortável sedan, seguiram animados com destino à igreja matriz.
O senhor Gustavo estacionou o seu automóvel, um pouco distante da igreja, em um local bem diferente de outros domingos. Dona Amélia ficou surpresa com o número de veículos estacionados por toda a praça, alguns dos quais belíssimos sedans, no meio de dezenas de jipes e caminhonetas, pertencente aos fazendeiros da região. Os dois casais sobem as escadarias da igreja, comentando sobre o desenvolvimento da cidade, refletido no luxo e no requinte de seus cidadãos. Nesse momento Luis pede permissão aos pais, para ficar com os garotos da cruzada, convidando Johnny e Maria de Fátima para acompanhá-lo. A menina preferiu ficar com a mãe e os dois garotos partem em busca dos amigos, para encontrá-los no local de sempre, perto da porta que dá visão para o coral de meninas da igreja.
Como sempre acontecia nas principais datas litúrgicas, a última e principal missa do dia 13 de junho era celebrada pelo bispo de Amargosa, de cujo bispado pertencia às paróquias jequieenses. Ao contrário da sexta-feira da paixão, que proporcionava aos fiéis certa sobriedade, a igreja oferecia naquela manhã, uma coloração especial, com muitas luzes brilhando em seu interior, apresentando em seu seio, as mais distintas pessoas daquela comunidade. A fragrância desprendida pelas flores que enfeitavam a igreja dava ao ambiente um aroma especial, muito agradável de sentir que, somados aos finíssimos perfumes usados pelas nobres senhoras, e pela queima de incenso no culto religioso, reproduziam o aroma característico das missas dominicais.
Johnny e Luis encontraram com Orlando, Eduardo e Bill Elliott discutindo sobre futebol. Logo depois apareceram outros garotos e a conversa
despencou para a copa do mundo, agora com as apreciações de Luis Augusto, que repetia sempre a visão de seu pai a respeito do assunto. Johnny gostava de jogar bola, mas não se interessava pelo esporte na íntegra, como faziam seus camaradas. Não torcia por nenhum time, porém tinha uma simpatia especial pelo Ipiranga de Salvador, time de seu pai e do seu tio Gustavo. Procurava não dar opiniões e detestava a explanação mais ostensiva do esporte, mesmo os produzidos pelos famosos comentaristas do rádio. Naquele momento sua atenção voltou-se para a preparação da foguetada, que iria ocorrer ao término da missa. O garoto era fascinado por fogos, principalmente pelos foguetões que eram soltos às dúzias, em diversas plataformas redondas, as quais eram dotadas de doze buracos, cada uma, apoiadas por um pau alto, o bastante para que as varas não tocassem no chão. Na plataforma o fogueteiro espalhava pólvora e deixava uma espécie de estopim pendurado, para atear fogo no momento oportuno.
Johnny ficou algum tempo observando todo aquele movimento, com vontade soltar aqueles foguetes, como fazia seu pai. Porém, o garoto não tinha altura suficiente para isso, pois um foguete ao ser lançado deveria o seu bojo ficar abaixo e muito longe do rosto do atiçador. Sendo, por isso, que ele se contentava com os pequenos, mesmo assim, longe dos olhos de Dona Nonnita.
O som de um órgão, magistralmente tocado por uma famosa musicista jequieense, chamou a atenção dos fieis naquele momento, que fascinados, ouviram o canto do movimento 42, do mais famoso e conhecido oratório de Handel, denominado “O Messias”. Estava sendo executado pelo coral da Igreja Matriz de Jequié, que dava mostra de um talento, reconhecido em toda a região. Johnny chegou à porta e verificou que aquele coral era de pessoas adultas, composto de ambos os sexos e, diferentemente do coral das meninas, estava situado no local de praxe da igreja, denominado coro. O garoto ficou fascinado com a beleza daquela música, conhecida com o nome de “Aleluia”, a qual encantou todos os presentes durante a missa. Johnny entrou na igreja para observar melhor o coral e ouvir aquela maravilhosa polifonia, que o seduzia profundamente. O cheiro de incenso queimado penetrou em suas narinas, deixando-o enlevado momentaneamente. Tentou seguir mais além da porta, mas a igreja estava abarrotada de gente, impedindo-o de ir adiante. O garoto permaneceu naquele local até o final do canto, olhando com curiosidade as pessoas ao seu redor, as quais exibiam seus melhores trajes domingueiros. Notou que, na parte mais próxima ao altar, concentravam a elite da cidade, principalmente os políticos, que naquele ano de eleições, tentavam fazer boa figura de si mesmos, perante a comunidade católica, a qual era a extrema maioria em todo o município. Tendo acabando a execução daquele sacro canto, o menino aproveitou o movimento das pessoas em direção ao altar, para receber a comunhão, e retornou ao pátio, no momento em que o sacerdote ministrava aos fieis, aquele sacramento. A garotada continuava na conversação a respeito da seleção brasileira, dando subjetivas opiniões a respeito da escalação, protestando pelo fato do treinador, ter preterido os ídolos de seus times
preferidos. De repente a conversa se transforma em discussão, deixando Johnny preocupado com a calorosa manifestação de alguns garotos. Percebendo que um dos adultos presentes no local, preparava-se para ralhar com seus amigos e, temendo acontecer um desentendimento entre eles, Johnny toma a iniciativa, alertando:
- Pessoal, estamos numa igreja! Vocês não acham melhor deixar suas considerações pra depois?
- Puxa a vida! Eu tinha me esquecido disso! – Ponderou Luis Augusto, um tanto preocupado com sua atuação naquela contenda.
Orlando sorriu com desdém e disse mangando de Johnny:
- Ih turma, lá vem o CDF mor tirar onda com a gente!
Alguns dos garotos começaram a rir e, um deles, apelidado de Pedro Chulé, o qual sentia certa antipatia por Johnny, completou:
- Esse cara quer tirar onda de moralista, mas não passa de um puxa - saco de professoras!
Antes que Luis Augusto pudesse dizer alguma coisa, Bill Elliott intervém naquela gozação despropositada, apoiando o amigo:
- Deixem de ser bestas, que Johnny está com razão! As pessoas já estão olhando para gente com cara feia!
- Problema delas! A missa começa depois da porta e a gente está no pátio! – Retrucou Pedro Chulé, zangado com a intervenção de Bill Elliott. Orlando aproveitou a oportunidade e, por puro despeito, começou a mangar dos meninos, arrancando gargalhadas da garotada no recinto:
- Deixe estar, Pedro!... São todos filhinhos da mamãe!
Eduardo, visivelmente indignado com a subversão de valores, gritou irritado:
- Vocês dois são os piores alunos das escolas Jequieenses! Já estão com mais de quinze anos e não saíram do primário!
A discussão da garotada já estava esquentando novamente, quando apareceu um sujeito e passou uma compostura arrochada na meninada, intimidando a todos com um cassetete de madeira nas mãos, ameaçando levar todo mundo para a prisão. Era um famoso doido local, conhecido como Balbino Compasso. Ele era de cor parda escura e estava na casa dos trinta anos; era muito estimado pela população e temido pela garotada. Trajava sempre uma inusitada farda militar, composto de uma calça de brim cáqui, uma jaqueta de farda escolar e na cabeça portava um quepe do Tiro de Guerra de Jequié. A maioria da garotada caiu fora dali em segundos, principalmente Orlando, que já havia experimentado uma paulada do famoso demente. Do lado de fora da igreja, alguns moleques gritaram:
- Balbino, comunista!...Ô compasso!...
Nesse momento, as badaladas dos sinos da igreja anunciam o final da missa e a saraivada de foguetes começa a subir em todas as direções da praça, pipocando suas bombas, que eram ouvidas por toda a cidade. Durante alguns minutos, o pessoal que saíam da igreja esperava o término da foguetada para
poder sair com segurança, pois a quedas das flechas poderiam acarretar algum acidente. Um considerável número de pessoas permaneceu nos pátios da igreja, para cumprimentar o prefeito Antonio Lomanto Junior, que é devoto de Santo Antonio e muito querido, por parte significativa da população. Estava acompanhado do seu candidato a prefeito Ademar Nunes Vieira e dos concorrentes a vereadores daquele ano de eleições. Os primos Gustavo e Miguel foram saudar o prefeito e o congratular pela sua excelente administração em todo o município. Ficaram por breves instantes na companhia dele e depois das despedidas, foram ao encontro de Dona Nonna e Dona Amélia que os esperavam nas escadarias.
Johnny não conseguiu falar com Berenice e Eva Marli, que estavam com os pais na companhia de Dorival Borges, outro candidato a prefeito da cidade. Limitou-se apenas a acenar para elas. Berenice veio imediatamente ao seu encontro e, abraçando o garoto com alegria beijou o seu rosto, dizendo:
- Querido! Não posso me demorar, pois eu e Eva temos de acompanhar nossos pais, que vão almoçar com os Borges. Nós nos veremos à tarde na procissão, certo?
- Claro!... Vou lhe esperar com saudades!
A menina apertou a mão do garoto e fitando os seus olhos, disse ternamente:
- Eu também baby!... Eu também!
Nesse momento apareceram Eduardo, Luis e Orlando, que tinham desencontrado de Johnny na hora da foguetada. Luis Augusto cumprimentou a garota efusivamente. Berenice saudou a todos com meiguice e carinho e desculpou-se deles pela sua pressa, prometendo encontrar os garotos à tarde. Johnny e Luis se despediram dos amigos e seguiram ao encontro dos pais. Logo após, todos seguiram juntos para almoçar no famoso restaurante do Hotel Carioca.

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