Ao anunciar sua demissão do governo
federal nesta sexta-feira (24), o ministro Sergio Moro (Justiça) criticou a
"insistência" do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para a troca
do comando da Polícia Federal, sem apresentar causas que fossem aceitáveis.
Disse ainda que Bolsonaro queria ter acesso a informações e relatórios
confidenciais de inteligência da PF. "Não tenho condições de persistir
aqui, sem condições de trabalho." E disse que "sempre estará à
disposição do país".
"Não são aceitáveis indicações
políticas." Moro falou em "violação de uma promessa que me foi feita
inicialmente de que eu teria uma carta branca". "Haveria abalo na
credibilidade do governo com a lei."
O
ministro Sergio Moro, ao anunciar sua demissão do governo Bolsonaro - Pedro Ladeira/Folhapress
Moro disse ter o dever de proteger a
instituição da PF, por isso afirmou ter buscado uma solução alternativa para o
comando da corporação, o que não conseguiu. "Fiquei sabendo pelo Diário
Oficial, não assinei esse decreto." O agora ex-ministro disse que isso foi
algo "ofensivo" e que "foi surpreendido". "Esse último
ato foi uma sinalização de que o presidente me quer fora do cargo."
Ele enalteceu seu papel na busca pela
autonomia da Polícia Federal e destacou essa característica da corporação nos
governos dos ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do
PT.
Moro destacou a autonomia da PF nas
gestões federais do PT, mesmo com "inúmeros defeitos" e envolvimentos
em casos de corrupção. Relembrou promessa de "carta branca" recebida
pelo então presidente eleito Jair Bolsonaro para nomear todos os assessores,
inclusive na Polícia Federal.
O ex-juiz da Lava Jato disse que
nunca houve condição para ser ministro em troca de indicação para uma vaga de
ministro do STF (Supremo Tribunal Federal). A ideia, segundo Moro, era buscar
um nível de formulação de políticas públicas, de aprofundar o combate à
corrupção e levar maior efetividade em relação à criminalidade violenta e ao
crime organizado.
Moro diz que somente colocou uma
condição a Bolsonaro para que assumisse o cargo. "Se algo me acontecesse,
uma pensão para a família." No cargo, Moro cuidava também da segurança
pública.
"Me via, estando no governo,
como um garantidor da lei e da imparcialidade e autonomia destas
instituições", afirmou o ministro, em seu pronunciamento.
Em sua fala, Moro lamentou sua saída
em meio à pandemia do coronavírus, com centenas de mortes no país, enalteceu
sua carreira como juiz federal com atuação na Operação Lava Jato de Curitiba.
A demissão de Moro foi antecipada
pela Folha. Ele decidiu entregar o cargo nesta sexta-feira e deixar
o governo após a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal,
Maurício Valeixo, ter sido publicada nesta madrugada no Diário
Oficial da União. Ele anunciou a saída do governo a pessoas próximas.
Conforme a Folha revelou,
Moro pediu demissão a Bolsonaro na manhã desta quinta (23) quando foi informado
pelo presidente da decisão de demitir Valeixo. O ministro avisou o presidente
que não ficaria no governo com a saída do diretor-geral, escolhido por Moro
para comandar a PF.
A exoneração foi publicada como
"a pedido" de Valeixo no Diário Oficial, com as assinaturas
eletrônicas de Bolsonaro e Moro. Segundo a Folha apurou,
porém, o ministro não assinou a medida formalmente nem foi avisado oficialmente
pelo Planalto de sua publicação.
O nome de Moro foi incluído no ato de
exoneração pelo fato de o diretor da PF ser subordinado a ele. É uma
formalidade do Planalto.
Na avaliação de aliados de Moro,
Bolsonaro atropelou de vez o ministro ao ter publicado a demissão de Valeixo
durante as discussões que ainda ocorriam nos bastidores sobre a troca na PF e
sua permanência no cargo de ministro. Diante desse cenário, sua permanência no
governo ficou insustentável, e Moro decidiu deixar o governo.
Moro topou largar a carreira de juiz
federal, que lhe deu fama de herói pela condução da Lava Jato, para virar
ministro. Ele disse ter aceitado o convite de Bolsonaro, entre outras coisas,
por estar "cansado de tomar bola nas costas".
Tomou posse com o discurso de que
teria total autonomia e com status de superministro. Desde que assumiu, porém,
acumulou série de recuos e derrotas.
Moro se firmou como o ministro mais
popular do governo Bolsonaro, com aprovação superior à do próprio presidente,
segundo o Datafolha.
Pesquisa realizada no início de dezembro
de 2019 mostrou que 53% da população avalia como ótima/boa a gestão do ex-juiz
no Ministério da Justiça. Outros 23% a consideram regular, e 21% ruim/péssima.
Bolsonaro tinha números mais modestos, com 30% de ótimo/bom, 32% de regular e
36% de ruim/péssimo.
O ministro, nos bastidores, vinha se
mostrando insatisfeito com a condução do combate à pandemia do coronavírus por
parte de Bolsonaro. Moro, por exemplo, atuou a favor de Luiz Henrique Mandetta
(ex-titular da Saúde) na crise com o presidente.
Aliados de Moro avaliam que ele foi
um dos alvos da recente declaração de Bolsonaro de que usaria a caneta contra
"estrelas" do governo.
"[De] algumas pessoas do meu
governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando demais. Eram pessoas
normais, mas, de repente, viraram estrelas, falam pelos cotovelos, tem
provocações. A hora D não chegou ainda não. Vai chegar a hora deles, porque a
minha caneta funciona", afirmou Bolsonaro, no início do mês, a um grupo de
religiosos que se aglomerou diante do Palácio da Alvorada.
Com a saída de Moro do governo, o chefe da
Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, passou a ser um dos mais
cotados para substituí-lo.
Num cenário ainda incerto, um dos
desenhos no Palácio do Planalto é de que haja a cisão de Justiça e Segurança
Pública, desejo antigo do presidente Jair Bolsonaro (sem
partido).
Se isso se confirmar, a probabilidade
maior é que Jorge assuma Segurança Pública por ser policial militar da reserva
do Distrito Federal. Há, contudo, uma possibilidade e que ele vá para Justiça,
mas considerada menor.
Já para a Justiça, o nome mais forte
é o do secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson França,
que tem se aproximado de Bolsonaro. Lateralmente, há uma possibilidade de o
ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF) ser escolhido.
Fraga, que é amigo pessoal do
presidente, poderia ainda ser indicado para a Secretaria-Geral, no lugar de
Jorge. Com isso, o governo ganha um político no Planalto para auxiliar na
articulação com o Congresso. Hoje, há apenas militares nas quatro pastas que
ficam no prédio da Presidência.
Essas mudanças foram tratadas pelo
presidente com o governo do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que esteve no
Planalto na última quarta-feira (22).(Folha de São Paulo)
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