J. B. Pessoa.
Foi em uma belíssima noite de São João,
que aquele garoto, de dez anos de idade, a viu pela primeira vez. Ela estava
radiante em seu vestido tradicional de sertaneja, distribuindo charme e
simpatias. Ele, trajando uma calça rancheira e usando uma camisa quadriculada,
com um chapéu de palha e um lenço em seu pescoço, parecia mais um cowboy do
cinema, do que um simples matuto do Sertão. Ela já era uma mocinha de doze
anos, mais alta do que ele. Era loiríssima com dois olhos azuis, os quais
pareciam dois faróis, de dar inveja numa Lua tímida, naquela fria noite de
inverno do sudoeste baiano.
O chuvisco fino e gelado não incomodava
aquela meninada feliz dos saudosos "Anos Dourados". Os quais, em
volta das ardentes fogueiras, soltavam fogos e balões. Todas às residências
estavam em festas comemorando a festa mais animada do Sertão Brasileiro.
A população vivia em uma vila, que mais
parecia uma aldeia portuguesa, devido à ascendência luso-italiana de seus
habitantes. Os moradores mais velhos eram quase todos, parentes. Falavam,
constantemente, uma espécie de dialeto, que era a mistura dos dois idiomas.
"A fogueira está queimado e o
forró já começou", dizia uma canção, ouvida em um rádio, ligada à bateria
de um carro. E começou mesmo: dentro de uma bela residência, iluminada por
modernas lamparinas, a festança iniciou, animada por músicos típicos da região,
com as tradicionais modinhas portuguesas e as novas melodias de sucesso no
rádio. Nesse momento, todos adentraram no espaçoso salão, e a animada folia
começou. Havia pessoas de todas as idades. De jovens adolescentes à meninada
afoita, como também, os senhores, senhoras e senhoritas, entre as quais, a bela
pubescente loirinha, que conquistou o coração do cândido garoto, o qual se
encontrava em um canto, olhando, timidamente, tudo com muito interesse. Ela
quando o viu, sorriu para ele e foi ao seu encontro. Beijando o rosto o garoto,
ela se apresentou. Era prima de sua mãe e o conhecia desde a sua primeira
infância. Nesse momento dir-se-ia que, o jocoso cupido havia flechado ambos os
corações, pois um sublime amor floresceu entre o belo menino e a lindíssima
garota.
Após um curto instante de contemplação,
a garota convidou o menino para dançar. Surpreso com o pedido, ele tentou se
esquivar, revelando que não sabia e nunca havia dançado com alguém. Ela o
convenceu, dizendo que o ensinava. Diante de tanta amabilidade, o garoto perdeu
a sua timidez e cedeu aos encantos da bela prima de sua mãe.
Os dois dançaram abraçados numa
felicidade total, pois já estavam namorando. Ela havia lhe pedido em namoro,
enquanto dançavam. Ficaram juntos, até a hora que o sono pegou um menino, que
tinha o hábito de dormir cedo. A seguir, o garoto se despediu de sua namorada e
foi dormir numa felicidade, nunca d'antes sentida.
Os dias que seguiram foram de completa
felicidade para os jovens púberes. Para surpresa do menino, a irmã de sua
namorada era noiva de um primo do seu pai. O rapaz tinha vinte e três anos e a
moça dezoito. Como garoto era de outra cidade, estava passando suas férias
juninas, hospedado na residência dos parentes paternos. Assim sendo, todas às
noites elas era convidado pelo primo para irem visitar suas namoradas. Foram
momentos inesquecíveis. Sub um luar esplendoroso, eles deleitavam-se em agradáveis
palestras. Com o passar das horas, o garoto, ainda acriançado, caía em seu sono
infantil e acabava adormecendo, chupando o seu dedo polegar. A sua namorada o
acordava, osculando suavemente o seu belo rosto, dizendo ternamente, que era a
hora de todos dormirem. Os primos despediam-se das irmãs e ambos iam para casa,
apaixonados e felizes.
O romance entre os dois precoces
namorados gerou ciúmes e invejas na rapaziada juvenil, daquela especial vila.
Os adolescentes, acima dos quinze anos eram fascinados pela garota. Alguns
deles já haviam pedido em namoro, aquela encantadora loirinha. Eles não
entendiam como um guri tão imaturo pudesse sobrepor entre os mais velhos.
Sendo, assim, as esperanças da rapaziada se concentraram na festa de um
matrimônio, cuja celebração seria no próximo final de semana.
Entre os pretendentes em namoro da
famosa garota, havia um rapaz de dezoito anos, o qual estava concluindo o
ginásio na cidade de Vitória da Conquista. Ele arquitetou um plano para tirar
aquele incômodo moleque de cena e, pacientemente, esperou o grande dia.
A festa de casamento era esperada com
satisfação pelos habitantes da pequena vila. Todos os seus habitantes tinham
sido convidados. Os nubentes eram parentes dos dois púberes namorados. O casamento
era em uma fazenda, próxima da vila, onde os convivas poderiam ir andando.
No final da tarde daquele sábado, a
rapaziada já se encontrava dirigindo-se para as bodas na fazenda. Depois da
cerimônia religiosa, houve um grande baile, animada por uma famosa orquestra
conquistense.
No início do baile, o pretensioso
ginasiano, com a cumplicidade de uma empregada da fazenda, colocou em um copo
de refresco, um suco extraído de uma raiz medicinal, o qual era um remédio
caseiro para curar insônia. Na hora apropriada, a empregada ofereceu limonada
para toda a meninada e o especial copo para o garoto, que o saboreou com
vontade. Não demorou muito e o efeito da droga não tardou. Mal havia iniciado o
baile, com todos dançando, alegremente, o menino, sonolento, quis dormir. A
menina lamentou o fato, mas não suspeitou de nada. Afinal, era um menino
acostumado a dormir cedo. Ela o conduziu em um quarto e o colocou em uma cama,
junto a outros meninos. O garoto estava sofrendo o primeiro dos boicotes, ao
longo de sua vida amorosa.
O baile seguiu o seu curso,
animadamente. As bodas daquela noite foram homéricas. Foi uma festa
inesquecível, que durou dois dias com bebidas e comilança farta. O baile só foi
finalizado, quando o potente Sol sobrepôs à esplendorosa Lua. Enquanto o baile
durou, a garota dançou alegremente. O ginasiano tentou flertar com a bela
loirinha, mas foi malsucedido, devido à concorrência que sofreu de outros
enamorados rapazes. Além disso, ela desaparecia de cena, constantemente, para
ir ao quarto pajear o seu belo menino adormecido.
O dia amanheceu com uma claridade
gratificante, naquele inverno anômalo. A maioria dos convidados continuou na
fazenda saboreando os churrascos e bebendo cervejas naturais, pois às cercanias
eram privadas de energia elétrica. Muitos foram para suas casas descansar e
retornar ao meio-dia; entre eles, o arrogante ginasiano, frustrado em suas
pretensões.
O garoto acordou cedo, como era o seu
hábito. Tomou o café da manhã, juntamente com toda a meninada que havia
pernoitado na fazenda, saboreando as iguarias da culinária sertaneja. Sua
namorada acordou mais tarde e, logo após, foi ao seu encontro.
Ela o abraçou docemente e beijou o seu
rosto, com muita ternura e carinho. Os dois peculiares namorados foram encontrar
os parentes mais velhos, que se empanturravam de cervejas e churrascos.
Aquela manhã de domingo transcorreu em
alegrias e animadas palestras entre os convivas, os quais eram, na maioria,
parentes. Às onze horas apareceram as pessoas que foram descansar em suas
casas. Aos poucos foram chegando todos os outros convidados e, da tarde
brejeira, aquela festança alastrou-se pela noite adento em geral
contentamentos.
Durante todo o tempo transcorrido
daquele domingo encantador, os dois infanto-juvenis namorados não se
desgrudaram um do outro. Participavam das tagarelices dos animados convivas,
sob o olhar de invejas dos adolescentes enamorados da belíssima garota. O tempo
foi passando entre alegrias e felicidades e o anoitecer chegou para findar
àquela ociosa tarde.
Com a chegada da noite, os festivos
foram, pouco a pouco, se retirando da grande festança. Afinal, precisavam
descansar, pois a segunda-feira era o dia da feira semanal na pequena vila. Os
dois namorados seguiram para casa com os demais parentes. Aquela colossal boda
ficou famosa em toda a região e, inesquecível para um garoto entrando na
adolescência, a qual foi presenteada com uma devaneadora paixão.
Os dias que seguiram foram marcados
pela felicidade entre os dois jovens namorados. Porém, com o término de suas
férias juninas, o garoto teve que se despedir do seu sublime amor. Lágrimas
rolavam no rosto da garota, na hora da despedida. Entre lágrimas, o garoto
prometeu à sua namorada, encontrá-la nas Boas Festas no final do ano. Ela o
abraçou e, docemente, beijou os seus lábios. Foi um ósculo apaixonado, que
ficaria gravado na memória do agraciado menino.
Com o final de suas férias, o garoto
retornou a sua cidade. Durante os dias que seguiram o seu cotidiano escolar,
seu coração quedava-se em extensas saudades. Sonhava com o seu amor todas às
noites e desejava que o tempo andasse depressa, para que as férias do final de
ano viessem sem demora.
Certo dia, após meses de nostalgias,
sua mãe recebeu uma carta da prima, irmã de sua amada. Na longa missiva, ela
noticiou o falecimento da querida garota. Uma febre tenebrosa ceifou a vida da
bela menina. Toda a vila estava em luto, com um desenlace tão prematuro.
A mãe do garoto estava ciente do
romance entre os jovens primos. Revelou ao filho a infortuna notícia, com muita
cautela. Ao ouvir a triste notícia, o menino atirou-se aos prantos com
intensidade. A mulher abraçou o filho, procurando dar um consolo adequado ao
menino. Aos poucos, ele foi assumindo a fatalidade com racionalidade.
Os dias que seguiram foram de uma
profunda tristeza. Com o passar do tempo, o garoto foi se resignando e
recuperando a sua alegria de viver. O tempo passou, ele cresceu e, na sua vida
adulta, conheceu muitas mulheres. Permaneceu solteiro a vida inteira, fiel a
sua primeira namorada, convicto de que, ela é a sua alma gêmea e ele iria
encontrá-la, quando for o desejo de Deus.
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