Carlos Eden Meira
Foi um golpe de sorte? Só Deus
sabe. Quando fiz o quinto ano primário no Grupo Escolar Castro Alves, estudei
no livro "Programa de Admissão ao Ginásio".
Era um livro grosso de capa
dura, contendo toda a programação para o concurso de admissão. No ano em que
fiz o concurso, duas matérias eram eliminatórias: Português e
matemática. Matemática era apavorante para mim. Sofria horrores na sala
de aula durante as chamadas "sabatina de tabuada". Na minha
sala não tinha palmatória, mas um aluno chamado Balbino, pra fazer média com a
professora, providenciava umas réguas grossas e pesadas o que servia de
palmatória. Balbino esperava ganhar uns pontinhos em matemática, com esse
maldito artefato. O aluno que errasse a resposta levava a reguada na palma da
mão aplicada pelo aluno que perguntava. Quando era minha vez, eu apanhava um
bocado. Principalmente quando se tratava de tabuada de multiplicação ou
divisão.
Havia um colega, garoto
gordinho, muito parecido com Oliver Hardy da dupla O Gordo e o Magro, que
apanhava mais do que eu. Acontece que a professora fazia também sabatina de
verbos e o gordinho era fraco nas duas coisas. Eu, me saía bem na sabatina de
verbos, pois era bom em gramática. Balbino era fraco nas duas coisas também,
mas como puxa-saco que era, esperava que a professora lhe desse os tais
pontinhos esperados. O problema é que ninguém queria bater com força na mão
dele que ameaçava: "Bate de leve, senão, na saída eu te pego".
Garoto franzino e tímido como
eu, tinha que aguentar essas coisas na escola e também fora dela. No cinema,
por exemplo, levei muito "peteleco" na orelha por qualquer que
sentasse atrás de mim. Um cara que eu nem sei quem era, chegou a dizer que iria
me escorraçar da cidade!! Imagine só! Havia também, um colega que era fã de
Chubby Checker, fortão, mais velho e muito maior do que eu que tomava os gibis
que eu levava pra trocar na porta do cinema.
Aconteceu que quando passei no
exame de admissão ao ginásio no IERP fiz a melhor prova de Português da minha
turma. Se matemática era também matéria eliminatória, eu fiz uma péssima
prova, mas tive a média necessária, e passei na de Português com boas notas. Na
verdade, eu nem perdi tempo estudando matemática. Já matriculado na primeira
série , tive uma mudança de personalidade. Me sentia forte, não
fisicamente. Era uma espécie de revolta interior causada pelo trauma que
passei no curso primário, nas sabatinas de tabuada.
Procurei me enturmar o máximo
possível com colegas iguais a mim, que também sofreram violência, no curso
primário. Agora, já adolescentes, não queríamos levar desaforos pra casa.
Quaisquer ameaças dos fortões, teriam que ser rebatidas à altura. Um grande
amigo meu que estudava numa sala vizinha, tinha uma soqueira (soco inglês) de
metal. Quando fui ameaçado por um colega de sala, considerado bom de briga, e
que, induzido por uma fofoca de que eu estava paquerando a namorada dele, me
questionou sobre o assunto.
Maria Lícia, era minha colega
de sala. Quando perguntei se ela namorava com Jonathan, ela disse
que não. Ela fazia parte da minha equipe de estudos, nas aulas de Francês. Acho
que foi esse o motivo da fofoca. Procurei o Jonathan e perguntei se era verdade
que ele iria me encher de porrada. Ele, calmamente, falou que nunca lhe passou
pela cabeça essa tal ideia. De qualquer forma, passei a andar de Soqueira no
bolso e uma pequena faca bonita, toda niquelada, numa bainha de couro que eu
levava em minha pasta, escondida entre os livros.
Era uma época em que a
rapaziada fazia questão de andar em grupos fazendo badernas pelas ruas à
noite. Por isso, andar com faca ou canivete, era comum. Eu não era chegado a
esse tipo de atitude. Até aconselhava os amigos a evitar coisas erradas como
esvaziar pneus, tocar as campainhas das casas e sair correndo, roubar melancias
na feira, quebrar vidraças, e outras bagunças. Naquele ano, Jonathan já nem era
mais meu colega de sala, nem a Maria Lícia. A última vez que a vi, foi na festa
de despedida do quarto ano, na casa de um dos colegas. Ela me deu um
presentinho, dançou comigo e disse baixinho: "Abra somente quando chegar
em casa".
Ao chegar em casa lá estava um chaveirinho com meu nome gravado, e um bilhete dela dizendo: "Eu gosto muito de você. Pena é que eu vou me mudar pra outra cidade com minha família". Mas não disse o nome da cidade.
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