Carlos Eden Meira
Este menino é diferente dos outros! -
Disse a senhora Benília, vizinha da casa de um nosso tio e de minha madrinha e
prima, além de outros primos e primas, onde estávamos hospedados eu e minha
mãe, na cidade de Poções.
Minha mãe se sentia constrangida com
tal comentário, pois, na verdade, eu não me enturmava com a garotada da rua.
Quase todos eles jogavam voleibol, inclusive uma das minhas primas que era bem
mais velha do que eu, e que era uma das melhores jogadoras do time feminino. No
time masculino havia garotos do meu tamanho, mais ou menos, e eles até tentaram
me engajar no grupo, mas eu era ruim em qualquer tipo de esportes, e do
voleibol, eu nem tinha conhecimento. Enquanto eles treinavam na rua em frente à
casa do meu tio, eu passava o tempo todo desenhando figuras diversas no passeio
da casa, utilizando giz, pedaços de carvão e de tijolos, além de flores e
folhas que esfregadas nos desenhos, serviam como "tintas" para
colorir. A dona Benília achou esquisito aquele garoto ali, horas a fio agachado
no passeio a rabiscar seja lá o que fosse. Nem sequer se preocupou em verificar
do que se tratava. Chegou a perguntar para minha mãe: - Ele é doente? -
Aborrecida e envergonhada, tímida como ela era, minha mãe só pôde responder: -
Bem... Ele come muito...
- Pedrinho e João, dois meninos que
moravam na vizinhança eram, assim como eu, fãs de cinema e de histórias em
quadrinhos. Numa tarde em que a turma treinava vôlei, eles que não eram do
time, sentaram-se no passeio para ver o treino, quando notaram as figuras
desenhadas no chão. Curiosos, perguntaram a mim: - Ô Zé, é você quem faz esses
desenhos? - Eu, todo sem jeito, respondi: - É... É... que eu gosto de desenhar
e... Os dois garotos ficaram encabulados com aquilo. Ali estavam riscados no
chão, caubóis, super-heróis, personagens de desenhos animados e outros desenhos
diversos, elaborados dentro das óbvias limitações técnicas de garoto de onze
anos. Pedrinho e João chamaram a atenção da turma para que viessem ver aquela
novidade. Alguns largaram o treino do jogo para vir olhar.
Daquela tarde em diante, minha imagem
de "esquisito" passou a ser vista de outra forma. Minha mãe sentiu-se
mais aliviada, quando minhas primas eufóricas contaram o sucesso que os meus
desenhos vinham fazendo, graças à "publicidade" feita por Pedrinho e
João.
Além de desenhar, eu passava horas no
meu quarto, lendo uns livros da biblioteca do meu tio-avô, Raymundo Meira
Magalhães* (Tio Raymundinho), que morava em outra rua e me emprestava livros de
Monteiro Lobato, ou de autores estrangeiros como AS VIAGENS DE GULLIVER, ou
ROBINSON CRUSOÉ, e outros.
Certa tarde, vi olhando pela janela
do meu quarto, o rosto moreno claro de uma garota de tranças quase ruivas, e
que se escondeu quando notou que eu a tinha visto. Naquele momento, eu estava
com um jogo de dominó sobre a cama tentando entender como se jogava aquilo. De
repente, ela apareceu na porta do quarto, pois, sendo moradora da casa em
frente onde eu estava, ela era conhecida e amiga de minhas primas. Seu nome era
Náira. Ao ver o dominó, ela perguntou: - Você sabe jogar? - Timidamente,
respondi que não e perguntei se ela sabia. Eu sei, disse a garota. Quer que eu
lhe ensine?
Somente então, notei melhor a beleza
da menina com seus olhos castanhos, além dos citados cabelos em tranças quase
ruivas e pele morena clara. Quando viu os livros sobre a pequena mesa que havia
no quarto, interessou-se em vê-los, pois também gostava de ler. Quis saber como
eu aprendera a desenhar, coisa que eu não saberia explicar exatamente.
Deste dia em diante, aprendi a jogar
dominó com Náira. Passávamos horas jogando ali no quarto, falávamos sobre os
poucos livros que começávamos a ler e também sobre cinema. Ela gostava de
fotonovelas, dos artistas do rádio e do cinema. A turma da rua nos espiava pela
vidraça da janela e fofocava. Houve até quem dissesse que Náira e eu éramos
namorados. Um vestígio de inocente namoro infantil, mas que me deixava
envaidecido, porém, nunca tive coragem de revelar para ela, o quanto essa ideia
me agradava. Mesmo notando que ela estava sempre mais vezes comigo do que com
os outros da turma, não fui capaz de dizer nada.
Dias antes de voltarmos para Jequié, Náira havia viajado para algum lugar. Nunca soube para onde foi, nem soube mais nada sobre ela. Ficou somente a lembrança...
NOTA DO AUTOR- * Raymundo Meira Magalhães era meu
tio-avô. Não confundir com meu irmão, jornalista Raymundo Ernesto Meira
Magalhães de saudosa memória.
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