terça-feira, 24 de setembro de 2024

James Dean e a prancha

                                                               Carlos Eden Meira


Jaime morava no pé da “ladeira do vinte e sete”. Era um rapagão de seus dezoito ou dezenove anos, alto, louro e de pele rosada com “cara de gringo”, como diziam os vizinhos. O interessante é que ele era ardoroso fã de James Dean, assim como todos nós garotos pré-adolescentes na época, e também, muitas das garotas nossas vizinhas que viam a grande semelhança entre o Jaime e o ator James Dean, morto em um acidente de carro havia poucos anos. E não era só a semelhança física além do nome Jaime, ou seja, James, na forma inglesa. Acontece que o Jaime de nossa rua, era mais feio do que o ator norte-americano, mas sabia que era parecido com ele apesar de ser mais alto, e abusava nos trejeitos, modo de andar, no penteado, inclusive na invejável jaqueta vermelha, camiseta branca, calças jeans e botinas pretas.

Nós garotos ficávamos a vê-lo subindo a ladeira todo manhoso, de cigarro pendurado na boca, as duas mãos enfiadas nos bolsos das calças, enquanto as garotas, para nossa inveja, suspiravam nas janelas ao vê-lo passar. Principalmente a Maria Lícia, garota bonita, de cabelos longos presos em “rabo de cavalo”, coisa da moda nos anos cinquenta. Maria Lícia queria também, acompanhar a “performance” na versão feminina hollywoodiana das jovens do momento, usando calças jeans, tênis branco e camisas brancas masculinas por cima das calças, de mangas arregaçadas, querendo chamar a atenção do Jaime, o que causava ciúmes nos garotos “apaixonados” pela beleza de Maria Lícia. Como não podia deixar de ser, Jaime e Maria Lícia foram influenciados pelo “fantasma” do James Dean, e acabaram sendo namorados. Passeavam ali pertinho pela antiga Rua Bela Vista, de mãos dadas, trocando beijoquinhas e deixando a galerinha verde de inveja.

- Se eu fosse maior, eu ia dar uns cacetes e tomar a Maria Lícia desse James Dean de araque! – Disse alguém da turminha. Bem, o tempo foi passando, e Vivaldo “Araruta”, um dos nossos amigos da rua que era meio maluco, mas era também muito prático em consertar e construir carros-de-mão, patinetes e coisas semelhantes, resolveu construir uma “prancha”. Era um carro de madeira, feito com um caixote preso a uma base de tábua, adaptada com parafusos a duas pequenas tábuas transversais, que seguravam os eixos e as rodas de madeira de bordas revestidas com borracha. Vivaldo incrementava o veículo, colocando freios e volante improvisados com madeira, cordas, metal e borracha. Fomos todos convidados a inaugurar a “prancha”; uns cinco garotos ao todo, amontoados dentro daquilo, resolvidos a descer a ladeira do Vinte e Sete. E lá fomos nós, numa maluca descida, quando percebemos que o freio não suportou tanto peso, numa ladeira cheia de buracos, pedras e barrancos. Ninguém sabia o que fazer quando avistamos “James Dean” subindo a ladeira, todo cheio de manha, como sempre. - A “prancha” vai quebrar! – gritou Vivaldo, quando um dos meninos ciumentos teve a idéia: - Joga em cima do sacana do “James Dean” que ela para!.

Dito e feito. Vivaldo dirigiu a “prancha” na direção do Jaime que assustado, levantou a perna com seu pé calçado de botinas pretas lustrosas, e deu uma espécie de coice, virando a “prancha” de banda, espalhando meninos e pedaços de madeira para todos os lados. “James Dean”, que nessa empreitada quase se esborracha, saiu xingando nomes impublicáveis, indo em direção à casa de sua namorada, a linda Maria Lícia. A turma, arranhada, amassada e chateada, teve que dar graças a Deus por ter colocado “James Dean” no seu caminho, pois, ainda havia muita ladeira esburacada para descer, e o “desastre” poderia ter sido pior.

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