SÃO PAULO: "Pinta
esculpindo e esculpe pintando." Assim o artista Ayrson Heráclito define o
trabalho de Adilson Costa Carvalho, seu colega de profissão. Carvalho, ou
Mestre Dicinho, como é conhecido, é o tipo de talento que transita entre tantos
mundos diferentes que é difícil chegar a uma definição precisa para o seu
trabalho.
Nascido em Jequié, na Bahia, Dicinho esteve no centro
da efervescência cultural da tropicália e
participou dela de forma ativa, ao se unir artística e politicamente a Waly Salomão e
outros conterrâneos.
Desde então, atua na pintura, na escultura, na
cenografia, no figurino e na performance. Criou a coreografia "O
Quebra", que apresentou diversas vezes na casa de vidro de Lina Bo
Bardi, e trabalhou com Jards Macalé e Zé Celso.
É também o artista por trás da icônica capa do disco que Gal Costa lançou
em 1969, com ilustrações psicodélicas.
Apesar de sua atividade intensa desde a década de
1960, Dicinho esteve relativamente distante do circuito comercial das artes
visuais, e sua produção escapou do radar de galerias e museus. De acordo com a
artista e galerista Maria Montero, o destino da maioria das peças que o artista
criou antes dos anos 2000 é desconhecido. Montero é fundadora da galeria Sé,
que agora traz à cidade obras que Dicinho produziu nos últimos 25 anos. "
Praticamente tudo o que ele tem no ateliê está aqui", comenta Maria.
Entre as peças está um conjunto de quadros
tridimensionais. As telas abstratas apresentam a precisão geométrica de Mestre
Dicinho. Entre tons pastel e paletas monocromáticas, elas ganham uma camada a
mais de profundidade no jogo de luz e sombra criado pela volumetria. O quadro "O
Corvo" faz a ponte temática para outra vertente das obras na galeria, as
esculturas de animais.
As estátuas seguem geometrias precisas. Para
alcançar o feito, o artista usa técnicas autorais. Ao longo dos anos, Dicinho
desenvolveu sua própria massa de modelar, assim como ferramentas específicas
para recorte e o método "copageti" —acrônimo para cola, papel, gesso
e tinta—, derivado do papel machê.
Questionado sobre esse espírito inventor, Mestre
Dicinho lembra a influência de seu pai, Vavá. "Quando quebrava alguma
coisa em casa, como um bule, meu pai raramente saía para comprar. Ele buscava
folhas de flandres e estanho e criava algo novo", afirma o artista.
A aparente racionalidade dos animais geométricos
contrasta com a abstração das formas e pinturas das obras. Dicinho cria padrões
que remetem a seus trabalhos psicodélicos, mas em uma versão pontilhista,
relativamente comportada. O artista revela que algumas dessas peças levaram
cerca de oito meses para serem concluídas. "Eu vou mudando a textura, e
essa fase [do pontilhismo] foi uma época em que eu enlouqueci. Demorava muito
para terminar uma obra."
Seu jeito de falar transparece a paciência que
emprega em seus trabalhos. O artista é adepto da macrobiótica, uma dieta que
demanda maior dedicação de tempo ao alimento, do cozimento à mastigação. Sobre
sua produção, Dicinho afirma que trabalha "como Caymmi", fazendo
referência aos longos processos criativos do músico. "Caymmi demorava anos
para fazer uma canção porque queria a palavra certa no lugar certo, como se ela
tivesse estado sempre ali" comentou em 2008
o poeta e antropólogo Antonio Risério, em artigo especial para
a Folha.
Um baobá, com galhos retorcidos, põe o público em
outra perspectiva da produção do artista. Dicinho é uma figura engajada e não
dissocia a política de sua arte. Sobre a escultura da árvore, afirma que
"foi feita em uma época em que o Brasil estava atravessando momentos
dificílimos com Bolsonaro". "Cada galho surgia de uma das coisas
estúpidas que ele falava. Aquilo me deixava sem prumo."
A casa que abriga a galeria Sé está aninhada em uma
das cada vez mais raras —mas sempre charmosas— vilas de São Paulo; esta,
especificamente, construída pelo arquiteto Flávio de Carvalho. Ele próprio foi
também um artista versátil e pode com facilidade ser considerado a um só tempo
cenógrafo, dramaturgo, decorador, pintor e escritor.
A relação entre os dois artistas é inevitável. Por
motivos diferentes, a arte de Dicinho é mutável como a de Flávio. Ambos
demonstram facilidade para encerrar um ciclo e iniciar outro. Mais importante,
conseguem demonstrar coerência nesse processo.
A mostra é o topo do iceberg da produção do artista.
Caio Sens / Folha Uol (Jequié Notícias)
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