Coisa que baiano já gosta é ver
uma pessoa talentosa se destacando na TV e dizer: tá vendo?, é da Bahia! Pois
quem estiver acompanhando a novela das seis da TV Globo, Amor Perfeito, deve
estar se deliciando com a atriz baiana Ana Cecília Costa, que interpreta a
personagem, também baiana, Verônica. “Apesar de ter ido morar no Sudeste ainda
bem jovem, sinto Salvador como minha casa, aí está a maior parte da minha
família, vivos e mortos, alguns amigos e o mar que amo”, diz ela. A atriz
também participa atualmente da segunda temporada da série Dom (Amazon Prime
Video) e nesta entrevista fala sobre a sua formação, sobre estudar jornalismo
para não aborrecer a família e sua visão sobre o Brasil atual.
Você
está na segunda temporada de Dom, uma série que fala sobre a experiência real
de um delegado que sofre com o envolvimento do filho na criminalidade. Na vida
real, temos visto um assombroso domínio do crime organizado sobre as cidades,
grandes, médias e pequenas. Como analisa as perspectivas da juventude
brasileira?
Não vejo outra perspectiva para a
juventude brasileira que não passe pelo acesso de todos a uma educação de
qualidade desde a primeira infância até a universidade, onde a escola seja um
espaço que acolha e faça frutificar os sonhos de crianças e jovens. Educar,
como defendia Paulo Freire, é um ato de amor. O amor não é uma abstração, é
ação concreta de um Estado comprometido com a construção de cidadãos através de
políticas públicas e investimento em educação, saúde, segurança, cultura.
Acredito que na ausência deste Estado amoroso, vicejem não só o crime
organizado, as milícias, mas a própria cultura da violência.
Amor
perfeito, escrita por Duca Rachid, Julio Fischer e Elísio Lopes Jr., tem
sofrido algumas críticas por uma suposta irrealidade ao retratar o protagonismo
negro numa novela de época. Como avalia a discussão sobre pautas identitárias
em produtos de comunicação em massa?
Faço televisão há muitos
anos e me sinto muito comprometida em fazer um trabalho artisticamente de
qualidade e que possa também estimular o pensamento crítico para além do
entretenimento. Por sorte ou afinidade, tenho sido escalada para trabalhos
sensíveis às pautas em defesa dos direitos humanos como Jóia Rara, de Duca
Rachid e Thelma Guedes, onde interpreto a operária comunista Gaia; Órfãos da
Terra, de Duca Rachid e Thelma Guedes, onde interpreto a refugiada Missade;
Rota 66 , de Maria Camargo, onde interpreto Beatriz, mãe que perde filho em
ação criminal da polícia, e agora a novela Amor Perfeito, de Duca Rachid,
Elísio Lopes Jr e Julio Fisher, onde interpreto Verônica, mãe solo, amante do
prefeito.
No caso da novela atual, na
reunião entre autores, direção, elenco, nos foi falado que esta seria uma obra
bem brasileira, com uma estética colorida, inspirada na arte de Heitor dos
Prazeres. Temos metade do elenco de negras e negros em todos papéis – ricos,
pobres, bons, maus. Isto é histórico na televisão brasileira, onde por anos o
elenco negro era escalado para papéis de serviçais dos brancos. Entendo que a
premissa deste projeto não está pautada no racismo e na violência à população
negra, mas sim em dar visibilidade à sua força, beleza e expertise que foram
apagadas historicamente. Acredito e torço para que esta obra, da qual ajudo a
contar a história, para além de emocionar e entreter, também contribua para
construir um novo imaginário social, já que muitos brasileiros e brasileiras
não têm acesso ao teatro, cinema, mas assistem diariamente às novelas.
Você
participou do filme o Escaravelho do Diabo, como a delegada Dora, e a série
Vaga-lume, da editora Ática, completa agora 50 anos. Tem lembranças especiais
de algum livro dessa coleção?
Os livros da coleção
Vagalume eram aqueles de que a gente não se desgrudava, leitura deliciosa,
histórias misteriosas que instigavam o sentido de aventura e da descoberta de
novos mundos. Lembro bem de O Mistério do Cinco Estrelas; A ilha perdida; O
Caso da Borboleta Atíria e o próprio Escaravelho do Diabo. Esta coleção me
estimulou muito a leitura durante a adolescência e acho que a celebração dos 50
anos desta coleção ajuda a lembrar a importância da literatura infantojuvenil
na formação de cidadãos leitores.
Como
foi a sua juventude na Bahia e em que momento decidiu ir para o Sudeste? Você
nasceu em Jequié, correto?
Nasci em Jequié, vivi lá até meus
oito anos, e tive na escola uma primeira experiência de teatro inesquecível com
a Professa Zélia Barros. Em Salvador, estudei no colégio Antônio Vieira, que
foi fundamental na minha formação, tive professores extraordinários, como
Madalena em Literatura, um ambiente estimulante para minha cabeça de jovem
artista. Comecei a estudar teatro aos 14 anos no Vieira em um grupo
extraclasse, dirigido por Luiz Felipe Pondé (hoje, filósofo), onde montamos o
Santo Inquérito e seguimos depois sob a batuta do diretor Cícero Alves Filho,
hoje maestro, com uma montagem de O Despertar da Primavera", que cumpriu
temporada no Icba.
Depois disso, entrei no Curso
Livre da Escola de Teatro da Ufaba sob direção de Sérgio Farias na mesma turma
de Marcelo Praddo, Beto Mettig, Diogo Lopes Filho, Elisa Mendes, entre outros.
Decidi mudar para o Sudeste aos 19 anos, porque desejava viver
profissionalmente como atriz e naquela altura sentia que o mercado de trabalho
em Salvador seria mais limitado. Mudei para o Rio, continuei os estudos de
atriz na Casa de Artes de Laranjeiras, fiz cursos de interpretação para câmera,
iniciei minha carreira de atriz no audiovisual e me graduei em Cinema. Há 12
anos vivo em São Paulo, onde fiz mestrado na PUC com pesquisa em documentário e
atuo, sobretudo, no teatro.
Além
de atuar na atual novela das seis da Globo, você trabalha com Laila Garin na
série Dom, e há uma geração inteira que saiu do teatro baiano para a televisão
e o cinema. Tem acompanhado a recente produção cultural na Bahia? Há mais alguém
daqui que desperte seu interesse?
Apesar de ter ido morar no
Sudeste ainda bem jovem, sinto Salvador como minha casa, aí está a maior parte
da minha família, vivos e mortos, alguns amigos e o mar que amo. Mantenho
apartamento no Rio Vermelho, sempre passo temporadas na cidade e quando posso
acompanho as peças em cartaz, sobretudo dos amigos. Voltei a Salvador para
atuar em Capitães da Areia, longa-metragem de Cecília Amado, bem como O Sumiço
da Santa, espetáculo dirigido por Fernando Guerreiro, ambos baseados nas obras
de Jorge Amado.
Trabalhei no audiovisual no
Sudeste com Emanuelle Araujo, Vladimir Britcha, Jackson Costa, Cristiane
Amorim, Maria Gal, Marcelo Flores e Laila Garin, e sempre é uma alegria estes
reencontros. Eu e Selma Santos, atriz e produtora, já tentamos algumas vezes
levar o espetáculo que protagonizo e produzo, A Língua em Pedaços, para
temporada em Salvador, inclusive convidei Marcelo Praddo, meu antigo parceiro,
para dividir a cena comigo, mas ainda não conseguimos pautas e apoio para esta
realização. Recebi convite da Secretaria de Cultura de Jequié para apresentar
este espetáculo na inauguração do teatro da cidade este ano, quiçá consiga
estender a temporada a Salvador. Mantenho um diálogo mais estreito com o
diretor e autor Gil Vicente. Quero conhecer mais a nova geração de atrizes e
torço que se estabeleça na Bahia um mercado de trabalho consistente para
artistas e técnicos.
Em
alguns castings, o número de seguidores que os atores têm nas redes sociais
acabam pesando na escolha do elenco. Como vê esse processo?
Cruel. Entendo que quem manda nos
produtos audiovisuais, séries, seja o patrocinador, que por fim quer escalar
elenco que tenha os tais milhões de seguidores, que significam ao fim e ao cabo
possíveis milhões de consumidores de seus produtos. De uma forma ou de outra
sempre foi assim: você é contratado em função do que você possa render àquele
produto cultural. Claro que sempre vai ser necessário nesta engenharia o elenco
que também sustenta a história. Às vezes, acontece de celebridades serem
grandes atrizes e atores- bingo! Por isso é fundamental a ação do Estado sobre
a cultura através de políticas públicas e editais que viabilizem artistas dos
vários cantos do Brasil, fora deste circuito midiático, produzirem suas obras.
Você
estudou jornalismo, assim como Wagner Moura e Sérgio Machado. O que acha
dessa discussão em torno da PEC que exige diploma de comunicação social para o
exercício da profissão? É uma discussão que também existe entre atores de TV.
Entrei na Facom (Faculdade de
Comunicação da Ufba) para estudar jornalismo porque não tive coragem, naquela
altura, de fazer vestibular para Teatro e ir contra a minha família. A
solução que encontrei foi cursar Jornalismo de dia e fazer o Curso Livre de Teatro
da Ufba à noite. Em seguida, abandonei o Jornalismo, diferente de Wagner e
Sérgio que se formaram. Por isso, prefiro me posicionar sobre esta questão da
formação profissional em relação às atrizes e aos atores, já que nunca tive
experiência como jornalista. Como atriz profissional que depende deste trabalho
para sobreviver, sou a favor da profissionalização do elenco, é uma questão
também de defesa do mercado e da nossa classe, sim. Acho triste ver colegas
preparados e talentosos vendendo quentinhas para sobreviver, não é justo. No
audiovisual é mais comum o mercado absorver não-atores no elenco, geralmente em
obras de ficção com linguagem próxima do documentário que preza por uma não
atuação do elenco.
Mas, se este sujeito não tiver um
talento extraordinário, ele vai estar sempre fazendo o mesmo papel em todos os
filmes, ou seja, ele mesmo. Um registro profissional de artista também pode ser
conseguido pelo acúmulo de experiências, a prática também forma um artista.
Inclusive, acho que dentro da academia, seja fundamental a experiência prática
dos professores nos sets de filmagem e nos palcos para darem conta deste
ensinamento. Não adianta ter vários títulos e não estar no campo da ação
prática. Uma coisa enriquece a outra, eu tratei de me graduar e fazer
mestrado anos depois, mesmo já tendo anos de prática como atriz.
E sigo querendo ampliar meu aprendizado em cursos. A professora Cleise Mendes, que admiro muito, falou uma coisa em sala de aula que nunca saiu da minha cabeça: "A princípio, um ator tem que falar e caminhar, por isso tudo que fala e anda acha que pode ser ator, mas vá caminhar e andar em um palco...", concordo com ela. Sou old school.(A TARDE)
Nenhum comentário:
Postar um comentário