quarta-feira, 8 de março de 2023

Coletânea revela a importância das viagens para Waly Salomão

Omar, filho do poeta baiano Waly Salomão (1943-2003), tinha 12 anos de idade quando recebeu um cartão postal do pai, dando a ele e ao irmão, Khalid, um conselho: “sejam bons viajantes”. A mensagem estava num cartão postal que o escritor enviara aos filhos numa viagem a São Francisco, nos EUA.

Levou quase 30 anos para Omar perceber o quanto o tema da “viagem” é importante e sempre esteve presente – direta ou indiretamente – nas criações de Waly. Dessa percepção, nasceu a coletânea Jet Lag – Poemas Para Viagem, que reúne poemas já publicados, com organização de Omar. Em comum aos textos, alguma relação com viagens.

Mas Omar diz que o tema não era o propósito inicial: “O livro não nasceu com uma grande questão ou um tema. Queria uma antologia para as pessoas levarem no bolso. Pensei em poemas importantes dele e comecei a entender o tema da viagem, como um processo de transformação”.

No cartão postal citado no início deste texto, Waly deixa clara essa transformação proporcionada ao viajante: “Viajar é se transmudar, é se modificar, é se transmutar”. E o interesse de Waly pelas viagens tem relação com a história da família, como observa Omar. O poeta era filho de um imigrante sírio com uma baiana sertaneja.

Além disso, Waly viajava muito, principalmente por causa dos convites que recebia para eventos literários. O documentário Pan-Cinema Permanente (2008), de Carlos Nader, amigo do escritor, mostrava essa alma de viajante que tinha o baiano nascido em Jequié. O filme foi o vencedor do mais importante festival de documentários do país, É Tudo Verdade.

Viajar

Para Omar, o que realmente importa é entender o que significa viajar:

“Viajar não é ser turista e olhar um país como se fosse a vitrine de uma loja. É exatamente o contrário disso, é você se ‘sujar’, se perder… é não entender algumas coisas e se deslumbrar”.

Entre as viagens que Waly realizou, uma o marcou bastante, que foi a ida à Síria, onde conheceu um tio. Mas na cabeça do poeta, o lugar era muito diferente daquele que conheceu e que experimentou na realidade: “Alguns poemas revelam belamente essa diferença entre o que você tem na memória e o que você vê quando chega ao Oriente Médio”. No poema Tarifa de Embarque, por exemplo, há o trecho inicial que comprova essa ideia: “Não te decepciones/ ao pisares os pés no pó/ que cobre a estrada real de Damasco”.Muito ligado ao seu passado árabe, Waly gostava de usar palavras que tinham origem no idioma de seus ascendentes. “A palavra ‘tarifa’, por exemplo, é uma dessas. “Vivemos muito a cultura árabe e isso não está só nome que ele deu aos filhos [Khalid e Omar], mas cada vez mais ele buscava essa ascendência. Ele era fascinado pelo mundo ‘vivo’ e buscava as raízes ‘baianárabes’, como ele costumava dizer”.

Waly tinha uma relação muito próxima com a música e dirigiu no palco artistas importantes como Cássia Eller e Gal Costa. Muitos versos dele também resultaram em canções e dois poemas musicados estão em Jet Lag: Alteza – que Caetano Veloso musicou e Maria Bethânia gravou – e Vapor Barato, que Gal Costa gravou em 1971, num compacto. Logo depois, no mesmo ano, a canção entrou no álbum Fa-Tal, gravado ao vivo num show dirigido por Waly.

Para Omar, o pai não fazia distinção entre letras para músicas e os poemas que escrevia. “Muitas vezes ele escrevia o poema e só depois era musicado. E ele fazia questão de publicar as letras em livros, como poemas”. Omar diz que organizou o livro como a estrutura de um espetáculo musical:

“Foi uma coisa orgânica e pensei como o roteiro de um show, com diferenças de intensidade: primeira, coloca um hit e, depois, uma música lenta, por exemplo”, revela. (Ari Moura)

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