Carlos Eden Meira
Hidelbrando
passava horas na Rua Dois de Julho, caminhando pra lá e pra cá, da porta da
Câmara Municipal até o prédio onde funcionava a antiga Rádio Bahiana de Jequié,
de roupa esfarrapada e suja, levando um porrete na mão o qual vibrava
revoltado, apontando-o em direção a algum político ou autoridade que por ali
passasse, e dizia desaforos diversos a todo mundo. Parecia um São João Batista,
de cajado em punho ameaçando com os castigos do Céu ao rei Herodes Antipas,
diante do palácio real. Esforçado nos estudos, antes do agravamento do seu
estado mental, era bom aluno em português e francês, quando estudava no IERP.
Dizem até que ele fez um curso em Brasília, que o capacitava a ensinar francês
e português, no ginasial. Foi nosso colega de sala desde o quinto ano primário,
até a segunda série ginasial.
Na
sala, quando um professor colocava em debate algum assunto, ele se levantava
pedindo a palavra, e na sua característica maneira nervosa de falar um pouco
gago, fazia discursos engraçados provocando risos em todos os colegas
presentes. Sempre que voltávamos do colégio aos sábados, passávamos no bar
“White Star”, mais conhecido como o “Bar de Tõe”, para tomar umas cervejinhas.
Hidelbrando já sabendo desse nosso costume, ficava na porta do bar esperando a
turma chegar para “filar” umas cervejas, sentando na nossa mesa. Nessas horas,
dependendo da quantidade de cervejas já tomadas, e quando entrava no bar algum
figurão do meio político para comprar cigarros, Hidelbrando começava a fazer
discursos agressivos em voz alta, falando de corrupção, de incompetência
administrativa, e outras irregularidades, virando o rosto em direção ao
político.
Era um
tempo de ditadura, e não era nada recomendável alguém fazer discursos em
público, criticando seja lá o que fosse, se não quisesse ser tachado de
subversivo e sofrer alguma punição, que naquelas circunstâncias, dependendo do
teor do discurso, podia até fazer alguém sumir “num rabo de foguete”. Ficávamos
apreensivos, mas, Hidelbrando não estava nem aí, e começava a fazer citações de
filósofos, ou trechos de poesias com frases agressivas, as quais eram dirigidas
a alguém com quem ele cismasse. Quase sempre, fingiam não ouvi-lo. Sua “marca
registrada” era um poema de sua autoria intitulado “Ferinho” dedicado a um
cachorrinho que ele criava. Versos em que ele recitava: “Ferinho, meu Fefero!
Tu não és o meu Fefero não? Quantas vezes eu te digo assim: tu não és o meu
Fefero não?”
Certa
vez, num bar da Estação Rodoviária, durante uma cervejada dessas, alguém pediu
um tira-gosto de carne de sol frita, com farofa. Hidelbrando ali presente, é
claro, enchia a boca com colheradas de farofa, quando viu um político sentado
em uma das mesas. Levantou-se para fazer discursos em direção ao rapaz, quando
lembrou que estava com a boca cheia de farofa. Cuspiu de volta a farofa na mão,
e fez sua oratória aos berros. Quando terminou, jogou de novo a farofa na boca,
enquanto o cidadão sorria amarelo, conversando com outras pessoas na sua mesa,
fingindo que não via nem ouvia aquilo. Um dos nossos amigos gritou: “Pôxa,
Hidelbrando! Que porcaria é essa? Cuspindo a farofa mastigada, na mão? Que
nojo!” Hidelbrando respondeu: “Qual é, bicho? Cê não sabe que é falta de
educação falar de boca cheia?”
Com o passar do tempo, Hidelbrando foi ficando mais agressivo, e ameaçava dar porretadas nas pessoas que o desagradassem. Foi internado em Salvador, num sanatório. Nesse tempo, devido aos medicamentos, apareceu por aqui inchado e manso. Mas, tinha recaídas, voltava a ficar agressivo, e aí, seus discursos eram ainda mais contundentes. Ficamos muito tempo sem saber notícias de Hidelbrando, até o dia em soubemos que ele acabou sumindo “num rabo de foguete”, pra nunca mais...
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