sábado, 20 de agosto de 2022

A ENCHENTE E O SACO DE AÇÚCAR

                                                                    Por Carlos Eden Meira

Depois da enchente de 1914, conta-se que foi a de 1942, a segunda mais rigorosa enchente que atingiu Jequié. Sendo assim, durante muitos anos antes da construção da Barragem da Pedra, os moradores sentiam-se ameaçados por quaisquer vestígios de chuvas mais intensas nas chamadas “chuvas das águas” que começam nos meses de fim de ano, até os primeiros meses do ano seguinte. Quando nuvens escuras se formaram a oeste da cidade, naquele ano no final dos anos 50, houve uma espécie de pânico, pois diziam que localidades vizinhas na região da caatinga, já estavam debaixo d’água. Diziam, inclusive, que houve um corre-corre desesperado de algumas pessoas estocando alimentos, achando que a enchente atingiria o centro da cidade, destruindo lojas e armazéns.

Tal boato fez com que meu pai, pessoa precavida, chegasse à conclusão de que nesse desespero poderia faltar açúcar, pois, disseram que as pessoas em pânico corriam ao armazém da Magalhães S.A. na esquina da João Mangabeira com a Felix Gaspar, e compravam sacos e mais sacos de sessenta quilos de açúcar. Meu avô, experiente em observar formação de chuvas na região, duvidava que houvesse tal enchente; sorria satisfeito com as perspectivas de chuvas que beneficiariam a lavoura e o pasto na zona rural da caatinga, e divertia-se com o exagero do boato, inclusive com a preocupação do meu pai.

Mesmo assim, meu pai mandou que eu e meu irmão Raymundo, fôssemos (imaginem) de bicicleta, comprar um saco de açúcar de sessenta quilos no tal armazém. Lá fomos, Raymundo no “guidom”, eu no bagageiro, descendo em maluca disparada a bastante íngreme ladeira da antiga Rua Laudelino Barreto, que começava no também antigo Alto da Bela Vista, em direção ao centro. Um perigo doido, coisa que meu pai não viu, mas para nós garotos, era muito divertido. Entretanto, quando chegamos ao armazém e os vendedores que ali trabalhavam viram que o transporte do açúcar seria via bicicleta, foi muita gozação.

Rindo muito, os rapazes do armazém colocaram o saco atravessado sobre o “quadro” da bicicleta e improvisaram, não sei como, uma corda para amarrá-lo. Difícil, no entanto, foi voltar a pé pra casa, empurrando essa bendita bicicleta e sua pesada carga, ladeira acima. Raymundo suando e resmungando muito, empurrando o “guidom”, e eu retado da vida, “botando os bofes pela boca” a empurrar o bagageiro, tendo ainda que aguentar as gozações e piadinhas das pessoas que passavam por nós e gritavam rindo:

- Ô do açúcar, “a cuma” é o quilo?

- Meninos, quanto querem para levar dois sacos destes lá no Alto da Balança?

- Gente, olha uma bicicleta movida a açúcar!

Choveu bastante naquele ano, mas a tal enchente não veio mesmo. Em compensação, lá em casa, passou-se muito tempo sem comprar açúcar.

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