terça-feira, 7 de junho de 2022

O Grupo Escolar Castro Alves.

                                                             J. B. Pessoa

A preocupação com o ensino no Brasil vem desde os tempos coloniais. A Coroa Portuguesa, em parceria com a Igreja, enviou para a colônia muitos jesuítas, alguns dos quais se tornaram famosos, a exemplo de Manoel da Nóbrega e José de Anchieta. Durante mais de um século, a Companhia de Jesus cuidou da catequização dos nativos e da escolaridade dos colonizadores, até o início da era pombalina. Após a reforma educacional realizada pelo Marquez de Pombal, em cujo contexto social estava presente as ideias absolutistas, porém inspiradas pelo iluminismo, o governo português buscou empreender reformas em todas as áreas da sociedade portuguesa, atingindo o Brasil como colônia, visando dar-lhe uma unidade política com sua metrópole. Na época do Reino Unido Brasil, Portugal e Algarves a educação primária e secundária não foi modificada; D. João VI deu mais ênfase na expansão do ensino superior. Entretanto, implantou mais escolas, criando as “Escolas Reunidas”, estabelecendo a gratuidade dessas escolas em todo o Reino Unido.

Durante o Império Brasileiro houve uma expansão considerável do ensino primário. A Constituição de 1824 manteve as resoluções do Reino Unido, como o princípio da liberdade de ensino, sem restrições, e o designo de instrução primária gratuita a todos os cidadãos. A aprovação da primeira lei sobre o Ensino Elementar em 1827 manteve essa determinação, como também, a criação escolar das “Primeiras Letras” em todas as cidades, vilas e povoados, assim como “Escolas de Meninas” nas cidades mais populosas. Contudo, apenas 10% da população em idade escolar se matricularam nas escolas elementares.

Em 1832 havia em todo o Brasil 162 escolas para meninos e apenas 18 para meninas. A razão de haver essa diferença enorme deve-se o costume de que a educação feminina era relegada as prendas domésticas, motivo pelo qual haver um número deficiente de professoras em todo território nacional. Na ausência de formação, os professores eram selecionados a partir de três condições: maioridade, moralidade e capacidade. Havia poucas escolas de Ensino Normal. A primeira escola de formações de professores destinados a lecionarem nas escolas primárias, - as chamadas “escolas normais”- foi fundada em 1835, sendo a primeira, a Escola Normal de Niterói. No campo do ensino secundário, surgem os liceus, correspondentes ao que mais tarde foram cognominados de Ginásios. Havia no Brasil, poucas escolas denominadas “Escola Normal”, razão pela qual foram citadas as três condições acima, conhecidas como método lancasteriano. Visando criar mais condições para que a reforma do ensino primário desse certo, em 1837 é criado o Colégio Dom Pedro II, que serviu de modelos para outros; um centro formador de professores, que exigia sete anos de estudos para conferir o diploma de bacharel em letras, o que dava o direito a lecionar para o curso primário. Os concluintes do Colégio Pedro II passaram a ter o privilégio de matrículas, sem exames, em qualquer escola superior do Império, tornando-se a única instituição escolar a ter tal prerrogativa. Por essa época, em todo o império, as escolas primárias e secundarias particulares só empregavam professores de nível superior; chegando, muitas vezes, a importar mão de obra de países europeus,

principalmente da França e Inglaterra. Até a fundação do Colégio Dom Pedro II, a profissão docente era exclusivamente masculina. A mulher podia ser tutora, mas nunca uma professora.

Em 1854, D. Pedro II, então já há alguns anos no poder, reformulou o conteúdo ministrado e a própria estrutura do ensino básico. O ensino elementar passou a chamar-se ensino primário e, apesar de ter duração variável de aluno para aluno, a rigor passou a durar quatro anos, sendo dividido em elementar e superior. No superior estas mesmas disciplinas se desdobravam dando origem a dez disciplinas. No elementar passaram a serem ministradas as disciplinas de instrução moral e religiosa, leitura e escrita, noções essenciais de Gramática, princípios de Aritmética e sistema de pesos e medidas, sendo regulamentada a exigência do diploma primário para poder ingressar no secundário.

Como podemos observar, sempre houve uma preocupação dos governantes desse imenso País, com a formação escolar do povo brasileiro. Apesar de haver certas controvérsias, tornam-se necessárias esclarecer, que tudo que se diz a respeito da Historia, deve-se considerar o Tempo e o Espaço, sem a visão paradoxal de ideias pré-concebidas. Essa preocupação continuou com o advento da República, a qual procurou associar a educação como um todo, conforme as concepções positivistas. Houve reformas, mas sempre sob os princípios adotados pelo novo regime, o qual tinha como meta implantar um ensino eficiente, com um currículo unificado para todo o País, surgindo assim, os competentes grupos escolares.

Os grupos escolares precedem das antigas “escolas reunidas” da época do Reino Unido. Foram criados em 1893, visando reunir escolas isoladas de uma região comum. Surgiram no Estado de São Paulo e mais tarde foram introduzidos em Santa Catarina (1911). Seus idealizadores visavam criar espaços de educação continuada, simultaneamente à de formação de professores. O modelo foi adotado exclusivamente no meio urbano, visto que na zona rural, o método era sofisticado demais, pela inexistência de um corpo discente mais elevado. As escolas isoladas persistiram por muito tempo, durante todo o século XX.

Mais sofisticados do que as antigas escolas reunidas, os grupos escolares foram criados para serem instituições de referência em todo território nacional. A edificação de um prédio escolar próprio, com um mobiliário adequado às necessidades dos alunos e com uma metodologia de ensino inovadora, tornou-se concisas. A essas características acrescentam-se os preceitos de Higiene, a qual se fez presente à construção do prédio e do ambiente escolar como um todo. Os grupos escolares, tanto pelo ambiente adequado e pela metodologia de ensino moderna, revolucionaram o ensino público primário brasileiro, assegurando a gratuidade e direito de todos, no período conhecido como Republica Velha.

A partir da Revolução de 1930, início da Era Vargas, surgem às reformas educacionais mais modernas. As questões educacionais começaram a ser o centro de interesses dos intelectuais, tais como: Lourenço Filho, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, entre outros. Sendo assim, o governo criou em 14 de novembro de 1930, o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, tendo como ministro Francisco Campos, que criou um Plano Nacional de Educação, influenciado pela chamada Escola Nova, a qual cuidava também da

Educação física dos alunos, dentro da filosofia grega de “mente sana, corpus sano”. O governo brasileiro se preocupando com a emergência de um país urbano-industrial, de acordo com as necessidades nacionais, deu um grande impulso na área da educação. Em 1931 foi instituído o exame de admissão ao ginásio, visando um estudo mais apurado do primário, para se chegar ao secundário. Os grupos escolares foram modernizados, com amplas salas, áreas recreativas e ambientes adequados às vicissitudes climáticas de cada região. Dentro desse contesto, surgiu o Grupo Escolar Castro Alves.

Depois da grande enchente que destruiu quase toda a cidade, Jequié foi reconstruída nas áreas mais elevadas. O antigo cemitério, que ficava em um local inadequado, foi removido para um ponto distante. Projetada por profissionais competentes, tendo à frente o engenheiro Alberto Leal, sob o comando do maior benemérito jequieense, Vicente Grillo, a cidade ressurgiu mais bela do que antes. Dotadas de amplas praças e largas avenidas, a Cidade de Jequié tornou-se motivo de orgulho de seus habitantes. Nas imediações do seu antigo campo-santo surgiu uma grande praça, onde foi edificada em sua parte mais alta, a nova igreja matriz, ainda sem o projeto arquitetônico de André Safrey. No local onde situava a antiga necrópole da cidade foi erguido, muito tempo depois, o prédio do Grupo Escolar Castro Alves.

Fazendo parte dos ideais da política revolucionaria getulista, Jequié ganhou em 1934 uma verdadeira obra faraônica para a época. Construído pelo Governo da Bahia, tendo a frente o interventor estadual, o Capitão Juracy Magalhães, na gestão do então intendente municipal João Carlos Borges de Souza, esse majestoso prédio foi projetado pelo competente engenheiro Álvaro Ramos. A construção do Prédio obedeceu aos novos conceitos do momento, o qual teve como projeto arquitetônico o estilo eclético. A obra foi iniciada em 1933 e inaugurada com louvor em 19 de agosto de 1934, com as presenças de Juracy Montenegro Magalhães, João Carlos Borges de Souza, Virgilio de Paula Tourinho e demais autoridades estaduais e municipais, conforme fotografias existentes no Museu Histórico de Jequié.

Ao contrario da Igreja, o prédio escolar foi edificado na parte mais baixa da praça, não fazendo esquina com nenhuma rua. Assim sendo, foi projetado como se tivesse duas frentes. Uma dava para a Avenida Rio Branco, a qual é a frente principal, com um grande pátio existente até os dias atuais. A outra frente, a qual dava para a Praça Castro Alves propriamente dita, existia outro grande pátio, com um muro largo e baixo, portando uma pequena escadaria no meio, delimitando a área do Grupo Escolar Castro Alves; local onde eram realizadas as festas promovidas por essa famosa escola. Esse pátio, que era maior do que o da frente, usado pela meninada jogar bola, foi destruído por imposição da Catedral, que construiu numa área pertencente à escola, a chamada “Concha Acústica”. Na época em que foi inaugurado o Grupo Escolar Castro Alves, não havia surgido, ainda, o quarteirão onde foi construído o Cine Teatro Jequié (1948) e, muito menos, as ruas denominadas de Rua Dr. Virgílio Tourinho e Rua Trecchina. Sendo assim, com o tempo, a parte voltada para a igreja matriz, hoje catedral, ficou sendo considerada com o fundo do prédio.

Os primeiros estabelecimentos escolares que apareceram em Jequié foram frutos da iniciativa privada. As escolas eram primarias, sendo algumas delas subvencionadas pela prefeitura, que funcionavam na sede do município e

em alguns povoados. O ensino era considerado de ótima qualidade. A primeira escola da cidade, sem a menor dúvida, foi dirigida pelo seu proprietário e primeiro professor de destaque da região, Damião Vieira, que já vinha atuando como educador primário, antes da emancipação da cidade. Uma das figuras mais importantes no alvorecer da escolaridade municipal foi a grande educadora Eulina Alves de Queiroz, irmã do médico e político Dr. José Alves Pereira. Ela foi a primeira professora formada a exercer o magistério em Jequié. A professora Eulina fundou no início do século, uma escola particular feminina, tornando-se uma mestra querida, que muito contribuiu na formação de diversas cidadãs jequieenses. Nessa mesma época, surgiu, também, outro estabelecimento de ensino, dirigido pelo grande educador, professor Antonio Tobias Lopes Ribeiro, que fundou uma escola particular primária para o sexo masculino, contribuindo, também, na formação escolar de muitos dos seus concidadãos.

As escolas particulares jequieenses continuaram existindo, após o surgimento de uma grande escola pública. Havia inúmeras delas na cidade. Das mais sofisticadas, com professoras renomadas, portando diplomas de magistério, formadas em uma Escola Normal, às “professoras” humildes, que lecionava para camada mais pobre da sociedade.

Como a cidade de Jequié sofria, na maior parte do ano, um calor intensivo, o Grupo Escolar Castro Alves foi projetado dentro dos princípios adequados “às vicissitudes climáticas de cada região” tornando-se o principal estabelecimento escolar primário da cidade, em todos os tempos. Todo o prédio, onde hoje funciona o Museu Histórico João Carlos Borges, é amplo e arejado. Dotado de oito salas espaçosas, as quais podiam compor, confortavelmente, cinquenta alunos, o prédio foi dividido em duas partes: uma ala feminina e outra masculina, conforme as concepções adequadas à moralidade da época. Entretanto, segundo informações de antigos estudantes, tais ditames não foram regiamente seguidos, pois nos anos 50 as salas escolares já eram mistas. Entre as salas de cada ala, tanto na masculina como na feminina, há dois amplos espaços, que eram utilizados para recreações e ordens unidas. Cada ala era dotada de nove sanitários, perfazendo dezoito em todo o prédio. Entre as alas há uma sala especial, com janelas para ambas as partes, a qual foi aproveitada como uma biblioteca escolar. Na parte onde fica o porão, há duas salas que foram utilizadas, mais tarde, como salas de aula, hoje usadas como reserva técnica do museu.

Em suas salas, esse glorioso prédio recebeu inúmeros alunos, de todas as camadas sociais e contribuiu, de sobremaneira, na formação primária dos principais cidadãos ilustres de Jequié. Todos os alunos eram tratados iguais e sem discriminações. Contudo, se podia notar a classe social de cada criança pela farda escolar, principalmente das meninas. Embora iguais para todas, com saias em azul-marinho e blusas brancas, os tecidos eram diferentes; os quais iam do

modesto brim e tecido de algodão, aos ricos tecidos de cambraias de linho e a nobre casimira.

Durante mais de meio século em atividade, lecionaram em suas salas, brilhantes professoras, como: Alíria Argolo, Florípedes Sodré (professora Sinhá), Glória Fraga, Georgina Pereira, Anita Rabelo, Dalva Pinto, Altamira Marioti, Natividade Pereira, Adalgisa, Laura Scaldaferri, Helenita Costa Brito, Raimunda Gouveia, Mimi Eloy, Lígia Munhoz, Emilia Ferreira, Maria Ferreira de Souza (professora Ferreirinha), Tânia Rabelo, Maria Adélia Aguiar Ribeiro, Noélia Pessoa, Elisa tourinho, Guaracy, Mary Rabelo, entre outras.

A partir da sua inauguração, o Grupo Escolar Castro Alves tornou-se o referencial da cultura jequieense. Juntamente com a Igreja Matriz e o Edifício Vicente Grillo, foi considerado um dos cartões postais da cidade. Em 14 de março de 1947, a escola homenageou o poeta Castro Alves com uma placa comemorativa pelo seu centenário de nascimento. O curioso é notar que a palavra Jequié ainda era ainda escrito com a grafia “Jiquié” com “I”. Depois da conclusão dos tupinólogos, que o topônimo Jequié originou-se do vocábulo tapuia jaquieh (onça) e não da palavra tupi jequi (armadilha para apanhar peixe), outra placa foi colocada (1949) homenageando o Poeta dos Escravos com a palavra Jequié, escrita como é atualmente.

Durante as décadas de 30, 40, 50 o Grupo Escolar Castro Alves foi uma referência em toda a região, como uma escola preparatória para o exame de Admissão ao Ginásio. Como estava sobrecarregada de alunos, o então prefeito municipal Ademar Nunes Vieira, inaugurou (1958), no Bairro Joaquim Romão outro grupo escolar, o qual leva o seu nome.

A partir de 1960 foram surgindo outras escolas nos bairros jequieenses. O Castro Alves continuava a ter mais destaque do que os outros grupos, pois além de estar situado em uma área nobre, contava com um corpo docente mais competente e famoso. Com a reforma de 1971, o Governo Civil- Militar instituiu uma mudança no ensino do primeiro e segundo graus, colocando o curso primário e ginasial juntos. Nessa reforma foi subtraído um ano do curso primário (quinto ano), o qual não mais necessitava de um diploma, abolindo o Exame de Admissão ao ginásio, criando, assim, o ensino fundamental. Dentro dessa diretriz, o conceito de grupo escolar e ginásio ficaram obsoletos. Mesmo assim, o dinâmico Castro Alves continuou atuando, cujo corpo docente só lecionava os quatros primeiros anos do ensino fundamental.

Obedecendo as considerações pragmáticas da reforma, novos centros educacionais foram aparecendo, unindo o ensino fundamental com segundo grau, sendo o último, técnico ou preparatório para a opção universitária. Os novos colégios municipais e estaduais foram sendo construídos nos bairros e

subúrbios da cidade, onde residiam os estudantes em geral. Com o tempo, o Grupo Escolar Castro Alves foi perdendo o seu aparato anterior, ficando considerado inadequado pelos educadores modernos. Sendo assim, a velha escola foi desativada em meados dos anos 90. A partir de então, o prédio ficou no mais completo abandono, a ponto de ter suas estruturas comprometidas com a implacabilidade do tempo.

Havia alguns anos que o dinâmico jornalista Raymundo Meira alimentava o sonho da criação de um museu histórico para a cidade. A ideia era antiga. Surgiu do ideal de um grupo de jornalistas liderados por Henrique Meira Magalhães, Eusino Soares, Leonel Ribeiro de Oliveira e Adauto Cidreira. Raymundo, em parceria com a professora Eronildes Ribeiro Santos, e da ajuda de decididos cidadãos Jequieenses, criou a ASSAM, a qual detinha um grande acervo da memória da cidade. A ASSAM criou o Museu Histórico de Jequié, que foi abrigado nas dependências do Grupo Escolar Castro Alves, já totalmente reformado e restaurado.

Bibliografia.

A Nova Historia de Jequié e Capítulos da Historia de Jequié de Emerson Pinto de Araújo, Fatos Pitorescos da Cidade Sol de Raimundo Meira; Geografia da Bahia de Fernando Floriano Rocha; Geografia da Bahia de Olga Pereira Meting; Revista de Jequié – Informativa de 1970 – Gestão: Waldomiro Borges; Jequié, Síntese Histórica e informativa de 1992 – Gestão: Luis Amaral e um livro de pontos para o curso primário, editado nos anos 50 pela Tipografia Sudoeste. Enciclopédia Delta Larousse, Coleção Conhecer e Coleção Nosso Século da Abril Cultural.

Este trabalho contou com a colaboração de Antonio Varjão Matos, museólogo e coordenador do Museu histórico de Jequié. Foi concebido, visando o tombamento de um dos poucos prédios antigos, que ainda existe na cidade de Jequié.

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