terça-feira, 17 de maio de 2022

História da Praça Ruy Barbosa.

                                               J. B. Pessoa

Quando a terrível enchente de 1914 se abateu em Jequié, atingiu também a Praça Luís Viana, onde estava situada a igreja matriz e os prédios mais importantes da cidade. Funcionavam, também, naquele lugar, o comércio local e a feira livre semanal. Atrás dessa praça ficava um mangueiro, pertencente a Vicente Grillo, onde os feirantes e visitantes deixavam seus animais para pastar. Após a catástrofe, que destruiu dois terços da cidade, seus habitantes, não mediram esforços para sua reconstrução. Engenheiros foram contratados para medirem um novo traçado e novas ruas e praças foram construídas. Vicente Grillo doou à comunidade aquele mangueiro e nele foi edificada uma nova praça, a qual foi denominada Praça Ruy Barbosa.

No espaço, onde foi delineada a nova praça, existiam duas partes distintas. Uma mais elevada, com um terreno acidentado, cheio de pedras, havendo nela uma pequena escarpa, rodeada com a vegetação típica da caatinga, e outra, mais baixa, de constituição plana, onde havia pasto, e era ostentada por uma magistral gameleira, a qual testemunhou o nascimento daquela dinâmica cidade.

Após a sua reconstrução, Jequié entrou para o rol das cidades planejadas do Brasil. Nasceu mais bela do que antes. A feira livre foi transferida para a nova praça e o comércio ficou mais dinâmico nas ruas Mangabeira e Sete de Setembro, entre as duas praças. O tempo foi passando, a cidade prosperando e não tardou muito para que, na nova praça, um majestoso edifício fosse construído.

Inaugurado em 1918, o Edifício Vicente Grillo tornou-se o motivo de orgulho da população. Em suas dependências funcionaram várias firmas comerciais, além do primeiro estabelecimento bancário da cidade, uma agência do Banco do Brasil, que foi inaugurada em 1923 à primeira escola secundária da região, o Ginásio de Jequié, fundado em 1935, pelo professor Antônio Felix de Brito.

Na década de 1920 surgiram várias casas comerciais e residenciais ao largo da grande praça. Os mais famosos foram os prédios do Rex Hotel, Farmácia Jequié e a Cadeia Pública. No primeiro semestre do ano de 1930, o intendente Geminiano Saback mandou efetuar obras de terraplanagem na parte alta da praça, onde existia a escarpa e iniciou a construção do paço municipal, onde iria funcionar a intendência de Jequié, com seus departamentos e repartições. Projetado pelo arquiteto francês André Saffrey, o mesmo que projetou a nova igreja matriz, o paço iria abrigar, também, o conselho municipal, um auditório, e um salão nobre. Esse prédio, com dois pavimentos, teria jardins laterais e deveria contar, também, com um palanque e um coreto. Por motivos, certamente políticos, o paço não foi concluído; contudo, a balaustrada que separava o desnível do terreno e a escadaria que daria acesso à porta principal do edifício, foi construído, o que nos dava uma visão antecipada, de como seria soberbo, o prédio da Intendência de Jequié. O “Colarinho de Saback”, como ficou sendo conhecida, pejorativamente, aquela construção, era muito bonito, como podemos constatar em fotografias existentes no Museu Histórico de Jequié. Mais tarde, dentro de sua concavidade, foi inaugurado um parque infantil e uma pista de patins, sendo que, nas festas juninas, as quermesses de Santo Antônio funcionavam em suas dependências, até o ano de 1968, quando a festança foi transferida para a Praça Castro Alves, em frente à igreja matriz.

O local onde se pretendia edificar o paço municipal ficou vazio nas décadas seguintes. Os intendentes posteriores, mais tarde prefeitos, continuaram alimentando a ideia de construção da prefeitura municipal naquele lugar. Enquanto isso não acontecia, o terreno baldio serviu de lugar para os diversos parques itinerantes, que visitavam a cidade.

Na gestão do prefeito Virgílio de Paula Tourinho (1934 – 1937), a feira livre foi transferida da Praça Ruy Barbosa para a Praça da Bandeira. Durante a segunda gestão do médico Waldeck Pinto de Araújo (1946 – 1947) foi iniciada obras de ajardinamento da Praça Ruy Barbosa, com a plantação das árvores, dentro de um projeto moderno, que resultou em um belíssimo jardim, o qual foi concluído na gestão do prefeito Atenodoro Vaz da Silva (1948 – 1948). Alegando que a velha gameleira existente na praça, a qual viu surgir a urbes jequieense, não combinava com o estilo moderno do jardim, o prefeito Atenodoro mandou arrancar a formosa árvore, sub o protesto de inúmeros cidadãos. Para amenizar os ânimos alterados, o prefeito a transportou, em um caminhão, replantando-a nas proximidades do Rio Jequiezinho, fato que não vingou e a gameleira acabou perecendo.

Culminando com as festividades do centenário do ilustre baiano, o busto de Ruy Barbosa foi inaugurado pelo prefeito Dr. Nilton Pinto de Araújo (1948 – 1951) na praça pública, que levava o seu nome. Nessa época, o seu jardim já tinha se transformado no principal ponto de encontro da juventude jequieense.

No final dos anos 40 surgiu um novo prédio, que logo se destacou perante os outros. A nova sede do Banco do Brasil, que contava com dois pavimentos, foi edificada na praça com esquina para a Rua Silva Jardim, no lugar onde existia a cadeia pública; sendo que, no final dos anos 60, um novo andar lhe foi acrescentado, deixando-o mais belo ainda. Em 1954, o empresário Osvaldo dos Anjos Silva construiu, anexo ao já existente Edifício Sudoeste, outro prédio de dois andares, onde passou a funcionar, em suas dependências, a famosa ZYN-27 Rádio Bahiana de Jequié, inaugurada no mesmo ano. Em 1958 foi inaugurado um novo prédio, cujo estilo estava em moda no momento, onde funcionou Magazine Três Irmãos, mais tarde Loja Amazonas e no final dos anos 60 apareceu o Edifício Rio de Contas, construído numa parte da praça, também chamada de Rua da Itália. Nessa mesma parte, em 1976, foi construída a atual agência do Banco Do Brasil e nos anos 80 e 90 novos e modernos edifícios foram sendo construídos ou reformados, dando novas características à praça.

Um fato lamentável foi à reforma feita em um prédio, situado de esquina com a Avenida Alves Pereira onde, na época, funcionava o Banco Econômico e, anteriormente, a Confeitaria Cristal. O prédio tinha uma bela decoração externa, de estilo eclético, a qual foi totalmente retirada, dando lugar o um vazio, bem no gosto da moda modernosa desse tempo, e que subsiste até os dias atuais. No outro lado da avenida, de esquina com a Rua João Mangabeira, funcionou nos anos 30 e 40, o famoso Bar Fascista, reduto de boêmios e intelectuais da época, já nos anos 50 e 60 em frente a esse bar, situado de esquina com a praça, ficava a famosa boate de Biondi, onde a rapaziada se encontrava com as “moças” mais belas da região.

Na Praça Ruy Barbosa Jequié acontecia. Desde as festas de quermesses ao carnaval, passando pelos comícios e parques itinerantes. Em seu majestoso jardim, com árvores frondosas e belas flores, encontros eram marcados. Em seus bancos, casais de namorados trocavam juras de amor nas noites de luar. Nas suas calçadas, a bela mocidade jequieense desfilava-se com os últimos ditames da moda internacional. Durante os anos 50 e 60, esta bela praça foi o principal ponto de encontro de políticos, fazendeiros, comerciantes, jornalistas e intelectuais, os quais encontravam guaridas no famoso “Bar Cristal”, situado no andar térreo do Edifício Vicente Grilo. Funcionou, também, nesse prédio, junto ao Bar Cristal, “O Berimbau”, bar inaugurado em 1969, o qual logo se tornou o preferido da juventude.

Em um edifício, ao lado oposto ao Colarinho de Saback, Dois bares funcionaram, simultaneamente, na mesma edificação, os quais se tornaram famosos nos saudosos anos 50 e 60. Este prédio tinha dois pavimentos. No andar de cima funcionava um salão de bilhar, conhecido como o “Bar do Bonege”, o qual era frequentado pelos entusiastas do jogo da sinuca; no térreo ficava “O Primavera Bar”. Este era um bar singular, pois lembrava um “saloon” de filmes faroestes. O bar tinha as portas típicas de um estabelecimento do velho oeste americano. As mesas desse bar eram redondas, feitas com as rodelas de madeiras serradas de um tronco com 1,40 m de diâmetro. Geralmente, frequentado por homens, as poucas mulheres, que nele adentravam, eram de reputação duvidosa. Muitas vezes, ocorriam escaramuças em seu salão, dignas de uma película hollywoodiana.

No final da década de 1960, a praça sofreu uma reforma que desagradou à maioria da população. O seu belíssimo jardim foi destruído, dando lugar a outro, bem ao gosto de uma modernice párvoa. Foram cortadas as árvores “fícus benjamins”, as quais formavam um belíssimo tapete aéreo; os bancos foram destruídos, ficando os frequentadores a mercê de um lugar para sentar, o qual era um prolongamento cimentado, que separava os canteiros das calçadas; o velho “Colarinho de Saback” foi derrubado, desaparecendo, com isso, o parque infantil e a pista de patins e, em seu lugar, apareceu uma construção, que se deu o nome de belvedere, tendo na parte atrás, um monumento esquisito, o qual foi apelidado pela população de “Canhões de Navarone”. Contudo, após sua inauguração, funcionou um elegantíssimo bar, na parte alta daquele local, o qual era frequentado pela fina sociedade jequieense.

Até a década de 1970, a Praça Ruy Barbosa continuou sendo o ponto de encontro da juventude jequieense, porém sem o charme e o glamour dos anos anteriores. Após os anos 80, a praça foi lentamente decaindo, devido a uma série de descasos das administrações municipais. O local, sendo totalmente descaracterizado de suas feições originais, deu lugar a uma praça, atípica, de natureza feirante, devido o número de vendedores ambulantes, barracas de comidas, camelôs; além dos anacrônicos hippies, com seus belos artesanatos e dos pseudos punks, com seus protestos gratuitos.

Durante a primeira gestão do prefeito Luís Amaral (1989 – 1992) o Edifício Vicente Grillo foi criminosamente demolido, perdendo Jequié, um dos seus principais cartões postais. Daí pra frente à praça, mal cuidada, perdeu totalmente o seu brilho e o bar, que funcionava na parte alta do belvedere desapareceu, e o da parte baixa transformou-se num nicho de notívagos.

A Praça Ruy Barbosa nunca mais recuperou o brilho de outrora. Entretanto, na gestão do prefeito Reinaldo Pinheiro (2005 – 2009), a velha praça apareceu com um novo visual, bastante bonita, dando a impressão de que, um novo tempo de glória viria novamente. Totalmente reformada e organizada adequadamente, com vários quiosques, foi reinaugurada pelo prefeito Reinaldo Pinheiro no dia 7 de setembro de 2008. Apesar dos descasos de administradores posteriores, que sucederam ao professor Reinado Moura Pinheiro, a Praça Ruy Barbosa vem fazendo um enorme sucesso entre a população jequieense. As crianças voltaram a aparecer e brincar nas suas calçadas e tudo indica que a praça será o grande ponto de encontro da juventude. Esperamos que o poder público não a negligencie e cuide dela com carinho, a qual tem tudo para ser, novamente, o novo cartão postal da cidade.

Este trabalho é baseado nas obras do professor e historiador Emerson Pinto de Araújo e de depoimentos de diversos cidadãos jequieenses.

 

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