Por Carlos Eden Meira
O
professor Marcelino, inteligente, letrado, conhecedor dos idiomas Francês,
Inglês e Latim, além de ciências e filosofia era tido por muita gente - não se
sabe bem por que - como um gênio que aprendera tudo sozinho, um “verdadeiro
autodidata”. Era casado com Sinhá Maria Donatella, mulher muito católica, filha
de família rica da zona rural da caatinga baiana. O professor, no entanto, era
também muito chegado a umas cachacinhas das boas, o que aborrecia demais a
recatada e religiosa esposa, quando ele chegava embriagado a declamar versos,
cuja linguagem às vezes pesada assustava a Sinhá Donatella.
Numa
ocasião, quando se aproximavam os festejos do Natal, Sinhá Donatella mandou vir
da fazenda, um grande e bonito peru para ser servido na ceia da festa, como era
de costume. Esse bendito peru inexplicavelmente ganhou a amizade do professor
que recitava versos para ele em altas madrugadas, recheadas de muita “água que
passarinho não bebe” e poesias, no quintal da casa. O peru foi então promovido
a condor, pois, o professor Marcelino nas suas viagens etílicas, achou enorme
semelhança entre o peru e essa ave andina que inspirou uma classe de poetas,
conhecidos como “condoreiros”. Comovido com o fatal destino do peru, ele
dedicou ao animal agora transmutado em condor, uns versos nos quais dizia:
“Tu,
ave de nobre porte,
Com
asas de majestosa envergadura,
Quem
selou a tua sorte
E te
impôs tão ignóbil amargura?”
O peru
era agora considerado o companheiro inseparável, o ouvinte principal e
confidente do professor Marcelino. Pelas madrugadas adentro, ouviam-se vindos
do quintal, os monólogos cheios de versos e frases espirituosas, intercalados
de desaforos e xingamentos, quando o professor contestava e questionava Deus e
o mundo, abraçado ao seu companheiro condor, coisas que evidentemente
contrariavam a religiosidade de Sinhá Donatella.
Aconteceu então, que na véspera do Natal, Sinhá Donatella como costumava fazer todo ano, mandou que a empregada na hora de matar a ave, dar cachaça “para aliviar o sofrimento durante a degola, e para a carne ficar mais macia”. Para executar tal tarefa, a moça pegou justamente a garrafa de pinga do professor, a qual ficava guardada entre livros numa estante, chamando assim a atenção do Marcelino, que, aos berros correu para o quintal abraçando o peru e dizendo colérico: - No meu dileto amigo condor, ninguém toca! É uma questão de vida ou morte! Terão que passar por sobre meu cadáver! – E tomando ameaçadoramente a garrafa das mãos da empregada, passou todo o Natal ali no quintal, bebendo abraçado ao seu condor, recitando versos e soltando palavrões. Naquele ano não houve peru, na ceia de Natal.
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