quinta-feira, 18 de novembro de 2021

O velho caboclo.

                                                                           J. B. Pessoa

Seu moço!... Amigos aqui presentes! Como eu já disse a vocês, eu não posso dizer que já vi algum saci pererê, caipora ou qualquer coisa sobrenatural, assim como o Compadre Zé do Barulho, que botou pra correr o caipora e o Seu Nenê, que deu uma surra num lobisomem, lá pelas bandas do Curral Novo. O que eu vi foi àquela visagem do pé de algodão de seda, que contei pra vocês. Conversando com minha sobrinha Eva Marli, moça inteligente que se formou em professora, ela me disse que o acontecido era produto da minha imaginação, pois na ocasião eu estava com o corpo e a cabeça cansados pelas viagens e labutas diárias. Claro que eu acreditei na explicação dela! Mas, com tudo isso, e aqui pra nós: têm coisas que me deixam cismado demais; como no caso que irei contar pra vocês, depois de coar este cafezinho.

Certa vez, depois de uma viagem a São Paulo, fui procurar um velho caboclo, muito da minha estima, chamado de João Velho. Ele era filho do meu bisavô Joaquim Nunes Dourado com uma índia, famosa pela sua beleza, chamada Jandira de Jesus. Pois bem: O velho foi batizado e registrado com o nome de João Batista Nunes Dourado, recebendo educação escolar como os demais filhos do português Joaquim. Porém, desde pequeno, se embreava pelas matas em companhia de seus parentes índios. Seu avô, pai de Jandira, era o pajé da tribo que eles pertenciam e ensinou tudo que sabia ao neto mameluco. O velho era irmão, por parte de pai, da minha avó Iria Nuñez Dourado, filha de uma cigana espanhola chamada Maria Ifigênia Nuñez. Eu o conhecia desde menino e gostava muito dele, que tinha uma afeição especial por mim. O velho me ensinou a caçar, pescar, armar arapucas e atirar com arco e flecha.

Seu moço, quando o velho me viu, me deu aquele afetuoso abraço e ficou numa alegria, que me emocionou bastante. Ele me abraçou várias vezes, pois havia um longo tempo que a gente não se encontrava. O velho ficou bastante contente com a minha visita, principalmente quando lhe dei de presente um chapéu elegante e uma capa colonial: ”Precisava não, filho!”, disse ele colocando o chapéu na cabeça e admirando a capa que era de uma marca famosa. Ficamos conversando por um bom tempo sobre cidades grandes, quando tirei do bolso interno do meu paletó e lhe mostrei, um revolver novo que eu tinha comprado. Era um Smith & Watson prateado, com coronha de madrepérola e calibre 38. Uma verdadeira beleza. Ele olhou para a arma por um bom tempo, meditou um pouco e depois disse: “Bonita pistola, filho!... Pena que não serve pra nada!” Perguntei pra ele o porquê daquela afirmação e ele pediu que eu atirasse as seis balas em um tronco de jurema. Atirei com aprumo e as balas ficaram juntas uma das outras. Ele elogiou a minha pontaria e ordenou: “Carregue a arma e atire novamente!” Fiz o que ele mandou e quando apertei o gatilho, só escutava o som de um tambor vazio! Seu moço, eu fiquei intrigado com aquilo, pois eu tinha certeza, de que havia recarregado a arma. Ele sorria, mangando de mim, depois de mostrar as balas na sua mão. “Tá vendo meu filho?!... Não serve pra

nada!” Depois disso, olhou bem sério pra mim e disse: “Meu filho, a melhor arma que existe é a fé em Deus!” Fiquei escabreado e baixei a cabeça, tentando adivinhar como foi que o velho fez aquilo. Eu conhecia muito bem a sua fama de mandingueiro e muita gente afirmava que ele tinha o corpo fechado. Guardei o revolver no bolso interno do paletó e, olhando para ele, lhe disse sorrindo: “O Senhor está certo, meu tio! Porém, Deus disse: Tu farás a tua parte, que eu te ajudarei!” Ele sorriu para mim e me deu outro abraço. Depois de um momento pensativo, olhou bem para mim e disse concordando: “Você está certo, meu filho! Como diz o povo: Homem prevenido vale por dois!”

A gente ficou umas boas horas proseando, relembrando nossas aventuras. Depois de algum tempo eu me despedi dele com outro abraço e, montando em meu cavalo, voltei para casa todo encafifado com o acontecido. O povo dizia que ele tinha o poder de ficar invisível, deixar o corpo e ir ao mundo dos mortos. Eu, da minha parte, acredito em tudo isso, pois sei de como a vida é misteriosa. A grande verdade é que o velho me ensinou muita coisa, mas tinha segredos que jamais revelou pra mim. Eu adorava ficar conversando com aquele velho que, dos meus parentes, é o que eu tenho mais saudades. Faleceu no mesmo dia do suicídio de Getulio Vargas, com quase cem anos de idade. Dizem que morreu sorrindo, enquanto dormia! Pois é seu moço! Digo e redigo! Acredite quem quiser! Agora vamos tomar um cafezinho quente e pitar outro cigarro de palha com o fumo “cumecin” que o compadre Alípio trouxe da Lapa e ouvir dele, mais um caso de assombração.

Terceiro capítulo do livro não publicado: “As Aventuras de um Catingueiro”

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