J. B. Pessoa
O
maior prazer de um comerciante é ver seu estabelecimento crescer, cheio de
fregueses comprando e pagando a vista seus produtos; tendo também, a fama de
ser o melhor e o mais importante da cidade. Não era exatamente isso, o que
acontecia com Abílio Ferreira. Sua casa comercial ia de mal a pior, pois
querendo ter mais lucro, elevou demasiadamente o preço e suas mercadorias,
afastando com isso os poucos fregueses que possuía. Era uma moderna loja, com
vitrines muito bonitas. Apesar de situar na Rua Sete de Setembro, ponto chique
de Jequié, Abílio não teve a capacidade de prever o que aspirava a sociedade
jequeense. Não fez a então chamada pesquisa de mercado, termo novo nessa época
no meio empresarial. Ao abrir a sua loja, não fez a publicidade necessária e nem
sequer a inaugurou da maneira convencional. Simplesmente, abriu as portas e
ficou a espera de seus ricos fregueses.
Como
tudo que é novidade desperta curiosidade nas pessoas comuns, a loja de Abílio,
denominada “Noblis Magazine”, virou atração na cidade. A pretensão do lojista
era atrair a elite local. Porém, as mercadorias em exposição não agradavam às
pessoas refinadas. A maioria da elite jequieense fazia suas compras nas lojas
da Rua Chile em Salvador. Sua clientela era os remediados; porem, para esses,
os produtos da loja eram caros. Abílio Ferreira, homem à antiga, totalmente
desinformado, morria de raiva quando ouvia a palavra “fiado”. Numa época em que
surgiu o sistema de venda a crédito, o qual foi uma estratégia que revolucionou
o comércio brasileiro, Abílio batia pé firme: fiado?!... Jamais! Quando
finalmente começou a vender a prazo, foi no velho sistema que ele conhecia, com
anotações em cadernetas como se faziam nas vendas e armazéns arcaicos. Vendendo
fiado sem receber, com títulos a pagar seus fornecedores e sem dinheiro em
caixa, Abílio foi levando seu negócio aos trancos e barrancos. Para escapar dos
seus credores, foi emitindo cheques pré-datados, sem nenhum controle e
comprando sem pagar. Dentro de pouco tempo, aquele homem de negócios ganhou a
triste fama de caloteiro e passador de cheques sem fundos. Para escapar da
falência total, foi obrigado a vender seu negócio com sérios prejuízos. O novo
proprietário, um sujeito esperto, com mentalidade moderna, conseguiu prosperar
e a loja e, com outro nome, tornou-se o grande magazine jequieense.
Abílio
conseguiu se estabelecer novamente. Desta vez foi para o ramo de restaurantes.
Pensava ele a todo o momento: “Todo mundo precisa comer!”. Com otimismo e
coragem foi levando seu negócio na base da “esperteza”. Porém, sua fama de
escroque já era grande e ninguém aceitava um cheque seu. Mesmo assim, conseguiu
progredir. O tempo foi passando e suas aventuras comerciais tornaram-se
famosas. Abílio Ferreira acabou se transformando numa personagem lendária, no
folclore do sudoeste baiano.
Certo
dia, quando o velho Abílio Ferreira precisou fazer um pequeno conserto em seu
restaurante, pagou o trabalho do pedreiro com um cheque bem gordo. O rapaz,
desavisado, aceitou de bom grado e, quando tentou descontar, o caixa do banco
recusou, pois, como sempre, o cheque estava sem fundo. O pedreiro, aborrecido,
foi se queixar com Abílio, dizendo bastante zangado:
- Seu
Abílio, eu fui pegar o meu dinheiro e o banco disse que não tinha!
- Não
tinha o que? – Disse o velho fingindo uma surpresa natural.
-
Dinheiro!... O Banco disse que não tinha dinheiro!
-Essa
é boa!... O Banco que é rico não tem dinheiro, como é que você quer que eu
tenha! Volte aqui na semana que vem que eu vou falar com o gerente. O pedreiro
foi embora, voltando diversas vezes e nunca conseguiu receber o seu pagamento.
Como
costumava passar cheques que nada valia Abílio, por sua vez, jamais aceitava
algum. Sempre deixava ordens expressas a seus empregados para nunca receber um
cheque. Certa vez, ao sair para resolver um assunto de seu interesse, deu
ordens expressas ao novo empregado:
- Olha
aqui rapaz! Preste bem atenção: Não me receba cheque de ninguém, ouviu? Nem
mesmo do presidente Jânio Quadros!
Logo
após a saída do patrão, chegou um sujeito, acompanhado da esposa, almoçou no
restaurante e quis pagar com um cheque. O empregado recusou dizendo:
-
Sinto muito freguês, mas a casa não aceita cheques! São ordens de seu Abílio!
- Mas
o cheque é dele mesmo! - Argumentou o sujeito. – Veja aqui o nome dele e a sua
assinatura!
O
empregado olhou bem, verificando que o homem tinha razão. Aceitou o cheque e
ainda deu o troco em dinheiro!
À
tardinha quando estava fazendo o caixa do dia, o velho Abílio encontrou o
cheque. Teve um acesso de fúria e gritou para o empregado, dizendo:
- Ô
seu sacana, eu não lhe disse para não aceitar cheques de ninguém?
- Mas
o cheque é do senhor, Seu Abílio! – Disse o inocente rapaz com receio do
patrão. Abílio Ferreira gritou com todos os seus pulmões:
-
Principalmente o meu, seu porra!... Principalmente o meu!
Esse texto faz parte do livro não publicado “Velhos Tempos Jequieenses” .
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