J. B. Pessoa
Ademilton
Silva estava bastante aborrecido naquele domingo à noite. O relógio da matriz
badalava as onze horas e até aquele momento, ele não tinha feito nenhuma
corrida com seu táxi novo. Caía uma garoa fina e gelada, deixando a Praça Ruy
Barbosa toda brumosa, com aquele nevoeiro fora do comum. Observa a velha praça
reformada num estilo que não lhe agradava. Sentia falta do velho “Colarinho
Saback”, do parque infantil e da pista de patins. Quando foi trabalhar em São
Paulo, cinco anos atrás, havia deixado um belo jardim, com frondosas árvores, as
quais eram aparadas, formando um grande tapete aéreo, que proporcionavam
sombras por toda a parte. O jardim era mais bonito com seus bancos e poste de luz,
confeccionados dentro do estilo clássico e a praça, sem dúvida, era mais
charmosa. Retornou à sua bela cidade no inicio daquele ano, sentindo o impacto
da desagradável surpresa! Era um jardim vazio, sem árvores, sem bancos e sem canteiros
de flores, que naquele momento lhe parecia um lugar medonho.
O taxista estava
se preparando para ir embora, quando apareceram dois rapazes, acompanhados de
uma jovem senhora e uma garota de dezoito anos, que conversavam animadamente. O
Bar Berimbau, situado no Edifício Vicente Grillo, estava encerrando as suas
atividades e eles queriam prolongar a farra por mais tempo. Ademilton conhecia
bem os rapazes. Eram brancos, de famílias remediadas, e estudantes se
preparando para o próximo vestibular em Salvador. Os dois andavam sempre juntos
e seus nomes eram José Ademir e José Roberto; entretanto, eram mais conhecidos pelos
apelidos de Zé Bonito e Zé Feio, pelo fato do apolíneo Ademir ser considerado,
pelas garotas da cidade, como o rapaz mais bonito de Jequié. Ele estava no
esplendor de seus dezoitos anos, sendo, por isso, bastante imaturo e presunçoso.
Roberto era um moço alto e magro, de rosto ossudo e nariz grande, sendo que,
aos vinte e cinco anos, ostentava uma calvície precoce; contudo, não era feio
como dizia o apelido. As mulheres, uma tia e sobrinha, eram do Rio de Janeiro e
estavam viajando de carro, quando resolveram pernoitar em Jequié. Os rapazes
conheceram as duas quando terminava a sessão de cinema. José Ademir quando viu
aquela belíssima garota de pele bronzeada, cabelos loiros, olhos azuis e, com
aquele glamouroso sotaque carioca, caiu de amores pela menina. A tia, uma
balzaquiana de trinta e oito anos, era morena e muito atraente. Ademir se
apresentou e acompanhado de Roberto convidou as duas para uns drinques. A
paquera não demorou a sair e os casais se entendendo, resolveram ir a um motel.
Ademir saudou o motorista e lhe disse com um ar esnobe:
-
Meu caro taxista, nós precisamos de seus serviços! Queremos alugar o seu carro
por tempo indeterminado, pois temos que mostrar a nossa cidade para estas
meninas!
-
Tudo bem! O amigo é quem manda. – Disse Ademilton, olhando fascinado para aquela
bela morena de pernas grossas e sorriso lindo.
A mulher olhou com interesse para o motorista, um mulato claro, bem
apessoado, de porte altivo, deixando-o impressionado.
Os
casais entraram no carro e rumaram em direção a Cidade Nova. A mulher, que se
chamava Sônia, sentou-se junto do motorista e os rapazes foram no banco de trás,
junto da garota, que no meio deles distribuía simpatias. Seu nome era Sandra,
porém a tia a tratava no diminutivo. Ademir tentou beijar a menina, que se
esquivou delicadamente e, puxando conversa com Roberto, ela lhe disse com uma
voz sensual:
Sabe
que sou amarrada em um homem calvo?!... Dizem que eles são mais sensuais, mais
viris...
-Verdade?!...Fico
feliz com isso! – será que o dito popular é verdadeiro?
-
Qual?
-
“É dos carecas que elas gostam mais!”.
-
Isso é conversa fiada. – Interrompeu Ademir com despeito, o qual não estava
gostando do rumo que a conversa estava tomando, para depois acrescentar:
- Se isso fosse verdade, não haveria tantos
carecas usando perucas!
-
Pois eu gosto muito! Eles são mais amorosos, delicados, pacientes e sabem
tratar bem uma mulher! – Disse Sônia com firmeza. Ademir balançou a cabeça discordando da
afirmação, e olhando para a menina com pose de galã, lhe disse sorrindo:
-
Então nesse caso, você prefere o Roberto a mim!
-
Claro que prefiro!... Você tem duvidas?
-
Você só pode estar brincando!
- Não estou! É por isso eu vou dormir com ele e você com a
minha tia.
José
Roberto ficou surpreso com a escolha da menina, pois as garotas da cidade
adoravam José Ademir. Era sorte demais ter aquela garota maravilhosa em seus
braços, preferindo a ele e não a seu amigo.
-
Nada disso! Você vai ficar comigo porque combinamos em tudo, inclusive na
idade.
A
garota protestou, dizendo que só ficaria com quem ela quisesse. Por sua vez, o
rapaz argumentava que eles eram jovens, que ele era bonito e ela iria adorar.
A
garota olhou para José Ademir e, espantada diante da sua presunção, lhe disse
indignada:
- Quem foi que
lhe disse que gosto de homem bonito?!... Além disso, você não é essa beleza
toda!
- Não é o que afirma
as garotas que conheço! - Disse o rapaz, tentando acariciar a garota.
- Eu gosto mesmo é de homem gostoso e Roberto
é gostoso! - Gritou a menina nervosa, repelindo o rapaz.
Ademir ficou irritado
com o que ouviu. Nesse momento o carro chegou ao seu destino e a mulher pediu
ao motorista que estacionasse na porta de um restaurante, que naquela hora
estava com poucos fregueses. Roberto, preocupado com a implicância do amigo,
pediu a Ademilton que esperasse por eles. Chamando Ademir a sua atenção, procurou
convencê-lo de que ele estava errado, deixando o rapaz mais irritado ainda, o
qual não queria ceder de maneira alguma. O motorista Ademilton Silva assistia
todo o desenrolar do drama, surpreso com a falta de tato do jovem arrogante. O
barulho formado pela discussão tinha atraído alguns curiosos, que frequentava o
restaurante. Um deles, amigo do motorista, havia se aproximado e perguntou a
razão daquele alarido. Adailton contou
tudo e o sujeito opinou:
- O garotão é um
otário!
A mulher já
estava perdendo a paciência com toda aquela confusão, quando Roberto chegou
para os três dizendo com muita amabilidade:
- Eu não tenho preferência!
Gosto mesmo é de mulher bonita e as duas são belíssimas!
A mulher
acariciou o rapaz, dizendo com sensualidade:
-
Eu gostaria de ter você Roberto. Mas, se minha sobrinha lhe escolheu, eu deixo
você para ela, pois sempre satisfaço os seus desejos! – Depois se virando para
Ademir, disse-lhe aborrecida:
- Eu fico com
você garoto!... O que quero mesmo é
fuder!
José Ademir
permaneceu com a cara amuada. Depois, cruzando os braços numa atitude pueril,
disse zangado:
- Eu não gosto
de coroas!
- Coroa é sua
mãe, seu veado filho de uma puta! – Explodiu a mulher com uma fúria
incontrolável, deixando assustados os dois rapazes e, puxando a sobrinha pela
mão, disse raivosa:
- Vamos embora,
Sandrinha!... Deixemos de lado esses idiotas!
Nesse mesmo
instante, A mulher foi ao encontro do motorista, pedindo para ser levada dali
com urgência. Ademilton acomodou as duas no carro e partiu para o centro da
cidade.
Os dois rapazes
ficaram discutindo entre si sobre o ocorrido, tendo como platéia uma turma de
gozadores, que já sabiam da grande mancada. Tiveram que voltar a pé, pois não
encontraram nenhuma condução naquele momento.
Chegando a Praça
Ruy Barbosa, o motorista parou o carro na espera de algum pedido das
passageiras. A mulher pediu desculpas pelo vexame, e com voz delicada
perguntou:
- Como é seu
nome meu amigo?
- Ademilton
Silva, seu criado, Senhora!
-Meu nome é
Sônia e esta é Sandra, minha sobrinha! Ademilton, você poderia nos indicar um
bom hotel, onde a gente poderia passar a noite? – Disse a mulher despejando
sensualidade e acrescentando com simpatia:
- Um hotel onde
duas pequenas podem passar a noite, acompanhadas de um “pão” como você!
- Dá-se um jeito
Sônia!
Ademilton levou
as duas mulheres para o melhor hotel da cidade e, acomodando a tia e sobrinha em
um apartamento, teve com as duas, a noite mais memorável de toda a sua vida!
José Roberto cortou as suas relações com José Ademir, dizendo: “Quem com porcos andam, farelos comem!” Quando soube da inusitada aventura do motorista, ficou doente de raiva! Principalmente, quando Ademilton lhe exibiu duas calcinhas autografadas!
(Do livro não publicado, “Velhos Tempos Jequieenses”)
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