J. B. Pessoa
João
Mesquita acordou naquela manhã de inverno, bastante aborrecido. A neblina que
caia desde a madrugada, parecia anunciar um dia monótono, de poucas vendas e
muito frio. Estava chateado consigo mesmo, devido à sua decisão de deixar
Salvador e vir morar em Jequié. A proposta que ele aceitou de ser vendedor em
uma recém e inaugurada loja da cidade, havia lhe conferido rendimentos nada
desprezíveis; porém, para um jovem como ele, acostumado na capital, àquela
cidade do interior era um tanto tacanha para seu gosto. Ele tinha sido
contratado pelo Magazine Três Irmãos, devido à sua fama de grande vendedor.
João, apesar de muito jovem, tinha angariado respeito de seus camaradas
soteropolitanos e, em uma noitada boêmia no Cabaré Tabaris, conheceu o gerente
da loja, que o convenceu a vir morar na Terra do Sol e de moças bonitas! O sol
que ele adora?!... Não viu! As garotas?... Também não! Chegou a Jequié no mês
de julho, logo depois das festas juninas, época em que a cidade entra em numa
maresia que só termina em setembro. Era o final de agosto e o inverno daquele
ano estava mais rigoroso do que os anteriores. O povo da cidade dormia muito
cedo, pois o apagar das luzes, às vinte e duas horas, deixava as ruas
totalmente vazias. Os notívagos encontravam guarida nos modestos bordeis da Rua
do Maracujá ou em recantos mais obscuros. Na noite anterior, ele tomou muita
cerveja, indo dormir bastante tarde, acordando numa ressaca tenebrosa e com uma
enxaqueca que parecia sem cura!
A loja
abria suas portas às oito horas. Era a maior da cidade, de sua região, e uma
das mais chiques do interior. Tinha aderido ao sistema de comissão nas vendas,
o que tornava seus vendedores mais competitivos. Bastava entrar alguém com cara
de rico, para os vendedores caírem em cima dele como aves de rapina, na
esperança de uma boa comissão. João achava os seus novos colegas, vendedores
tabaréus e sem educação. Não tinham tino profissional e eram capiaus demais
para uma loja daquele porte. Os fregueses menos afortunados eram desprezados,
os quais evitavam fazer compras na luxuosa loja. Por sua vez, João atendia a
todos igualmente e, com seu simpático sorriso, conquistava cada dia novos
clientes para a loja, fato que deixava os outros caixeiros com muita inveja.
Naquela
manhã, após tomar um sal de frutas, João estava compondo a sua gravata, quando
entrou na loja um cidadão mal vestido com as roupas enxovalhadas e bastante
sujas. Era um senhor pardo, de meia idade, com aparência cansada. Tinha em
baixo dos braços um grande embrulho feito com papel de jornal. Entrou
timidamente na loja e não foi atendido por ninguém. João notou que todos os
vendedores foram saindo de lado, ignorando o sujeito, apesar da loja está
totalmente vazia. Nesse momento, João aproximou-se do cidadão e disse
cordialmente:
- Bom
dia doutor!...Estou às suas ordens!
- Bom
dia meu rapaz! Eu soube que nesta loja vende ternos muito bons!
- Sim!
Somos os únicos da cidade! Temos alguns, costurados por um talentoso alfaiate
local, o Sr Antonio “Bria”, de Assis e outros confeccionados no Rio de Janeiro,
de ótima etiqueta.
-
Gostaria de vê-los, por favor!
João
conduziu o cliente até a secção de ternos e mostrou tudo o que tinha em
estoque. O cidadão escolheu três, experimentou, dizendo a seguir:
- Fico
com estes! Eu gostaria de ver algumas camisas e gravatas!
- Pois
não doutor! Agora mesmo! Temos excelentes camisas de sedas, linho e cambraias;
gravatas de sedas e, se o senhor preferir confecções de nylon, a loja dispõe no
momento algumas, que é a última moda no sul!
- Tudo
bem, eu quero ver todas!
O
rapaz foi mostrando todo o estoque e o cliente ficou com dez camisas e cinco
gravatas. Nesse ínterim, os outros vendedores, cientes da asneira que fizeram,
aproximaram do cidadão com bastante curiosidade. Ele explicou que era advogado
e tinha uma fazenda de cacau, situada além do distrito de Jitauna. Na vinda
para cá, sofreu um pequeno acidente; seu jipe capotou, perto da fazenda
Provisão, caindo num riacho, perdendo ele toda a sua bagagem, só salvando seu
precioso embrulho. Ele precisava estar em Salvador naquela segunda feira, para
realizar um grande negócio e ia pegar um avião da Nacional ou da Real,
companhias aéreas que atuavam diariamente em Jequié.
- Eu
gostaria de comprar uma maleta para guardar esse dinheiro! – Disse o homem
despejando o conteúdo do embrulho no balcão. Os vendedores olharam pasmados
para tudo aquilo, pois jamais em suas vidas, tinham visto tanto dinheiro junto.
João lhe ofereceu uma pasta de cromo alemão, aproveitando a oportunidade para
vender um jogo de malas. O homem comprou de tudo: sapatos, meias, cintos,
cuecas e ainda deu uma gorda gorjeta ao rapaz. Saiu da loja bem vestido,
congratulando o gerente pelo excelente vendedor. Pegou um carro de praça e
seguiu para o aeroporto Vicente Grillo. João tomou um cafezinho e foi até a porta
da loja; acendeu um cigarro e tragou suavemente a fumaça, notando os olhares
estupefatos de seus colegas. Sentiu que aquela cidade tinha muita coisa a lhe
oferecer. Ficou admirando o belo jardim da praça, e aspirou, com vontade, o
vento fresco da manhã. Sorriu satisfeito. Sua enxaqueca tinha desaparecido!
(Do livro não publicado, “Velhos Tempos Jequieenses”)
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