Por Carlos Eden Meira
Era uma fria tarde de junho, durante as
férias de “São João”, (era como nos referíamos às férias escolares do período
de junho e julho). Estávamos todos reunidos no grande passeio da casa de minha
avó, programando coisas para fazer durante as férias. E as opções eram muitas:
construir um “clube” de varas, coberto de folhagens nas “paredes” e no “teto”,
local onde projetávamos cenas de filmes, utilizando um projetor que fazíamos
com um pequeno caixote, uma velha lâmpada transparente cheia de água servindo
de lente de aumento; se a função fosse à noite, iluminávamos a projeção com uma
lanterna de pilhas. E, se fosse durante o dia, captávamos e direcionávamos a
luz solar com um pedaço de espelho. A imagem vinha de cortes de
películas, descartados pelos operadores de projeção, durante a remontagem de
filmes estragados que achávamos atrás dos cinemas, ou pedíamos aos próprios
operadores. Este fragmento de fita era adaptado numa abertura
retangular na frente da “lente”, e projetado num retângulo de papelão branco
que servia como tela. As cenas de filmes proibidos para menores eram as nossas
preferidas. Outras opções eram tomar banho no rio, brincar de caubói no
“ladeirão” dos fundos da Lélis Piedade, jogar bola no areão do rio e muitas
outras coisas.
Estávamos nessas conversas, quando José
da Anunciação Siqueira, o Zeca, um garoto nosso vizinho metido a gato mestre,
mais velho do que nós, cuja mãe alugava quartos da casa para no máximo dois
estudantes - era uma espécie de pensionato - se aproximou com uma expressão
triste e voz de choro, anunciando: - O Osmundo morreu vocês sabiam? – Osmundo
Jorge era um dos hóspedes do pensionato, e que fazia parte da nossa turma. Era
um garoto louro, de olhos verdes e feições femininas, que virava uma fera
quando alguém da turma o chamava de menina. Desafiava logo o cara pra porrada,
e era bom de briga. Zeca, com uma voz trêmula e emocionante, detalhou os
motivos que resultaram na morte do Osmundo, explicando que uma intoxicação
alimentar fulminante fora a principal causa. Nós percebemos que na verdade, o
Osmundo andava sumido havia alguns dias, e ficamos todos consternados,
chocados, com o fato. Ficamos um bom tempo em silêncio, sem saber o que dizer.
Tudo o que planejávamos para aquelas férias, parecia perdido. Com o Osmundo
morto, sendo ele um dos maiores entusiastas de nossas brincadeiras, além de ser
nosso amigo, não tínhamos ânimo para mais nada. Com um nó na garganta, quebrei
o silêncio e perguntei gaguejando ao Zeca, onde estava o corpo do Osmundo, se
estava na Casa de Saúde, no pensionato, ou se tinha sido levado para a casa da
família, em Ipiaú.
Durante essa conversa, a turma ainda impressionada com a fatal notícia viu caminhando em nossa direção, a figura inconfundível e brincalhona de quem? Dando cambalhotas como gostava de fazer, gritando “hip-hip-hurra!”. Quem, senão o Osmundo? Alguns da turma fizeram gesto de dar no pé, pois ali estava nada mais nada menos do que o “fantasma” do Osmundo, em pessoa. Somente quando o Zeca caiu na gargalhada, gozando com a nossa cara é que caímos na real. Xingamos o Zeca de todos os nomes feios possíveis, e, teve até quem quisesse quebrar a cara dele. O Osmundo sem nada entender apaziguou a briga, enquanto nós, felizes em vê-lo, começamos a abraçá-lo, o que fazia com que ele se afastasse assustado com aquela estranha manifestação de afeto. Quando explicamos ao Osmundo do que se tratava, ele quis entrar na porrada com o Zeca, que sendo maior em tamanho e mais velho do que ele, queria agredi-lo, mas a turma enfurecida, botou o moleque pra correr, e ele levou um bom tempo sem aparecer por ali.
Os nomes de pessoas publicados neste texto são fictícios. Qualquer semelhança com nomes de pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.
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