J. B. Pessoa
Ninguém
sabe com certeza se é uma velha piada anônima ou se o fato realmente aconteceu.
Porém, os mais velhos afirmam que a história é verdadeira e teve como palco a
cidade de Jequié.
Apareceu
numa certa manhã de sábado, dia de feira livre, um sujeito proveniente da zona
da mata. Era um caboclo baixo, muito magro, ainda jovem, que trazia consigo uma
gaiola, tendo nela cativo um belo passarinho, cuja espécie dizia chamar de
pêga. Tinha ele um defeito na fala, uma espécie de gaguejo que o povo chamava
de “fohen”, pois não conseguia pronunciar uma ou as duas primeiras letras duma
palavra. Quando entrou na praça, ficou estacionado junto de um muro, que fazia
esquina com a Rua Alves Pereira. Achou aquele lugar estratégico, pois passavam
muita gente e ele tinha uma visão privilegiada de uma monumental construção.
Tratava-se dos alicerces do mercado municipal. Ele nunca tinha visto na vida,
tantos operários trabalhando; tantos tijolos, pedras e madeiras reunidas. Ficou
encantado com o número de pessoas, que frequentavam a famosa feira e pensou:
“Vou já vendê esse Passarin, pra da de comer a meus fihins!” Às sete horas da
manhã, ele já estava plantado no seu ponto à espera de um possível comprador. A
primeira pessoa a lhe abordar, foi um guarda que perguntou:
-
Bonito passarinho!... Como é o nome dele?
-
“êga”!
- Ah,
pêga!... O que ele come?
-
“ome” ‘arne”, “eijão”, “aois”, “ilho”!... “udo” que o ‘inhô ‘izê dá!
- Sei:
carne, feijão, arroz e milho o que eu der. Bom, espero que você faça uma boa
venda. – Dizendo isso, o guarda retirou-se, deixando o mateiro com seu
passarinho, bem na hora em que aparece uma jovem senhora:
- Que
belo pássaro!... Como é o nome dele? O senhor quer vender?
- O
matuto, animado com a possível venda, elaborou seu melhor sorriso desdentado,
dizendo com uma torpe gentileza.
- O
“ome” é “êga”!... Eu “endo” ele pra “inhora”!
A
mulher se desculpou, dizendo que naquele momento, não podia comprar, que em uma
próxima ocasião ela pensaria no assunto. O mateiro fez cara feia, balançou
cabeça e não disse nada. Nesse momento aparecem outras pessoas e os diálogos
recomeçam. O Mateiro já andava aborrecido com tantas perguntas e ninguém
querendo comprar o seu pássaro. Uma hora era os moleques que o perturbava,
outras vezes eram simples curiosos. Ficou indignado com um surdo que falava
alto e não ouvia nada. O dia foi passando devagar, o sol esquentando e nada de
alguém querer comprar o seu precioso pássaro. Às três horas da tarde, o homem com
bastante fome, sentindo se derreter com calor da Cidade Sol, amaldiçoava o
pobre pássaro. Toda hora aparecia alguém e fazia as mesmas perguntas e o
mateiro respondia com paciência. No final da tarde, o mateiro morrendo de
raiva, verificou que os feirantes estavam desmontando suas barracas e a feira
chagando ao fim. O pobre homem estava totalmente desiludido de tudo,
quando
lhe apareceu uma mulher gorda, esposa de um figurão importante na cidade, a
qual elogiou o seu pássaro:
- Que
passarinho fofo! Como é o nome dele?
O
mateiro olhou para a mulher de baixo para cima, sem se levantar e, contendo o
ódio que sentia pela penúria que passava, disse pacientemente:
- É
“êga”!
- Ele
canta?
-
“anta” que é uma -“eleza’’!
- O
que ele come?
O
mateiro olhou para a mulher, bastante irritado. Não conseguindo reprimir a sua
indignação, lhe disse pausadamente:
-
“ome” o seu “u”, o “u” de seu ‘ai, o “u” de sua “ãe”, de sua irmã, de sua...
- Vou
chamar o meu marido! – Disse a mulher indignada.
-
“ome” o “u” de seu “árido” “ambém”!... Aquele “orno”!
A
mulher saiu dali apressada e, bufando de raiva com tamanho desrespeito, foi à
procura de seu marido para vingar o ultraje. O mateiro mais calmo, com os
nervos relaxados devido o desabafo, respirou forte e, percebendo na encrenca
que acabou de se meter, preparou suas coisas para ir embora dali o mais rápido
possível. Nesse momento apareceu o marido da referida dama, um sujeito alto,
forte e mal encarado que, olhando zangado para o mateiro, perguntou:
- Que
pássaro é esse?
O
mateiro olhou desconfiado para o homem, e disse:
- É
“ega” meu “inhô”.
- O
que ele come?
-
“arne”, “arinha”, arroz, “udo” que o “inhô” dar!
- Não
come o meu cu?!
“umia”!...
“umia”!...Mas não “ome” mais! - Dizendo isso, saiu numa louca disparada,
deixando prá trás aquele pássaro agourento, desaparecendo da cidade para nunca
mais retornar.
Do
livro não publicado “Velhos Tempos Jequieenses”
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