Por 3 votos a 2, a Segunda Turma do Supremo
Tribunal Federal declarou em julgamento nesta terça-feira
(23) que o ex-juiz federal Sergio Moro agiu com
parcialidade ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no
caso do triplex do Guarujá.
A sentença que condenou Lula
segue anulada por outra decisão, determinada pelo ministro Edson
Fachin, que apontou a incompetência da Justiça Federal do Paraná para analisar
os processos do petista e tornou sem efeito as condenações pela Operação Lava Jato de
Curitiba.
Com a decisão desta terça, a Segunda
Turma anulou todo o processo do triplex, que precisará ser retomado da estaca
zero pelos investigadores. Para o ministro Edson Fachin, vencido no julgamento,
a decisão poderá levar à anulação de todas as sentenças proferidas por Moro na
Operação Lava Jato.
O Ministério Público Federal no
Paraná e a 13ª Vara da Justiça Federal no estado informaram que não emitirão
opinião sobre a decisão da Segunda Turma. A assessoria do ex-juiz Sérgio Moro
não informou se ele se manifestará.
A decisão resultou do julgamento pela
turma de uma ação impetrada em 2018 pela defesa de Lula.
A maioria a favor da ação do
ex-presidente foi formada com a mudança de voto da ministra Cármen Lúcia. Em
2018, quando o julgamento se iniciou, ela tinha rejeitado a ação, mas agora
seguiu o entendimento dos colegas Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
Cármen Lúcia entendeu que novos
elementos mostraram que a atuação de Moro não foi imparcial, favoreceu a acusação
e, portanto, segundo avaliação da ministra, houve um julgamento irregular.
A suspeição não é automática para
outros processos de Lula — a defesa terá, por exemplo, que questionar os outros
casos na Justiça. Moro não foi o autor da condenação de Lula no caso do sítio
de Atibaia, mas recebeu a denúncia e transformou o petista em réu nesse caso.
Para o relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, a suspeição de Moro tem efeitos que vão além do caso de Lula e abre brecha para que advogados de condenados na Lava Jato questionem na Justiça a conduta do ex-juiz e apontem outras sentenças como ilegais.
O voto da ministra
Cármen Lúcia justificou que novos
elementos juntados ao processo permitiram uma nova análise sobre os fatos
levantados pela defesa de Lula que apontavam uma conduta irregular do juiz na
sentença.
De acordo com a ministra, ninguém
deve ser perseguido por um juiz ou tribunal nem condenado por determinado
voluntarismo.
Segundo ela, há elementos de que
houve uma "confusão" entre o juiz e o Ministério Público, que é o
órgão acusador.
Cármen Lúcia afirmou que não estava
considerando diálogos obtidos por hackers que demonstrariam uma ação combinada
entre o juiz Sergio Moro e procuradores da Operação Lava Jato e afirmou que
reconhecer a parcialidade de Moro na condenação de Lula não significa que isso
terá impacto em outros casos da Operação Lava Jato.
“Tenho para mim que estamos julgando
um habeas corpus de um paciente [Lula] que comprovou estar numa situação
específica. Não acho que o procedimento se estenda a quem quer que seja, que a
imparcialidade se estenda a quem quer que seja ou atinja outros procedimentos.
Porque aqui estou tomando em consideração algo que foi comprovado pelo
impetrante relativo a este paciente, nesta condição", disse a ministra.
Segundo ela, "essa peculiar e
exclusiva situação do paciente neste habeas corpus faz com que eu me atenha a
este julgamento, a esta singular condição demonstrada relativamente ao
comportamento do juiz processante em relação a este paciente”.
"Não estou portanto fazendo algum tipo de referência à Operação Lava Jato, mas sobre um paciente julgado e que demonstra que, em relação a ele houve comportamentos inadequados e que suscitam portanto a parcialidade", afirmou a ministra.
Nunes Marques
Antes de Cármen Lúcia, votou o ministro Nunes Marques,
que, no último dia 3, interrompeu o julgamento ao pedir vista (mais tempo para
analisar o processo).
Marques rejeitou a ação de Lula, o
que, naquele momento, formou um placar de 3 a 2 contra a declaração de
suspeição de Moro. Com a mudança de voto, Cármen Lúcia alterou o resultado, com
3 a 2 a favor do acolhimento da ação de Lula.
Nunes Marques considerou que os fatos
colocados pela defesa de Lula foram "enfrentados" pela Justiça e que
não cabia reanalisá-los.
Segundo ele, os pontos relacionados
como argumentos na ação — "condução coercitiva, quebra de sigilo,
divulgação dos áudios, teor de informações prestadas ao STF pelo magistrado,
fundamentos declinados por ocasião do recebimento da denúncia, postura do
magistrado, obras literárias tendo como tema Operação Lava Jato, participação
de magistrado em eventos políticos, pré-disposição em condenar do magistrado,
considerações do magistrado em artigo acadêmico" — já foram apreciados
pela Justiça.
Para Nunes Marques, é preciso ter
provas para se declarar uma suspeição.
“No meu entendimento, todos esses
fatos já foram objeto de análise em todas as instâncias do Poder Judiciário. É
inviável a reanálise de três fundamentos nesta via eleita. Na hipótese de
suspeição, é preciso provas.”
No voto, Marques comentou as
manifestações de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski a respeito de diálogos
obtidos por hackers que demonstrariam uma ação combinada entre o juiz Sergio
Moro e procuradores da Operação Lava Jato.
"Se o hackeamento fosse tolerado, mesmo que para a defesa, ninguém estaria seguro de sua intimidade, de seus bens, de sua liberdade. No caso em exame, as provas são materiais obtidos por hackers. Tenho que são absolutamente inaceitáveis tais provas, por serem frutos diretamente de crimes. Entender de forma diversa seria uma forma transversa de legalizar a atividade hacker no Brasil."
Gilmar Mendes
Após o voto de Nunes Marques, o
ministro Gilmar Mendes pediu a palavra, contestou os principais pontos
colocados pelo colega e voltou a defender que houve parcialidade de Moro.
Mendes discordou das questões
processuais apontadas por Nunes Marques, pegou pontos da defesa e
aprofundou trechos do voto que já havia
apresentado. Ele afirmou que não se pode permitir uma combinação
entre juiz e o ministério público.
Mendes disse que habeas corpus pode
ser usado para declarar ilegalidade em qualquer julgamento, citou que houve
irregularidades no processo como a condução coercitiva, a interceptação do
escritório da defesa do ex-presidente. e citou nominalmente Nunes Marques
várias vezes.
Mendes afirmou ainda que independente
do resultado do julgamento o caso já representou a desmoralização da Justiça.
“Não se trata de ficar brincando de
não conhecer de habeas corpus. É muito fácil não conhecer de um habeas corpus. Atrás,
muitas vezes, da técnica de não conhecimento de habeas corpus, se esconde um
covarde. E Rui falava: 'O bom ladrão salvou-se, mas não há salvação para o juiz
covarde'”, afirmou.
O ministro reforçou que julgou com as provas do processo. “Caráter seletivo e manipulado dos vazamentos não apaga os registros de quando [Moro] virou herói nacional. Tomou como sinal de apoio protestos pela prisão de Lula. Encerro reafirmando meu voto e destacando que em nenhum momento – e disse isso claramente – não vou usar as informações de hackers para falar deste caso. Não me façam nenhuma injustiça. Agora, acho que esses fatos são historicamente relevantes”, declarou.
Ricardo Lewandowski
Depois de Gilmar Mendes, Ricardo
Lewandowski, que já havia votado em 2018, também pediu a palavra. Rememorou
pontos de seu voto e reafirmou que um habeas corpus pode ser usado para
discutir a suspeição — em contraponto a Nunes Marques.
"Quero tornar pública a minha
convicção e já externei no voto que o material arrecadado na Operação Spoofing
[que levou à prisão dos hackers] foi periciado. Tanto foi que serviu para
denúncia e condenação dos hackers. Nenhum dos diálogos foi desmentido. E não
seria possível perícia, porque apagaram, deletaram as mensagens", afirmou
Lewandowski.
Segundo o ministro, "os áudios
são tão evidentes que dispensam qualquer tipo de perícia, no sentido de atestar
a autenticidade do material arrecadado na Operação Spoofing".
"Há um princípio que diz que textualmente fatos notórios independem de prova", declarou.
Edson Fachin
O ministro Edson Fachin reafirmou o
próprio voto. Ele disse que a ação de Lula deveria ser rejeitada e que os fatos
de agora já estavam presentes desde 2018, quando o processo começou a ser
analisado na Corte.
“Não há absolutamente qualquer
argumento novo em meu modo de ver, apto a justificar o efeito revisional. Não
há nenhum elemento inédito nessas alegações. Desde a impetração os elementos
são esses que aí estão”, afirmou.
O ministro fez uma defesa da Operação
Lava Jato. “O que a Lava Jato desvelou é um grave problema criminal em órgãos e
instituições públicas. O que os diálogos [obtidos pelos hackers] podem estar a
revelar é a suspeita de um grave problema ético e a ausência de limites —
contato entre as partes e o magistrado", declarou.
Fachin disse que a suspeição de Moro
poderá implicar a anulação de todas as sentenças do ex-juiz. O ministro admitiu
que os fatos são graves, mas cobrou uma discussão sobre a legalidade das
mensagens.
“Entendo como ilegal a realização de
conversas ex-parte, fora de parâmetros constitucionais. Insisto no ponto do
prejuízo porque a decisão prolatada efetivamente esvazia o objeto do habeas
corpus e tenho o receio de que o uso do material do ponto de vista retórico
tenha por efeito prático a anulação de todos os casos em que a amizade entre o
juiz e o ex-procurador ocorreu. A amizade do juiz com a acusação pode ter o
condão de anular todos os processos julgados pela 13ª Vara Federal",
declarou.
Segundo Fachin, não basta dizer que
trata-se de um caso específico. "É preciso ir além e reconhecer que essa
decisão poderá implicar a anulação de todos os processos. Os fatos são graves e
se forem verdadeiros mesmo, a solução pode ser a nulidade. Mas não posso
admitir que isso seja feito sem que as dúvidas da integridade do material sejam
analisadas, sem que haja um mínimo de instrução competente."
"Receio que, a pretexto de
combater as ilegalidades reais ou alegadas na Operação Lava Jato, com este
julgamento se possa incorrer na mesma ilegalidade que possa rebater”, disse. (G1)
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