J. B. Pessoa
Capítulo - 66 do livro " Guris e Gibis".
Johnny
acordou bem disposto naquela manhã. Por insistência de sua mãe, ele dormiu cedo
na noite anterior, após tomar um copo de chá de erva-cidreira, que Dona Nonnita
lhe preparou, após ouvir os conselhos de Dona Timí, sua vizinha e amiga. Ela
havia lhe dito que, nas noites anteriores às provas escolares, as crianças
deveriam se recolher mais cedo, para descansar a mente das atividades do dia.
Dona Nonnita acatou essa norma, pois estava convencida de que isso traria
melhor rendimento para o filho, nos exames que ele iria prestar no dia
seguinte. Naquela segunda-feira, uma avaliação muito difícil esperava a
garotada. Era a prova escrita de Português, a qual eliminava a maioria dos
concorrentes ao exame de admissão no Colégio Estadual de Jequié. Naquele ano foram
inscritos, um elevado número de estudantes, para as poucas vagas existentes.
Eram provenientes de diversas escolas da cidade, inclusive das sofisticadas
escolas particulares, cujos alunos tentariam, também, serem admitidos no
Ginásio de Jequié. Os mais preparados acabavam vencendo os dois concursos,
fazendo com que, as famílias abastadas optassem para o colégio público,
evitando gastos com o particular. Esse casuísmo acarretava certa disparidade
social, pois um colégio, que fora construído para dar oportunidades aos menos
favorecidos, viesse a ter, em seu corpo discente, um número maior de estudantes
ricos do que pobres.
Às
sete horas da manhã, Johnny já estava em prontidão, seguindo sozinho pela longa
Siqueira Campos. Estava confiante de que teria êxito em seu propósito. Ao
chegar àquele educandário, o garoto ficou impressionado com o número de meninas
bonitas, que tentariam serem admitidas no curso ginasial. O Colégio Estadual de
Jequié estava situado no final da Rua das Pedrinhas, numa área pouco povoada,
conhecida com Campo do América. Ficava próximo ao Rio Jequiézinho, assim como
era conhecido o Rio Jequié naquele trecho. Tinha oito salas de aulas,
distribuídas em dois pavimentos térreos, com um enorme pátio e um grande
recinto, divididos em salas, que eram usadas em sua administração. Nos fundos
do colégio, próximo ao pequeno rio, existia um campo de futebol, único local
recreativo da escola. O colégio foi planejado e construído num grande espaço
vazio, visando sua ampliação com o passar dos anos, conforme as necessidades
básicas do município, e estava localizado em uma periferia, destinada a se
tornar um bairro elegante em seu futuro.
Alguns
minutos após a sua chegada, Johnny encontrou Eduardo e Luísa, acomodados em uma
das mesas da cantina do colégio. Naquele momento o local estava cheio de
estudantes, sendo a maioria do Castro Alves. Próximo à sua mesa se encontrava
Ricardo Macêdo de Almeida e sua turma do quarto ano primário, os quais, também,
tentariam o difícil concurso. Estavam todos alegres e animados, fazendo uma
pequena merenda antes das provas. Johnny sentou-se em uma das cadeiras e pediu
um mingau de tapioca. O garoto ficou saboreando
aquele
petisco, enquanto observava a jovialidade da meninada. Luísa, notando todo
aquele contentamento, comentou consternada:
- É
uma pena que amanhã, muitos desses jovens estarão eliminados!
Eduardo
ficou pensativo, lembrando que não conseguiu terminar a última prova do ano
anterior, quando ele tentou ser admitido naquele colégio, ainda cursando o
quarto ano primário. Irritado com o fato, protestou indignado:
- Os
que escaparem da prova de Português, terão pela frente, a terrível prova de
Matemática, na qual a solução dos quesitos é demorada demais e nunca dá tempo
para a maioria dos concorrentes, terminarem no horário previsto!
- Isso
é verdade! – Afirmou um garoto ao lado.
Ricardo
sorriu e disse com deboche:
- Pois
é meu compadre! “Sobe nas paredes quem tem as unhas maiores!”
- Com
certeza as suas são grandes! – Disse Johnny sorrindo, ironizando a arrogância
do garoto.
Ricardo
balançou a sua vasta cabeleira e, fazendo um gesto significativo com as mãos,
exibindo os seus dedos, como se fossem verdadeiras garras, disse com presunção:
- São
verdadeiras garras de um leão!
- Eu
soube que são de um frango! – Disse o rapaz que trabalhava na cantina, aludindo
ao apelido de Ricardo.
Outro
garoto ao lado, que escutava toda a conversa, completou:
- Um
frango d’água!
Toda a
meninada caiu na gargalhada, enquanto Eduardo caçoava do garoto:
- Não
se avexe com isso Coração de Frango!... Nem todos os ricardos da vida são
Ricardo Coração de Leão.
Ricardo
Coração de Frango sorriu com desdém e disse para a meninada:
- “Ri
melhor quem ri por último”!
Nesse
momento bate o sino da escola, convidando os estudantes para as provas. A
garotada sai apressada e se dirigindo às suas respectivas salas, as quais
ficaram lotadas com o grande número de estudantes, que pretendiam ingressar no
famoso colégio.
O
exame de admissão consistia de quatro provas escritas e quatro orais, que
duravam três dias. A primeira era a prova escrita de Português, a qual
eliminavam muitos dos concorrentes. No segundo dia pela manhã eram feitas, em
conjunto, as provas de História e Geografia, e pela tarde a prova de
Matemática. O último dia era dedicado às provas orais. A avaliação era de zero
a dez, sendo necessário que cada concorrente atingissem quatro pontos nas
provas escritas e na soma total das duas provas dez pontos. Para muitos parecia
fácil; mas não era. A prova escrita de Português consistia na dissertação de um
fato qualquer; na redação de uma carta, onde o tratamento correto era
primordial, e em um ditado de um trecho clássico da literatura brasileira, no
qual o concorrente só podia errar dez vezes. O simples esquecimento de um
acento
em uma palavra acarretava um ponto a menos no ditado. Por várias vezes, houve
comentários entre os garotos, de concorrentes que haviam tirado zero na prova
eliminatória. A prova de Matemática era pior ainda. Dez quesitos de complicados
problemas, que muitas vezes não se encontrava praticidade alguma em
resolvê-los; de expressões numéricas com frações ordinárias e decimais, as
quais a garotada apelidou de “carroções”. Eram provas que dificilmente um aluno
conseguia resolver no tempo exigido pelos examinadores.
Johnny
entregou a sua prova às onze horas, depois de repassar e certificar de
possíveis erros cometidos. Verificando que Eduardo e Luísa ainda continuavam em
suas salas, foi até a cantina para tomar uma limonada e esperar o casal de
amigos, conforme o combinado. O garoto estava satisfeito com a sua atuação e
achava que, dificilmente ele teria uma nota inferior a oito. O pátio escolar
estava vazio, pois a meninada ainda estava em suas salas. Johnny ficou
conversando com o rapaz de dezoito amos que atendia na cantina, que já o conhecia
das portas dos cinemas. De onde o garoto estava sentado, podia divisar o campo
de futebol e ver vários garotos jogando bola, entre os quais estava Ricardo
Coração de Frango. Com isso ele concluiu que aquela garotada tinha feito uma
ótima prova. Comentando o fato com o cantineiro, o rapaz, que se chamava
Valdomiro, explicou sorrindo:
- Que
nada! O único que deve ter feito uma boa prova é Coração de Frango! Os outros
entregaram as provas rapidamente, porque não sabiam nada! Valdomiro, notando a
ingenuidade do garoto, completou:
- A
maioria deles já fez o exame de admissão diversas vezes! Muitos estão tomando
banho no rio Jequiézinho, perto da ponte ferroviária.
- Eu
sei onde fica! É no poço chamado Raiz! – Disse Johnny sorrindo.
Nesse
momento chegam Eduardo e Luísa com expressões de contentamento em seus rostos.
Tinham feito ótimas provas. Luísa declarou animada:
- Se
depender da prova de Português, eu já estou admitida nesse colégio!
- Eu
também! – Concluiu Eduardo!
Os
três jovens se despediram de Valdomiro e foram para suas casas, bastantes
felizes com o rumo dos acontecimentos.
Naquela
tarde, Johnny estudou bastante, revisando todo o conteúdo de Matemática, que
havia aprendido durante todo o ano letivo. Depois do almoço, ele dormiu um
pouco e quando acordou pelas duas horas da tarde, debruçou nos livros só
largando quando escutou o ângelus no alto falante da Voz da Cidade, que ficava
no inicio da longa rua. Logo após o jantar foi dormir, depois de tomar o chá de
Dona Nonnita.
Na
manhã de terça feira, toda a garotada que prestava o exame de admissão estava
de prontidão no colégio, à espera das boas ou más novas. O nervosismo era
notado em alguns garotos, enquanto outros esperavam o resultado com otimismo.
Às oito horas em ponto foi lida a lista dos aprovados, diante da alegria de
muitos e da tristeza de outros A novidade foi à aprovação da maioria na prova
de Português. Johnny, Eduardo e Luísa passaram nas provas e
estavam
felizes com o acontecimento. Ricardo Coração de Frango também foi aprovado. Da
sua classe do quarto ano, só oito colegas escaparam da eliminação. Congratulou
Johnny, Eduardo e Luísa pela sorte e antes de entrar em sua sala, disse com
deboche para os meninos:
- O
pior está por vir! Eu soube que a prova de Matemática desse ano, vai ferrar com
muita gente! É só esperar para ver.
Eduardo
coçou a cabeça com nervosismo, em seguida disse para os amigos:
- O
pior de tudo é que ele tem razão!
Em
seguida começaram as provas de Geografia e História, com as salas menos cheias,
do que no dia anterior. A garotada que foi eliminada seguiu para suas casas,
enquanto alguns garotos foram tomar banho no poço do rio, para esquecer suas
mágoas.
As
provas de Geografia e História foram bastante difíceis na visão geral da
garotada. As questões foram elaboradas, a partir de fatos poucos focalizados
durante o ano letivo nas escolas públicas, como também nos cursos particulares;
surpreendendo a maioria dos estudantes, que prestaram àquele exame de admissão.
Mesmo assim, os mais estudiosos afirmavam que tiveram êxitos em suas provas.
Johnny,
Eduardo e Luísa estiveram entre aqueles, que se sentiam bem sucedidos até
aquele momento. Foram para casa bastante contentes e, após o almoço voltaram
para o colégio para enfrentar a terrível prova de Matemática. Johnny pouco
descansou depois de suas refeições, pois morava longe e teria que atravessar
toda a cidade, de uma periferia a outra, ficando com receio de chegar atrasado
à escola. A última prova escrita teve o seu início às duas horas da tarde, com
o nervosismo atrapalhando a atuação da garotada. Johnny usou de uma estratégia,
aconselhado por Eduardo. Ele resolveu primeiro as questões mais fáceis,
deixando as difíceis por último. A tática deu certo. Quando soou o sino da
escola, finalizando aquela atividade, ele já tinha saído da sala de aula, na
certeza de que havia feito uma boa prova e foi encontrar na cantina com Eduardo
e Luísa, comemorando a possível vitória. Logo depois apareceram outros garotos,
com Coração de Frango entre eles. O garoto estava radiante com a sua atuação,
porém um pouco temeroso com as provas orais do dia seguinte. Johnny quis saber
o motivo do seu receio e ele explicou:
-
Amanhã a gente irá ficar diante de uma banca examinadora, composta por vários
professores. Dependendo da sorte, a gente pode pegar um que seja tirânico!
- É
verdade! – Disse Eduardo, que se sentia como um verdadeiro veterano, nos exames
de admissão. Luísa, querendo amenizar aquele pessimismo, declarou:
- Eu
soube que a maioria dos professores é justa e simpática com os alunos!
- Um
garoto do Castro Alves, que tentava o exame de admissão pela terceira vez,
contestou:
- É
porque você não conhece certa professora de Matemática. Ela é o diabo em
pessoa!
-
Amanhã é outro dia. Para que sofrer com antecedência? Vamos dar um passeio pelo
jardim, que deve está uma maravilha nesta tarde – Disse Johnny para a garotada.
Os
garotos seguiram juntos pela Rua das Pedrinhas, a qual terminava na Praça da
Bandeira, onde funcionava a feira livre da cidade. Eles ficaram encantados com
o gigantesco mercado municipal, recentemente inaugurado, parando em um de seus
bares, que funcionava na parte de fora, o qual já estava ficando famoso com os
sorvetes e picolés que produziam e vendiam a garotada. A meninada comprou seus
picolés e saiu em direção a Praça Ruy Barbosa, passando pela Avenida Alves
Pereira e foram sentar em um dos bancos do jardim.
Na
Praça Ruy Barbosa a cidade acontecia. Desde as festas de quermesses ao
carnaval, passando pelos comícios políticos e parques de diversões itinerantes.
Essa bela praça era o ponto de encontros de políticos, fazendeiros,
comerciantes, jornalistas e intelectuais, os quais encontravam guaridas no
famoso Bar Joly ou na magnifica Confeitaria Cristal. Em suas calçadas, a bela
mocidade jequiéense desfilava com os últimos ditames da moda em voga. No seu
majestoso jardim, com árvores frondosas e belas flores, encontros eram marcados
e, em seus bancos, a juventude namorava nas encantadas noites de luar.
A
praça estava bastante movimentada naquela tarde brejeira. O sol declinava no
horizonte, sumindo nos morros, aliviando os transeuntes do calor que começava a
aparecer naquele final de ano. Todos os estudantes que fizeram o exame de
admissão no colégio estadual dirigiram-se para aquela praça na intenção de
trocar ideias sobre os estudos e flertarem com as garotas, que apareciam sem os
uniformes escolares, adornadas dos seus elegantes vestidos.
Johnny
ficou na companhia da meninada até o alto falante da Voz da Cidade anunciar a
hora do ângelus. Em seguida despediu-se de todos, indo embora sozinho, deixando
Eduardo junto de Ricardo Coração de Frango, o qual era vizinho de Luísa. Os
dois garotos estavam se tornando amigos e acompanhariam a garota até sua casa.
O
último dia dos exames foi maravilhoso. Apesar do pessimismo de alguns, a banca
examinadora foi composta pelos mais simpáticos professores daquele
estabelecimento escolar. As provas foram relativamente fáceis, para muitos dos
estudantes, que participaram daquele concurso. Cumprida a última etapa do
exame, a maioria da garotada já previa seus resultados. Johnny ficou aliviado
com o final das provas. Ele, Eduardo e Luísa estavam bastante otimistas no
sucesso daquela empreitada. Coração de Frango era o mais alegre. Tinha certeza
absoluta que estariam entre os dez primeiros aprovados. Animados com o rumo dos
acontecimentos, só restava para os garotos esperar o resultado, o qual seria
conhecido na próxima segunda-feira.
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