J. B. Pessoa
Capítulo - 57 do livro " Guris e Gibis".
O sol
amanheceu brilhante naquela especial manhã. O tempo estava deleitoso, com
poucas nuvens, apregoando uma primavera, que oficialmente só chegaria após as
comemorações que movimentaram a cidade. Não se falava noutra coisa. Finalmente
Jequié entraria no rol das cidades privilegiadas, com uma estação radiofônica.
Eram poucas as cidades do interior baiano, que tinha o privilégio de ostentar
uma emissora de rádio e, além disso, Jequié ganhava o maior mercado do Estado
da Bahia: o colossal mercado municipal, o qual seria inaugurado na parte da
tarde. A população estava feliz com o progresso da cidade, a qual era
considerada como a mais limpa e saneada em todo o Estado; com várias ruas
pavimentadas, além do seu majestoso jardim, que era o orgulho dos jequieenses.
Como
acontecia em todas as manhãs, Johnny acordou cedo e, após as refeições
matinais, vestiu seu uniforme e seguiu contente para sua escola. Chegando ao
Largo do Maringá, encontrou com Luís Augusto e Bill Elliott, seguindo junto dos
amigos, conversando animadamente a respeito das festividades do dia. Ao entrar
na avenida, eles avistaram Eduardo na porta do Cine Jequié, na companhia de
Pedro Chulé e Marcelo Peru. O garoto estava discutindo política com os dois
rapazes, os quais tripudiavam as duas conquistas da população. Eduardo estava
visivelmente irritado, defendendo a administração do prefeito Antonio Lomanto
Junior e o seu candidato à sucessão, o vereador Ademar Nunes Vieira. Pedro e
Marcelo desdenhavam do prefeito, fazendo acusações extravagantes, acerca da
construção do mercado e estavam criticando a nova emissora da cidade, pois
pertencia a família do prefeito. Os dois eram a favor do candidato opositor
Dorival Borges de Souza, pertencente a uma das famílias mais influentes na
cidade, cujo pai, o Coronel João Borges de Souza foi intendente do município em
épocas passadas. Com a chegada dos garotos, os ânimos se acalmaram, deixando
Eduardo mais a vontade, para expor o seu ponto de vista. Falando com orgulho,
disse para seus oponentes:
-
Jequié é uma das primeiras cidades da Bahia a ter uma estação de rádio!
- Do
que adianta isso, se é uma rádio sem potência? – Disse Marcelo Peru com total
falta de apreço pela conquista da população. Pedro Chulé completou a afirmação
e, sorrindo com desdém, articulou, imitando um locutor:
-
ZYN-27, Rádio Bahiana de Jequié falando para toda a Praça Ruy Barbosa.
Ouvindo
o amigo, Marcelo Peru emitiu uma exagerada gargalhada, deixando Eduardo fulo de
raiva. Bill Elliott não se conteve e disse aborrecido:
-
Vocês fazem parte dos parasitas dessa cidade, que só sabem criticar. Dos que
passam a vida a falar da vida alheia e nada produzem! Vocês nasceram em Jequié
ou no lugar onde o Judas perdeu as botas?!
Marcelo
deu de ombros, não ligando para o comentário do rapaz, e Pedro Chulé ficou
calado, pois Bill sabia que ele tinha nascido em um povoado, do qual ele se
envergonhava.
Sendo
uma emissora de ondas médias, porém com um transmissor radiofônico de pouca
potência, o alcance da Rádio Bahiana, não ia muito além dos limites do município;
contudo, estava predestinada a ter uma grande relevância na História de Jequié.
Entretanto, por pertencer a um forte grupo político, as oposições começaram a
criticar, logo após o lançamento da ideia. A piada proferida por Pedro foi
trazida por um caixeiro viajante, que a ouviu em uma cidade do interior
mineiro. Luís defendeu a posição dos amigos, com conceitos que ouviu do seu
pai:
- Eu
acho que não devemos tomar partido. Com exceção de Marcelo, nenhum de nós tem
idade para votar; e, além disso, a cidade tem dois bons candidatos.
Johnny
resolveu entrar no debate dizendo:
- A
professora Emília disse na aula passada que, as pequenas rádios do interior
brasileiro não precisam ter longo alcance, pois elas só tratam dos problemas
referentes à sua região!
Bill
Elliott completou em seguida:
-
Claro! Os problemas alusivos à nação ficam a cargo das grandes emissoras do
país!
Marcelo
Peru e Pedro Chulé tentaram justificar as suas críticas. As considerações deles
eram frutos de idéias preconcebidas por pessoas, que tinham interesses
políticos pessoais. Como não conseguiram contrapor aos fortes argumentos de
garotos inteligentes, os quais tinham maturidade superior à deles, mudaram de
assunto, falando sobre futebol. Acabando a inusitada querela, Marcelo seguiu com
Bill Elliott para o colégio, Pedro para seu curso de admissão, enquanto Johnny,
Luís e Eduardo entraram no Castro Alves.
A
inauguração da Rádio Bahiana de Jequié se deu pela manhã. Na hora do recreio,
Luísa apareceu com um pequeno rádio de pilhas e a garotada pode ouvir as
primeiras transmissões da emissora jequieense. Depois de grandes discursos e
das considerações gerais, o seu estúdio recebeu os valores da terra,
apresentados pelo locutor Geraldo Teixeira, que ao vivo entoaram românticas
canções, acompanhados pelos famosos seresteiros da região.
O
grande acontecimento do dia foi, entretanto, a inauguração do mercado
municipal. Johnny compareceu ao tão esperado evento, acompanhado de Géo, Nêgo e
Pé de Pata; encontrando depois, Mipai, Tõe Porcino e seu primo Mamãe eu Quero,
na calçada do Armazém José Wilson. Logo nas primeiras horas da tarde, a Praça
da Bandeira, onde aconteciam às feiras livres da cidade, estava repleta de
curiosos, vindos de toda a região. Era a maior construção que tinha sido
erguida na cidade até aquele dia. Obedecendo a conceitos práticos, foi
construído em estilo moderno, tendo na parte interna uma grande praça central,
com uma extraordinária cobertura, que livrava os feirantes das vicissitudes do
tempo ao ar livre. Em volta dela, ao redor da praça coberta, havia vários
cômodos,
que serviam como lojas de todas as espécies de mercadorias. Na parte externa do
mercado existiam outros cômodos, seguindo o mesmo padrão, com grande número de
açougues, barbearias, farmácias, sapatarias e restaurantes. Havia seis entradas
para dar acesso ao interior do mercado. Quatro localizadas nas laterais do
grande prédio, o qual possuía duas frentes. Na entrada da frente principal
estava concentrada a guarda municipal, guardando o local onde aconteceria a inauguração.
Por
volta das dezesseis horas, o número de pessoas que vieram assistir àquele
evento, aumentou consideravelmente. A demora das autoridades em dar andamento à
inauguração acarretou um grande número de pessoas, perto do portão principal, o
qual estava bem protegido pela guarda municipal. Como o pessoal que estava na
retaguarda, queria ver de perto o acontecimento, começou a forçar sua entrada,
pressionando, violentamente, quem estava à sua frente. A falta de senso dos
guardas, vendo várias pessoas querendo forçar a entrada, fez com que eles
reprimissem o povo com violência, forçando um empurra-empurra, que gerou alguns
feridos, sem nenhuma gravidade. O fato, porém, trouxe dissabores politiqueiros
para a gestão do prefeito, não tirando, com isso, o brilhantismo da
inauguração, e nem prestígio para o prefeito Lomanto Junior, o qual era
candidato ao legislativo estadual.
Depois
da desagradável ocorrência, quando a situação foi normalizada, chegaram as
autoridades e a inauguração se fez com grandes discursos e apologias, a uma
cidade que não parava de crescer. Outro fato de destaque foi a pioneira
transmissão do evento, ao vivo, pela Rádio Bahiana de Jequié, narrada pelo
locutor Geraldo Teixeira, arrancando aplausos da multidão, naquela tarde
festiva.
Enquanto
ocorria aquela solenidade, Johnny avistou Berenice ao longe, distante do local
onde ele se encontrava. Ela estava na companhia de Luís Augusto, na porta do
Edifício São João, onde funcionava a Loja Maçônica de Jequié. Eles estavam
acompanhados de Norma, Neide com Edgar, Eduardo com Luísa e Eva Marli com Bill
Elliott. O garoto ficou entristecido, com saudades de um tempo em que ele
pertencia a aquele grupo. Mipai e Porcino notaram aquela visível melancolia,
estampada em seu rosto. Toda a turma já estava sabendo do episódio acontecido
na noite de São João. Pé de Pata procurou consolar o garoto, naquele instante
de amargura, transmitindo-lhe um confortável otimismo, que era peculiar à sua
pessoa. Aproveitando o momento, Mipai fez troça se si mesmo, proferindo com
amargura, um ditado popular:
-
“Desse mal morreu o meu gato”!
Os
garotos ficaram surpresos com a afirmação de Mipai, que pela primeira vez, não
caçoou da situação de um amigo e sim dele mesmo. Nêgo, curioso com aquilo,
perguntou:
- Como
assim rapaz?!... O que foi que lhe aconteceu?
O
garoto coçou a cabeça e respondeu com tristeza:
Eu
nunca contei a vocês! Mas, quando estive em Itabuna, no ano passado, eu namorei
uma menina muito bonita, que era filha de um coronel do
cacau.
O namoro só durou um mês, pois os pais dela obrigaram a menina a terminar tudo
comigo.
- Eu
me lembro de quando você foi para Itabuna, na intenção de trabalhar numa
oficina de mecânica, do irmão de Tony de Leda. Mas ficou por pouco tempo,
voltando logo depois – Disse Pé de Pata, lembrando-se da ocasião.
- Pois
é!... Os parentes da menina queriam me dar uma surra!... O irmão do meu
padrinho me aconselhou a voltar para Jequié!
Porcino
deu um forte suspiro e, relembrando as estórias de amor, que lia nos cordéis,
disse com aquela resignação, típica das pessoas despojadas pela sorte:
- Pois
é irmãozinho! Uma moça rica namorar um rapaz pobre, só se vê em filmes de amor!
Desta
vez, foi Nêgo quem caçoou da situação dos amigos, citando outro dito popular:
- Pois
é camarada!... “Cada macaco em seu galho”!
Géo,
que até aquele momento estava calado, disse com raiva:
- Pode
ser que sim! Mas no caso de Johnny, houve sacanagem de Orlando!
- Eu
também acho! – Adiantou Pé de Pata.
- Eu
também! – Concluiu Mamãe eu Quero.
Os
garotos ficaram por algum tempo analisando os desmandos de Orlando. Quando Nêgo
começou a falar mal do rapaz, Johnny retrucou com outros ditados populares:
-
Vamos deixar Orlando de lado que “ele é carta fora do baralho” e, além disso,
“o que não tem remédio, remediado está”!
Os
garotos começaram a rir, voltando à alegria natural de suas juventudes. Naquele
momento foi inaugurado o Mercado Municipal de Jequié, com o prefeito Lomanto
Junior cortando a fita, liberando as entradas para a população ter acesso às
suas dependências.
Terminando as festividades ao anoitecer, os garotos foram embora para suas casas, levando Johnny na companhia deles, que já tinha se dissipado de suas tristezas, contagiado pelas alacridades de seus companheiros.
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