J. B. Pessoa
Capítulo - 51 do livro " Guris e Gibis".
Johnny
dormiu muito mal naquela noite. Os sonhos ambíguos que povoaram o seu sono lhe
deixaram bastante confuso. Eram sonhos irregulares que envolviam Berenice, Vera
Olívia e Luís Augusto em situações esdrúxulas, as quais lhe causavam angústia e
temor. Acordou naquela manhã de segunda feira com olheiras e ar cansado. Embora
o tempo estivesse chuvoso e a friagem começava a lhe incomodar, tomou um banho
frio na grossa torneira do banheiro, para dissipar o ranço da noite. Sua mãe
ralhou consigo, pois havia lhe preparado um banho morno na grande bacia que
ficava em um cômodo no quintal, construído posteriormente, o qual era usado,
habitualmente, como quarto de banhos. Dona Nonnita afirmou que havia muita
gente constipada na cidade, por negligências, pois a quebra brusca de
temperatura, que acontecia a todo o momento, havia levado algumas crianças ao
hospital, com suspeita de pneumonia. Sua preocupação maior era evitar que sua
família adoecesse, por falta de cuidados. O garoto alegou que depois de um
banho gelado ele não sentia mais frio e ficava mais disposto aos seus afazeres.
Depois
da refeição matinal, Johnny resolveu fazer uma visita a Luís Augusto. Teria que
ser sincero com o primo e confessar o seu amor por Berenice; e teria que ser
logo, pois Luís estava de viagem marcada para Salvador, aonde ia passar as
férias juninas na companhia de Dona Amélia. Achava que seria melhor saber por
ele, do que por outra pessoa. Pediu permissão à sua mãe e partiu direto para a
casa de Luís. No trajeto, ele pensava na melhor maneira, de fazer o primo
ciente dos acontecimentos, sem, contudo, ferir os seus sentimentos. Resolveu
omitir algumas coisas, pois era um segredo que não pertencia somente a ele;
sentia que Berenice não aprovaria uma franqueza inútil, e seria uma quebra de confiança
à sua pessoa.
Eram
oito horas da manhã, quando Johnny tocou a campanha da casa de seu primo. Dona
Amélia veio recebê-lo e avisou que Luís tinha ido ao Banco da Lavoura, levar
alguns documentos para o pai. Despediu-se da tia e foi até a praça, na esperança
de encontrar o garoto. Sentou-se em um banco do jardim, perto de um dos
alto-falantes da Voz do Sudoeste, no momento em que seu locutor, Sóstenes
Cerqueira, com sua voz peculiar, arrasava a seleção brasileira e o seu técnico
Zezé Moreira, pela derrota sofrida no dia anterior. Distante de onde estava
sentado havia uma cadeira de engraxate, onde um proeminente cidadão, advogado
das causas socialistas, engraxava os seus elegantes sapatos e despejava uma
verborragia marxista, a uma aglomeração de pessoas, justificando que o país
merecia aquela derrota, pois negligenciava as verdadeiras aspirações do povo.
Johnny notou que pouquíssimas pessoas aplaudiam àquele bacharel, enquanto
outras, taciturnas em um canto, não compreendiam como alguém, com fama de letrado,
pudesse dizer semelhantes asneiras. O garoto lamentava a derrota brasileira;
contudo, sua verdadeira tristeza estava no fato de ter perdido a sua bela
namorada e suas esperanças se
esvaiam,
na medida em que aparecia uma oportunidade para Luís Augusto, da qual ele era
um merecedor incontestável.
O dia
estava nublado e o chuvisco, que ia e vinha, voltou com mais intensidade,
obrigando o distinto cavalheiro a procurar abrigo no bar Joly, levando consigo,
os companheiros que laureavam as suas apologias. Johnny avistou o primo ao
longe e foi ao seu encontro, saudando-o com um forte abraço. Luis recebeu o
garoto com alegria e o convidou para tomar um chocolate quente na Confeitaria
Cristal. Os dois garotos seguiram juntos, a passos apressados, pois a chuva
ficou forte naquele momento, forçando os transeuntes a buscar abrigo nas
marquises das casas comerciais.
A
Confeitaria Cristal estava lotada de pessoas quando os garotos adentraram-na
para fazer as suas merendas. Havia poucas senhoras e a maioria, que era de
cavalheiros, tomava o famoso cafezinho, enquanto discutia política. Johnny e
Luís se acomodaram em uma mesa que ficava em um reservado, com visão para o
quintal daquele prédio. Johnny iniciou a conversa, dizendo:
- Eu
não lhe vejo desde a noite de São João!
- Pois
é!... Eu soube que você saiu com uma garota bonita, que conheceu no carnaval e
foi com suas amigas para o Campo do America. No dia seguinte eu fiquei sabendo
do incêndio no clube dos meninos! – Disse Luís, consternado com o
acontecimento. Johnny olhou para o primo com certa apreensão e disse
preocupado:
-
Depois a gente comenta sobre isso, que é um problema à parte. Eu queria saber,
o que você sabe sobre o que aconteceu a Berenice naquela noite?
- Eu
soube por Eva Marli, que ela estava se sentindo mal, devido às doses de licor
que havia tomado. No outro dia foi com a tia para Ipiaú e depois viajou para
Belo Horizonte com os pais. Eu só estranhei, ela não se despedir de ninguém! –
Disse o garoto, intrigado com aquele comportamento. Johnny olhou muito sério
para Luís e disse:
- Eu
era namorado dela!
- De
quem?... Berenice?!
- Sim,
ela disse que gostava de mim desde a primeira vez que me viu!
- Eu
já suspeitava disso! – Disse o garoto conformado com a situação.
Johnny
explicou ao primo, que Berenice lhe tinha muito apreço e que ela iria ter uma
conversa com ele, antes de anunciar o seu namoro. Falou também do incidente na
noite de São João e as consequências daquilo. Luís ficou pensativo por alguns
instantes e depois perguntou:
-
Então ela foi embora porque ficou desiludida consigo?
- Sim
e eu não pude fazer nada!
- Você
gosta dela?
- Sim,
mas não vejo um futuro para nós, pois fiquei sabendo depois, que Orlando contou
muitas mentiras à menina. Eu vou me afastar dela e gostaria que você ficasse
sempre com ela. Berenice vai precisar muito do seu apoio.
Admirado
com a abnegação do garoto, Luís perguntou?
- Você
não sente ciúmes?
- Não,
eu gosto da menina e prefiro que ela namore você!
- Como
ela pode namorar comigo se gosta de você?
Johnny
olhou para o vazio e disse com amargura:
-
Agora não gosta mais!
Luís
ficou satisfeito com a determinação do primo e, em saber, que doravante, ele
não teria mais rivais para conquistar a garota. Lembrou-se de Vera Olívia e
perguntou:
- E a
menina de Jaguaquara, você gosta dela?
- Sim,
mais como amiga! – Respondeu o garoto com convicção, pois no seu coração só
havia espaço para Berenice. A seguir Johnny propôs ao primo:
-
Ninguém precisa saber que tivemos essa conversa, pois ninguém está sabendo de
nada. Só Bill, Eva e Orlando. Por falar no sacana do Orlando, cuidado com ele!
Luís
Augusto aceitou a proposta, dizendo:
-Não
se preocupe com nada e deixe aquele pulha comigo!
Johnny
ficou aliviado, em ter confessado ao primo, o que sentia por Berenice. Ele sabia
que o tempo era que iria determinar o destino dele e o da menina. Como tinha
muita fé no futuro, resolveu dar tempo ao tempo. Afinal, pensava ele: nada
melhor do que um dia após o outro. Convicto com a sua decisão, ele tratou de
seguir adiante e cuidar dos seus estudos, sentindo que eram os verdadeiros
problemas de um garoto.
Os
jovens ficaram conversando, por um bom tempo, enquanto saboreavam o chocolate
quente. Luís ficou contente em saber, que o velho Manequito tinha sido
desmascarado e da decisão dos pais em construir um novo clubinho para os
meninos. Falou de suas férias em Salvador, esperando encontrar um tempo melhor
na capital baiana. Aproveitando uma pequena aragem, os garotos saíram da
confeitaria e seguiram apressados para suas casas, no momento em que, o relógio
da matriz anunciava o meio dia.
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