Charles Meira visitando Maracás.
Por causa do fascínio que tenho por tudo relacionado com a História de
Jequié e região, constantemente estou pesquisando na internet sobre o assunto.
Recentemente, por curiosidade, digitei no Google o nome de Marcionílio Antônio
de Souza e pra minha surpresa encontrei uma preciosidade: “De tropeiro a
coronel: ascensão e declínio de Marcionílio Antonio de Souza (1915-1930)”, dissertação
apresentada por João Reis Novaes ao Programa de Pós-Graduação curso de Mestrado
em História-UFBA. Nas 155 páginas do trabalho, ele descreve com muita competência,
sabedoria, criatividade e o mais importante uma criteriosa pesquisa da História
da qual relata. Dias depois, entrei em contato com o historiador e amigo
Emerson Pinto de Araujo e o emprestei uma copia do referido trabalho para que
depois de lido, fizesse um resumo e publicasse na revista Cotoxó. Mas que justo
por ser ele a pessoa mais conhecedora da história de Jequié. Assim aconteceu.
Porém, mesmo considerando perfeito o texto do professor não fiquei satisfeito,
pois um fato mencionado no trabalho e que até aquele momento era para mim e
também para Emerson desconhecido, teria que ser divulgado na sua integra para tornar
conhecido para muitos outros habitantes de Jequié, Maracás e demais municípios
da região.
Assim conta João Reis Novaes este fato:
“Para melhor compreender o desencadear dos acontecimentos que serão abordados,
torna-se importante compreender o cenário político de Maracás em princípios de
1915, quando, por ser momento de eleições para a Intendência Municipal, os ânimos
dos integrantes dos Rabudos e Mocós estavam à flor da pele. Os dois grupos
lançaram mão dos mais violentos métodos para conquistarem o controle do
Executivo municipal. As ruas de Maracás transformaram-se em palco de combates
constantes entre as duas facções, que as povoavam com as suas hordas de
jagunços. Chefiando os defensores dos interesses dos Mocós, além do Coronel José
Antônio de Miranda, estavam José Miranda Rebouças, que recebia a alcunha de
Juca Rebouças, e o presidente do Conselho Municipal, o rábula Nestor Sá. Os Rabudos
eram chefiados pelo Coronel Marcionilio Souza e por seu correligionário e amigo
João Isaías dos Santos.
Nesse clima de instabilidade, tendo as ruas de Maracás como cenário, os jagunços
das duas facções, volta e meia entravam em atrito uns com os outros. O resultado
era a troca de tiros, os espancamentos e os assassinatos, o que deixou a população
bastante apreensiva. As investidas de ambos os grupos era uma tentativa de
intimidar ou, ao menos, demonstrar ao seu oponente que possuíam
meios para resistir
ou desarticular as suas
manobras e
deixar claro que havia uma
oposição e que essa oposição deveria
ser respeitada e temida. Isso vem, mais uma vez, confirmar que as diferenças
e os interesses de cada facção tornavam-se mais evidentes em períodos
eleitorais, reforçando também a constatação a respeito da importância do
controle dos cargos políticos e administrativos na luta pelo poder.
O auge do conflito entre os Rabudos e Mocós ocorreu quando o segundo grupo,
por não possuir homens em armas o suficiente para fazerem frente aos jagunços
do primeiro, resolveu estabelecer alianças com os Cauassús para combaterem o
inimigo comum. De acordo com Vicente Silva Fróes, em carta publicada pelo
Jornal A Tarde em julho
de 1915, o Coronel José Antonio de Miranda reuniu-se com os irmãos José Olimpio
e Eduviges Cauassú no Povoado de Tamburi, com o objetivo de materializar ações
que enfraquecessem o poderio dos Rabudos. Assim, o Coronel teria contratado os
Cauassús pela quantia de seis contos de réis para que estes enfrentassem e
derrotassem o exército de jagunços que ocupava as ruas de Maracás, comandado
por homens da confiança do Coronel Marcionillo Souza. Incentivados pelo fato de
serem os Rabudos inimigos comuns, os Cauassús invadiram a Cidade de Maracás na
manhã de 24 de outubro de 1915.
A invasão perdurou por quarenta e oito horas, com fogo cerrado. Os
moradores tiveram que abandonar a cidade para escapar do tiroteio estabelecido
entre os homens do Coronel Marcionilio Souza e os Cauassús. O comércio foi
saqueado, as casas invadidas, suas paredes foram perfuradas para facilitar as
manobras dos invasores durante os combates. Vejamos como o fazendeiro Vicente
Silva Fróes narrou a invasão de Maracás pelos Cauassús, em uma carta publicada
na época pelo jornal A Tarde:
[...] munidos de repetições e Mauser, fizeram o primeiro ataque em a manhã
de 24 de outubro de 1915, bombardearam a cidade e roubaram aos pequenos
comerciantes, a particulares e até as pobres viúvas. Terminando este ataque que
durou 48 horas de fogo cerrado, dirigiu-se o senhor Amando de Miranda Lacrose
para o Arraial de Morros, com avultado número de tais bandidos, praticando ali
as maiores torpezas, terminando por obrigar a retirada imediata de todos os
comerciantes e particulares que lhe não era afeiçoados [...].
O que motivou tal empreitada foi o desejo de demonstrar ao Governo
estadual, a necessidade de uma intervenção, evidentemente em favor dos Mocós,
já que o grupo de Marcionilio Souza estaria revelando a sua incapacidade de
manter a “ordem e tranqüilidade” em Maracás. Ademais, a ação dos Cauassús
poderia ser vista como resultado das inimizades pessoais do chefe dos Rabudos e
não como uma manobra que pudesse garantir, aos Mocós, o controle das
instituições políticas e administrativas do município. Essa estratégia de criar
um clima de instabilidade que levasse o Governo a intervir nos conflitos locais
foi muito comum ao longo da Primeira República, não só na Bahia, como ocorreria durante o Levante
Sertanejo em
1919/1920, mas no Brasil como um todo.
A partir de então, o clima de intranquilidade exacerbou-se em Maracás e região,
o que levou, segundo o jornal A Tarde,
o Promotor Público João Estáquio de Oliveira Porto, a retirar-se de Maracás
quatro dias após a sua chegada, alegando falta de segurança para o desempenho
das atividades pertinentes ao seu ofício. O promotor ter-se-ia dirigido a
Salvador, com o objetivo de informar ao Secretário de Polícia do Estado a
situação de desordem em que se encontrava aquela região, para que, a partir
daí, o Governo pudesse tomar as providências cabíveis para restabelecer a
“ordem.” No dia 06 de novembro de 1915, através de carta publicada no Jornal A
Gazeta do Povo, o bacharel João Porto, possivelmente por questões políticas,
negou ter fugido de Maracás, afirmando que a sua partida para a Capital fora
motivada por complicações em sua saúde e não por fugir dos conflitos internos.
No entanto, não negou o clima de instabilidade instaurado no município, atingido
pelos confrontos entre os Rabudos e os Mocós.
Como era de costume na época, sempre que os conflitos entre as facções políticas
afetavam a normalidade do sertão, a sociedade baiana e o Governo estadual eram
convocados a intervir nas questões locais. Indivíduos que estavam ligados,
direta ou indiretamente, a uma das partes envolvidas na contenda, e que de alguma
forma entendessem ser proveitoso sensibilizar a opinião pública por meio de jornais
e impressos – atingindo assim um maior contingente de pessoas em diversas regiões,
ainda que esses chegassem aos destinos com algum tempo de atraso – dirigiam-se
à Capital e descreviam tendenciosamente os rumos que esses conflitos estavam
tomando e as suas possíveis conseqüências para a comunidade local.
Essa atitude pretendia, por vezes, apresentar as ações dos membros do
grupo rival como perniciosas aos habitantes da região afetada pelos conflitos e
como uma afronta à “ordem” estabelecida pelas instituições do Estado
republicano. Além de tentar atrair, para o lado do denunciante, a opinião
pública, objetivava induzir o Governador a intervir nos confrontos locais,
preferencialmente do lado do grupo que promovia a denúncia. Era, portanto, mais
uma forma de enfraquecer, já que não tinha conseguido por meio do confronto
direto, o poderio da facção adversária.
De acordo com essa lógica, logo após a investida dos Cauassús sobre a Cidade
de Maracás, o Coronel Marcionilio Souza dirigiu-se a Salvador com o intuito de
denunciar a aliança estabelecida entre o chefe dos Mocós e os líderes da
família Cauassú. Assim, no dia 12 de novembro de 1915, em conferência com o
Governo Seabra no Palácio Rio Branco, Marcionilio relatou a investida dos
aliados dos Mocós a Maracás. Segundo o Jornal A Tarde, o Coronel teria sido ameaçado de morte pelo rival José
Antônio de Miranda, o que o levou a pedir providências ao Governador para
evitar que isso viesse a ocorrer. Respondendo a este pedido, Seabra “[...] prometeu
ao Coronel de falar com o Chefe de Polícia, onde este passou um telegrama (sic)
ao Sr. José Antônio responsabilizando-o pelo que vier acontecer ao Coronel
Marcionilio”.
Durante a conferência entre o Governador do Estado e o Coronel Marcionilio Souza, quando este relatou os acontecimentos de Maracás no dia 24 de outubro de 1915, o Deputado Candido Villas Boas teria defendido o chefe dos Mocós, afirmando que ele era um homem de bem, incapaz de praticar atos que viessem a perturbar a paz daquela Cidade. É possível que este Deputado tenha sido um dos articuladores da nomeação do Coronel José Antônio de Miranda para ocupar a Intendência de Maracás durante os anos de 1916 e 1917. Quem também saiu em defesa de Miranda, então presidente do diretório do Partido Republicano Democrata em Maracás, Coronel José Antônio de Miranda, foi o órgão de imprensa desse partido, o jornal Gazeta do Povo, que assegurava ser esse coronel um homem estimado e de caráter inquestionável quer como particular ou homem político.
BREVE ARMISTÍCIO
Logo após a invasão dos Cauassús a Maracás, pelo menos na Sede do município,
os conflitos entre as facções políticas locais foram amenizados temporariamente
devido à intervenção do Governo do Estado que, atendendo ao apelo de um grupo
de comerciantes italianos que ali residiam, enviou o então Secretário de
Polícia, Álvaro Cova, para pacificar a cidade. Esse, por sua vez, embarcou no
vapor da carreira para Cachoeira no dia 16 de novembro de 1915, acompanhado do
Tenente-Coronel Paulo Bispo, do Alferes Cassimiro de Castro, do escrivão Pontes
e do Cônsul italiano. Porém, antes de iniciar a sua viagem, o Secretário de
Polícia telegrafou para os destacamentos de polícia dos municípios próximos a
Maracás, ordenando que se deslocassem para Tamburi e lá aguardassem a sua
chegada para o cumprimento de novas ordens.
O deslocamento do Cônsul italiano para a região conflagrada demonstra a influência
que a comunidade italiana detinha no cenário político de então. Além de mobilizar
o consulado italiano, essa comunidade, pelo fato de boa parte de seus membros
estarem diretamente ligados ao comércio, também conseguiu fazer com que a
Associação Comercial da Bahia pressionasse o Governo do Estado no sentido de
encontrar uma solução para as contendas internas, pois o comércio, em tempos de
conflito, era fortemente prejudicado.
Os chefes dos Rabudos e dos Mocós, ao tomarem conhecimento da vinda do Secretário
de Polícia, trataram de recolher os seus jagunços, evitando o combate com os
oficiais do Estado, o que possivelmente acarretaria prejuízos políticos para ambos
os grupos. Ao chegar a Maracás, Álvaro Cova empreendeu um movimento objetivando
desarmar as duas facções, intimando os seus líderes a entregarem as armas. O
mocó Nestor Sá não quis atender à ordem do Secretário de Polícia, o que resultou
em sua prisão, sendo libertado dias depois, no Povoado de Tamburi, momento no
qual Álvaro Cova, juntamente com os seus subordinados, regressava à Capital por
entender que a ordem tinha sido restabelecida no município. No entanto, os
Mocós sentiram-se prejudicados pelas ações dos representantes do Governo do Estado,
afirmando que os integrantes do grupo rival não foram desarmados, o que os
deixavam em desvantagem bélica em relação a seus inimigos.
Ao regressar a Salvador, no dia 23 de novembro de 1915, Álvaro Cova assegurava
o restabelecimento da “ordem” em Maracás e, para garantir a continuidade
daquela situação, deixou de prontidão um destacamento de 35 praças sob o
comando de um delegado regional e do Alferes Cassimiro. Entretanto, defendendo
os interesses do seu correligionário, Coronel José Antônio de Miranda, o
Secretário de Polícia, durante os esclarecimentos prestados à imprensa da Capital,
omitiu a invasão de Maracás pelos Cauassús ocorrida no mês anterior. Pelo contrário,
afirmava que os embates locais ocorreram por ciúmes do Coronel Marcionilio
Souza. Esse teria se sentido preterido pelo fato de a sua Filarmônica, Lira
Maracaense, não ter sido convidada a tocar na festa da Padroeira de Maracás, Nossa
Senhora das Graças, como ocorrera com a Filarmônica União Popular, que pertencia
aos Mocós.
O resultado, segundo o Secretário de Polícia, foi o entrincheiramento e a queima de mais de dez mil cartuchos durante a peleja estabelecida entre os membros das duas facções políticas. A situação só não ficara mais grave porque o Vigário Paulo Bento aboliu da programação do festejo a apresentação de grupos musicais. Outras fontes sustentam a ocorrência desses fatos, mas somente vários dias depois das investidas dos Cauassús a Maracás. Nesse momento posterior, enquanto ocorriam os festejos, tanto os Rabudos quanto os Mocós ocupavam as ruas da cidade com seus exércitos de jagunços, em busca de algum pretexto para reiniciar os confrontos armados, que só foram amenizados devido à ação do Secretário de Polícia do Estado.”
Fonte:
* De tropeiro a coronel: ascensão e declínio de
Marcionílio Antônio de Souza (1915-1930) – João Reis Novaes.
Entre uma pesquisa e outra, encontrei na internet os comentário de Charles Meira a respeito de minha dissertação de mestrado. Aproveito a oportunidade para agradecer pelas generosidade com que se refere ao meu trabalho.
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