Os residentes das adjacências do Largo do Cururu foram despertados naquele alvorecer, com a saraivada de foguetes soltados pelo velho Mané Fogueteiro, comemorando a chegada da data mais esperada do ano pelos habitantes dos sertões brasileiros. O sol apareceu brilhante, prometendo à população jequieense um dia esplendoroso. Logo pela manhã, a moçada se encontrava agitada, ajudando seus pais, simples moradores daquele subúrbio, na tarefa de compor uma decoração esmerada de suas ruas Os arranjos eram feitos pelas meninas, as quais enfeitavam aqueles modestos logradouros com pequenos balões e bandeirolas, fabricados com papeis coloridos. Durante o dia, a maioria das senhoras preparava em suas casas muita comida e bebida, para dispor de uma farta mesa com os quitutes tradicionais e licores de todos os tipos, para serem servidos, logo mais à noite, aos festeiros que adentravam em suas residências, sem ser preciso convites formais. Na noite de São João, toda casa que se prezasse tinha a sua fogueira. Algumas eram bastante grandes, sempre acompanhadas de um grande ramo de árvores, enfeitadas com laranjas, espigas de milho, batata doce, simbolizando uma planta milagrosa, que proporcionava aos festejadores todo tipo de frutas.
Johnny acordou naquela manhã bem disposto e foi encontrar com os
amigos no clubinho do time. Ficou encantado com o desenrolar dos acontecimentos
na preparação da festa. Todos tinham as suas tarefas, que eram coordenadas
pelas moças casadoiras da rua. O garoto ficou com incumbência de arranjar um bonito
ramo para a bela fogueira de sua própria casa. Pediu permissão a sua mãe e, na
companhia de Géo, Pé de Pata e Nêgo, foi até ao bosque nas margens do Rio
Jequié, situado nas terras da Fazenda Suíça, para escolher o maior arbusto, que
pudesse carregar.
Eram dez horas da manhã, quando os meninos partiram para dar
contas de suas missões. Além de adquirirem os seus ramos, eles tinham a
intenção de banharem-se nas águas salobras do pequeno rio, perto de um grande
umbuzeiro, onde ficava um poço que era o ponto de encontro da meninada daquela
periferia. Os garotos seguiram pelo Barro Preto, atravessando a rodovia Rio –
Bahia, a pouca distância do posto de gasolina de Manoel Antonio. Entrando na
afamada área do Bariri, os garotos ficaram receosos de encontrar a sua temerosa
turma. Uma parte significativa dos baririenses era descendente dos índios
Cotoxós, miscigenados com a população local. Muitos deles trabalhavam na roça e
tinham os corpos fortalecidos pela lida diária, do romper do machado e no puxar
da enxada. A maioria era rude, sem nenhuma instrução e tinham pouco contacto
com as outras turmas da cidade. Chegando ao poço, os garotos encontraram a
famosa turma e, ao contrário dos seus temores, eles foram bem recebidos pelo
seu chefe, um famigerado brigão conhecido como Zé da China, alcunha de José
Conceição da Silva, um forte caboclo de dezessete
anos, que tinha olhos semelhantes aos orientais. Ao ver os
meninos, o rapaz abriu os braços e, abraçando Johnny, disse alegremente:
- Olá gente boa! Que novidade é essa? A gente nunca viu vocês por
aqui!
Johnny respondeu amavelmente:
- A gente veio até aqui para pedir permissão a vocês, para pegar
um ramo de árvore para nossa fogueira de São João.
- Pode pegar o que quiserem. Aliás, a gente também veio fazer isso
e depois tomar um banho no poço.
Um dos garotos do Bariri, cujo apelido era Mão de Vaca, o qual era
um velho conhecido de Géo, disse sorrindo:
- Só que a água ta fria pra burro!
- Quando vocês vão fazer outro torneio de futebol como aquele? –
Perguntou o sorridente Bisa que estava entre aqueles garotos, o qual jogava no
time do Bariri.
Percebendo o respeito que o torneio havia trazido para a sua
turma, Nêgo respondeu se sentido mais à vontade:
- O próximo torneio será no Campo do America, patrocinado pela
turma do centro da cidade!
- Ah!... Não vai dar para a gente! Aquela turma é metida a besta e
não gosta de pobres! – Comentou Zé da China, o qual sentia uma profunda
antipatia pela burguesia jequieense.
- Não se preocupem com isso! Todos os times que participaram do
nosso torneio estão convidados. Bojota mandou a gente avisar a vocês. – Disse
Pé de Pata, que completou:
- Todos os times da cidade foram convidados, inclusive os do
Jequiezinho!
Zé da China alisou o queixo, ficando pensativo por alguns segundos
e depois perguntou:
- Vocês têm certeza que nosso time foi convidado?
- Certeza absoluta. Eu, como presidente do time da Siqueira
Campos, prometo a vocês: Se eles deixarem de fora, qualquer um dos times da
zona oeste, a gente não participa. – Disse Nêgo, trazendo tranqüilidade aqueles
humildes garotos.
- Sendo assim, a gente ta dentro! - Disse Zé da China, animado com
aquela notícia.
- Quando vai ser o torneio? – Perguntou Bisa, que estava
entusiasmado com a participação do seu time em um torneio como aquele.
- Eles decidiram que será em outubro, pois haverá uma semana
inteira sem aula, para todos os estudantes do curso primário. – Assegurou
Johnny para os garotos
- Ué, que feriado é esse? Perguntou Bisa, admirado com a novidade.
Géo, que adorava feriados escolares, disse esfregando as palmas
das mãos:
- A semana das crianças!
Os garotos ficaram por algum tempo conversando sobre futebol, copa
do mundo e outros assuntos, tendo agora a participação de uma turma, que lhes
era hostil noutros tempos. Zé da China convidou os meninos para uma boa caçada,
ao longo do rio, logo depois das festas juninas; afirmando que aquela área
dispunha de uma boa quantidade e diversidade de animais e aves silvestres.
- A gente já caçou muitas vezes aqui nessa mata, que está cheia de
preá e mocó. - Disse Bisa que portava uma espingarda, a qual era carregada pela
boca.
- Eu já cacei muitas codornas, juritis e rolinhas fogo - pagou! -
Disse Mão de Vaca, que caçava sempre com um bodoque de índio.
- De vez em quando a gente pega algumas perdizes! – Completou Zé
da China.
Um dos garotos do Bariri, querendo amedrontar os meninos, disse,
fingindo medo:
- O problema é que de vez em quando aparece uma pintada!
- Uma onça?! – Exclamou Géo, apavorado.
- Com certeza! – Afirmou outro garoto e, querendo caçoar Géo,
apregoou:
- Com o povo aqui da área ela não faz nada, pois conhece a gente.
Com os de fora ela bota pra correr!
- A garotada começou a rir diante do espanto de Géo. Eles sabiam
que perto da área urbana, dificilmente poderia aparecer qualquer felino,
principalmente uma onça pintada.
Johnny pegou a espingarda de Bisa e ficou analisando a arma,
verificando a seguir, que era de fabricação artesanal, as quais eram vendidas
nas feiras da cidade. Pensou em adquirir uma, pois atirava muito bem. Tinha
aprendido com seu pai, que era um exímio atirador; Porém, sua mãe detestava
armas e não queria o seu filho envolvido em caçadas.
Zé da China levou os garotos para uma parte do bosque, onde tinha
alguns arbustos, que davam excelentes ramos para as fogueiras de São João. Com
fortes golpes do seu facão, ele mesmo cortou, rapidamente, os quatro ramos,
entregando de imediato aos meninos.
Os garotos permaneceram um bom tempo no local, conversando
animadamente com aquela singular turma. Tomaram o gelado banho no poço do rio,
que naquela área, era conhecido como Rio da Suíça. Logo depois, despediram-se
deles, convidando-os para a comemoração do São João em suas casas. Johnny ficou
bastante satisfeito com a recepção e amizade que teve daqueles garotos, os
quais eram temidos e discriminados pela maioria das turmas da cidade.
Comentando o fato com seus amigos, ficou sabendo por Géo, que eles não
freqüentavam mais o Bar da Caixa D’água e romperam relações com aquela turma,
pois eles davam guarida e muitas vezes eram comparsas de alguns garotos de rua
em suas falcatruas. Nêgo, que estava sabendo dos acontecimentos explicou:
- A maioria daquela turma não mora na Caixa D’água. Eles se
encontram no bar da sinuca, que também é ponto de encontro dos biribanos, que
levam
seus roubos para vender aos espertos. Alcides Zoião mora perto do
hospital e Bisa no Bariri; Juvenal Peito de Aço mora na Estação, Balbino na
Santa Luzia e Bem-te-vi junto dos biribanos, que se escondem numa casa, que fica
atrás do cemitério. Um dia o dono do bar descobriu os caras, dividindo o
produto de seus roubos e chamou os guardas, que botaram todo mundo pra correr,
prendendo somente Bisa que não fugiu, pois não tinha “culpa no cartório”.
- Foi por isso que a turma do Bariri não quer mais papo com
aqueles desordeiros! – Adiantou Géo, defendendo os novos amigos.
Depois de ouvir com atenção àquela história, Johnny alertou:
- É por isso que o povo diz: “Quem anda com porcos, farelos come”!
- E a “voz do povo é a voz de Deus”! – Completou Géo com mais um
provérbio popular.
Era meio dia em ponto, quando Johnny e seus amigos chegaram à sua
rua, carregando os seus ramos. Passando pela casa de José Vaz Sampaio, eles
ficaram admirados com o tamanho da fogueira e do seu ramo, o qual tinha todo
tipo de frutas, inclusive algumas garrafas de aguardente. Naquele momento, uma
figura folclórica da cidade passava pelo local. Era um famoso bêbado, apelidado
de Detefon que, vendo aquilo se deteve por alguns instantes e, entre as pernas bambas,
pronunciou em alto e bom som:
- Êta coisa bonita, sô!...Esta é uma árvore milagrosa, sim
senhor!... Até pinga dá!
Os garotos riram bastante, diante da afirmação daquele hilariante
borracho, o qual aproveitou a ocasião para tomar um trago, oferecido pelo dono
da casa. A seguir todos foram para suas casas, ficando de se encontrar, quando
forem acesas as fogueiras, logo mais ao anoitecer.
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