sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A Grande Derrota.

 J. B. Pessoa

Capítulo - 50 do livro " Guris e Gibis"

Naquele domingo, Johnny entrou no cinema sozinho e foi assistir a matinê sem a companhia dos amigos. Todos os garotos estavam concentrados na partida entre o Brasil e a Hungria e nem estavam ligando para a programação especial do Cine Bonfim, o qual ia apresentar um faroeste colorido, acompanhado do seriado e de um festival de desenhos. O garoto chegou cedo e verificou que, naquela tarde, havia poucos garotos e muitas meninas na fila, entre elas muitas moças, as quais estavam entusiasmadas com a programação daquela tarde. Comprou o seu ingresso e sentou-se no meio da sala, lendo uma revista de quadrinhos, enquanto esperava o início da sessão. Um pouco antes de começar a projeção, entraram no cinema Neide e Norma. Vendo Johnny sozinho, foram sentar-se junto do garoto. Johnny levantou-se e saudou as meninas com alegria, dizendo:

- Eu não sabia que vocês gostavam de faroestes!

- Eu vim pelos desenhos! – Alardeou Neide, não querendo se comprometer com o gosto dos meninos.

Norma fez pouco caso e comentou com displicência:

- Depende!... Se o mocinho for bonito e o filme tiver um bom enredo, eu gosto.

Neide piscou o olho para Norma e disse caçoando de Johnny:

- Eu não sabia que você gostava de filmes românticos:

O garoto repetiu o gesto de Norma e disse sorrindo:

- Depende!... Se a mocinha for bonita, eu gosto!

- Garoto! Você está me saindo um grande malandrinho! – Disse Norma, zombando do menino. Neide olha para Johnny e pergunta, fingindo surpresa:

- É por isso que você vai assistir ao filme de hoje?

- Como assim?!

- Você vai assistir a um filme de amor!

- Não!... É um filme de caubóis!

Neide começa a caçoar do garoto e Norma diz com seriedade:

- O filme é uma história de amor, ambientado no Oeste Americano!

Johnny arregala os olhos, admirado com a novidade, enquanto Norma explica:

O filme se chama Duelo ao Sol. É uma produção com duas horas e meia de projeção, de David O. Selznick , dirigido por King Vidor, estrelado por Gregory Peck e Jennifer Jones. Tá pouco ou quer mais?

- Duvido que um garoto goste de um filme desses! – Disse Neide com pouco-caso, pois estava chateada por Edgar não querer acompanhá-la naquela tarde.

- Por que você diz isso? – Perguntou o garoto surpreso.

Neide sorriu com desdém e esclareceu:

- É um filme de poucos tiros, nenhuma luta e o mocinho morre no fim!

- Puxa a vida!... É por isso que eu não estou vendo a turma de sempre nessa matinê! – Disse Johnny, impressionado com a descoberta.

- Pois é isso! Os meninos não têm inteligência suficiente para ver um filme com uma história deslumbrante e enredo complexo. – Completou a menina com deboche.

- Eu gostei de alguns filmes românticos, que assisti com minha mãe! – Comentou Johnny com displicência, ignorando a subestimação das meninas à sua pessoa.

- Jura?!... Quais? – Perguntou Norma, interessada na visão de um garoto, que tinha fama de inteligente.

- Ah, deixe-me ver!... Por Quem os Sinos Dobram; Sangue e Areia; Gilda, e o que mais gostei: A Ponte de Waterloo.

- Você sabia que o filme A Ponte de Waterloo é o favorito de Berenice? – Perguntou Neide, para ver a reação do garoto. Johnny olhou para o vazio e respondeu com tristeza na voz:

- Sim, eu sabia!

Nesse mesmo instante as luzes do cinema se apagam e começa a sessão da matinê, com os desenhos animados. A meninada se diverte com as trapalhadas do gato Tom e do camundongo Jerry. A seguir começa a projeção do mais deslumbrante filme visto pelo garoto. O desenrolar do drama arranca lágrimas nas garotas, que sempre fazem uso dos seus lenços; principalmente no final da película, quando o mocinho e a mocinha se batem num duelo e morrem abraçando um ao outro. Johnny compreendeu porque aquele filme, dificilmente seria aceito pelos meninos. Não era uma história de heróis, onde o bem prevalecia sobre o mal, e o comportamento do mocinho, daquele filme, era de um bandoleiro irresponsável e de caráter duvidoso. A seguir vêm os episódios do seriado.

A extensa programação demorou mais do que a habitual. Eram quase seis horas da tarde, quando o cinema abriu suas portas, despejando na praça uma juventude feliz. O entardecer chegava ao seu final, com uma finíssima neblina caindo sobre a cidade, parecendo trazer o frio do começo do mês. Norma se despede da amiga e vai para sua casa. Johnny acompanha Neide até o ao jardim da Praça Ruy Barbosa, para encontrar com o seu namorado, que preferiu acompanhar o jogo da copa com os garotos, pelos alto falantes da Voz da Cidade. No trajeto, Johnny relembra a noite de São João e pergunta a menina:

- Você está sabendo o que aconteceu?

- Eu soube da verdade por Edgar, depois que você contou a ele o sucedido. O que posso dizer é que Vera Olívia não sabia do seu namoro com Berenice. Entretanto Neuza sabia, pois contei para ela. Eu acho que houve, desculpe a palavra, uma sacanagem de Orlando envolvendo Neuza.

- Orlando?!... Por quê? – Perguntou o menino, sem entender o motivo.

- Orlando tem um ciúme doentio pela irmã de leite! Acha que ninguém merece a menina.

- E Berenice?!... Ela ainda continua zangada?

- Eu soube que ela viajou para Belo Horizonte com os pais.

- Ah, sim! Ela me disse que ia visitar a avó materna depois da festa de São João. – Completou o garoto, saudoso de sua amada. Neide percebeu a tristeza do menino, que falava com a voz embargada. Alisou os seus cabelos e disse consolando:

- Não se preocupe! A verdade sempre prevalece!

- Assim espero! – Disse o garoto num forte suspiro.

Chegando à Praça Ruy Barbosa, Johnny notou certo retraimento entre as pessoas que andavam pelo jardim. Dentro dos bares, a animada balbúrdia que acontecia todos os dias, desapareceu como se tivesse sido engolida por um repentino furacão. O garoto avistou a turma reunida, sentada num dos bancos do jardim. Estavam todos abocanhados sem conversar com ninguém, parecendo estarem em um funeral. Johnny já estava adivinhando o sucedido, quando Neide perguntou aos garotos:

- Ué pessoal!... O que aconteceu com vocês?

- O Brasil está fora da copa do mundo! Foi eliminado pela Hungria! – Disse Edgar, chateado com a má atuação da equipe brasileira.

- Quanto foi o placar? – Perguntou Johnny aos meninos.

Mipai respondeu com cinismo:

- Quatro a dois!... Pode uma coisa dessas?

É isso aí companheiros. A bruxa está solta! – Alardeou Johnny, pensando no incêndio e no término do seu namoro com Berenice.

Estando muito aborrecido com a derrota brasileira, Edgar resolveu ir para casa. Despediu-se dos amigos e se retirou com sua namorada. De repente Géo se lembrou das previsões de Eduardo e disse sorrindo para Johnny:

- Quem se fudeu foi Orlando!

- É verdade! Agora está devendo um conto de réis a Eduardo! – Disse o garoto, relembrando das discussões de Eduardo e Orlando e da aposta feita pelos dois.

- Vocês acham que Orlando vai pagar a aposta? – Perguntou Mipai com deboche.

Pé de Pata respondeu com convicção:

- Claro que não. O sujeito é cínico demais para isso. Afinal onde ele vai arranjar mil cruzeiros?

- Não vai arranjar e nem vai pagar! Mas Eduardo vai ficar com a promissória de Orlando pro resto da vida! – Disse Tõe Porcino, que achava uma vergonha alguém não cumprir um trato.

Notando que nem todos os amigos estavam presentes, Johnny perguntou:

- Por falar nos meninos, vocês viram Luís Augusto por aí?

- Ele está na casa paroquial com Bill Elliott e Eva Marli. – Respondeu Tõe Porcino.

Um vento frio começou a soprar com mais intensidade, baixando a temperatura no momento. Nêgo levantou-se do seu canto, onde estava quieto, tentando digerir a decepção sofrida pela seleção e disse:

- O papo está bom, mas amanhã é outro dia. Não vou ficar aqui chorando por um time perdedor. Estou indo para casa, pois o frio está de matar!

Os garotos foram embora deixando Johnny sozinho na praça, que alegou ir encontrar com o primo, para tratar um assunto de seus interesses. O garoto resolveu ir à confeitaria para tomar um chocolate quente e acomodou-se numa mesa que dava visão para a praça. Ficou pensando em Berenice e no dia dos namorados, quando beijou a garota pela primeira vez. Havia poucas pessoas na grande sala, pois o motivo das comemorações foi abortado com a derrota brasileira na copa do mundo. Johnny ficou absorto em seus pensamentos e não notou o momento em que, Vera Olívia e sua amiga Eliana entraram na confeitaria. Vendo Johnny sozinho, Eliana foi cumprimentar o garoto e o pediu para conversar um pouco com Vera Olívia, pois a menina estava muito triste, e queria lhe pedir desculpas pelo transtorno da noite de São João. Vendo a menina cabisbaixa, Johnny levantou-se de onde estava e foi ao seu encontro. Vera Olívia cumprimentou Johnny com um leve aperto de mãos e lhe disse, soluçando:

- Eu estou mortificada com tudo que lhe aconteceu. Eu sei que foi culpa minha! Por favor, me perdoe!

Acreditando na sinceridade da menina, o garoto retrucou:

- Não há motivo para pedir perdão! As coisas acontecem independentes da nossa vontade.

- Eu não devia ter lhe beijado daquela maneira! Foi uma insensatez minha! – Disse Vera Olívia tentando se desculpar de sua impulsividade.

Johnny olhou para a menina e se comoveu com a sua aflição. Afagou as suas mãos com carinho e disse:

- Não vamos nos preocupar com isso! Simplesmente aconteceu!

A garota balbuciou em um tom dengoso:

- Eu não sabia que ela era sua namorada!

-Pois é! Nós estávamos namorando, mas pouca gente sabia.

- Você gosta dela?

- Sim!

- Ela terminou com você?

- Sim, mas eu não terminei com ela!

A menina sentiu que o garoto estava realmente gostando de sua namorada e que estava sofrendo com a separação. Sentiu vergonha de ter agido de má fé, a conselho das amigas. Deu aquele beijo para provocar o ciúme da outra. Ela amava realmente aquele garoto desde o primeiro momento em que o conheceu. Achou melhor desistir dele naquele momento, na espera de uma ocasião que fosse propicia a seu favor. Percebeu que era melhor manter a amizade dele e deixar as coisas se ajeitarem da melhor maneira possível. Vera Olívia pegou na mão do garoto e disse com voz embargada pela emoção:

- Johnny, eu gosto muito de você! Mas se você me quiser só como amiga, eu aceito.

- Eu também gosto de você, mas é como amiga!

A garota se despediu de Johnny, dizendo:

- Amanhã eu estarei indo embora para Jaguaquara! Espero que sua namorada lhe perdoe e volte para você.

O garoto abraçou a menina e beijou o seu rosto, dizendo:

- Então, até breve!

- Sim Johnny!... Espero que seja breve a nossa separação! – Dizendo isso, a menina se retirou com sua amiga. Johnny ficou ainda algum tempo naquele estabelecimento, indo embora quando o relógio da matriz anunciava às dezenove horas e trinta minutos, sob uma fria e fina neblina, que começou a cair com mais intensidade

 

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