sexta-feira, 31 de julho de 2020

Uma maravilhosa tarde de domingo.

J. B. Pessoa

Capítulo - 42 do livro " Guris e Gibis".

Logo após o almoço, o Sr. Gustavo levou a família do primo até a sua residência, ficando de se encontrarem às quatro horas da tarde, quando ele viria buscá-los novamente, para juntos irem à procissão. Johnny despediu-se dos pais e pediu permissão para encontrar seus amigos, que estavam à sua espera no campinho de futebol. A turma da Siqueira Campos estava reunida na sede do clube, felizes com a regalia de ter um local só deles, no qual gozassem de completa liberdade e os abrigassem do mau tempo. Pé de Pata, Géo e Nêgo acordaram bem cedo naquele domingo e foram para o clube, quase de madrugada, e passaram toda a manhã em volta da lareira acesa, se sentindo verdadeiros montanheses do faroeste americano. Pouco tempo depois, apareceram Mipai e Tõe Porcino; os quais, apesar de serem católicos, tinham poucos interesses em missas e embarcaram nas fantasias dos amigos; porém, sem esquecerem-se da copa do mundo, que era o assunto mais importante daqueles dias, na vida nacional.

Quando Johnny surgiu àquela hora, foi recebido com festas pelos seus amigos, os quais brindaram a sua chegada com chocolate quente e bolos de tapioca. O garoto adorou o aconchego daquela pequena cabana, a qual foi projetada por ele e estava feliz com o contentamento dos meninos, os quais faziam planos para mais torneios em seu campinho de futebol. Uma animada conversa começou entre a garotada, perdurando por algum tempo, com todo mundo falando alto e ao mesmo tempo, dando as mais extravagantes opiniões sobre a estratégia futebolista. A algazarra já durava uns bons minutos de alegrias, quando foi silenciada com batidas nervosas à porta. Pé de Pata abriu e apareceu Mamãe eu Quero todo ofegante, que noticiou com contentamento:

- Oi turma!... Tem matinê grátis hoje no Cine Jequié!

Géo foi o primeiro a se manifestar ao ouvir a mágica palavra:

- De graça?!... Tem certeza?... E o filme é bom?

- Na certa é uma daquelas porcarias de filmes de amor, do cinema mexicano! – desdenhou Mipai, sem dar muita atenção ao pequeno gibi.

Mamãe eu Quero rebateu a afirmação:

- Não é nada disso! O filme é de aventuras, colorido e se passa na África!

-Qual é o nome desse filme? – perguntou Nêgo com interesse:

O garoto coçou a cabeça, tentando relembrar corretamente o nome do filme e anunciou alegremente:

- Eu acho que é “As Minas do Rei Salomão!”

Nesse momento Johnny, que estava sentado em um canto, folheando algumas revistas, levantou-se rapidamente e disse a seguir:

- Pessoal esse filme é famoso! Eu li na revista Cinelândia que ele foi indicado a vários prêmios, inclusive o de o melhor filme de 1950, mas ganhou

apenas o Oscar de melhor fotografia colorida É com os atores Stewart Granger e Deborah Kerr.

Tõe Porcino convocou a turma, dizendo:

- Eu já ouvi falar nesse filme e todo mundo diz que é muito bom! Acho melhor a gente ir logo para essa matinê, e pegar os melhores lugares!

Pé de Pata esfregando as mãos, disse animado:

- O que estamos esperando? Vamos aproveitar que o tempo está aberto e a neblina deixou de cair!

Os garotos seguiram juntos pela Siqueira Campos em direção ao centro da cidade. Eram quase duas horas da tarde e, naquele momento, o tempo estava agradável, com um sol ameno de poucas nuvens chuvosas. A calçada do Cine Teatro Jequié estava superlotada de crianças, naquele domingo à tarde, cujo alvoroço começava a incomodar os funcionários daquela sala de espetáculos. Sem nenhum aviso prévio, a garotada foi informada, logo após o meio dia, por um carro de propaganda, que a matinê daquele cinema seria grátis, custeada pelos correligionários do candidato ao governo do Estado da Bahia, Antonio Balbino de Carvalho Filho. O fato estava sendo alardeado pelo locutor aos quatro cantos da cidade, atraindo para o centro uma multidão de meninos; alguns das quais, nunca dispunham de dinheiro para ir a uma matinê aos domingos. Diziam que o acontecimento era em homenagem ao santo padroeiro de Jequié, do qual, o distinto político era um grande devoto.

Havia uma gigantesca fila para entrar no cinema, sem a necessidade de ingressos. O gerente e o porteiro, com alguns funcionários, tentavam organizar o evento da melhor maneira possível. A balbúrdia era inevitável devido às circunstâncias que a havia gerado. Instantes antes da chegada dos garotos da Siqueira Campos, uma turma de meninos da Bela Vista, comandados por um garoto magrinho de onze anos, chamado Raimundo Meira, acendeu e jogou uma falsa bomba, dispersando a meninada do início da fila. A estratégia fez com que, ele e seus amigos entrarem na sala de espetáculos, sem nenhum impedimento. Contudo, o clima de revolta entre a meninada deu motivos a várias brigas e muito trabalho à guarda municipal. Vendo aquele tumulto, algumas senhoras que levaram os seus filhos para matinê, desistiram da ideia. Entre elas, estava Dona Olga Figueiredo Vieira, amiga de Dona Amélia e Dona Nonnita, deixando inconsoláveis seus dois filhos pequenos, Luís Aroldo e Paulo Roberto. Por volta das três horas da tarde, o gerente Durval e o porteiro João resolveram abrir as portas da lateral do cinema para facilitar a entrada da garotada, enchendo de crianças os mil e duzentos e vinte e cinco lugares, daquele grande cinema.

Johnny e seus amigos se acomodaram bem longe da tela, num local junto à cabine de projeção, denominado de galinheiro pela população. O garoto achou estranho aquele lugar, pois ele estava acostumado a ver os filmes mais próximos da tela, perto das duas entradas. Todavia estava contente, por ele e seus amigos terem adquirido poltronas para se sentarem, quando havia um grande número de crianças em pé ou sentados no chão.

O filme fez muito sucesso entre os espectadores. Numa época em que predominavam as películas em preto e branco, um filme a cores com um roteiro atraente deixou encantada aquela meninada feliz, a qual saiu do cinema comentando as melhores cenas. Para Mamãe eu Quero, aquele foi o melhor filme que ele tinha visto. Mipai, não querendo perder uma oportunidade para mangar alguém, desdenhou:

- Qualquer filme de graça para um pobre é sempre o melhor!

- Pobre é o Cão e você, que é amigo dele! – protestou o negrinho com irritação.

- Ora veja! O moleque está ficando abusado! – Comentou Mipai para os garotos, que sorriam dos dois, e depois fingindo zangado disse a seguir:

- Está querendo tomar uns cascudos, para refrescar a cabeça seu besta?

Johnny preocupado com possíveis desentendimentos entre os amigos resolveu intervir, dizendo para Mamãe eu Quero:

- O filme é bom, ele sabe disso e você também! Além disso, em matéria de riquezas, todos nós estamos no mesmo barco.

Eram mais de cinco horas da tarde quando terminou a projeção do filme. Na saída do cinema, Johnny notou que a procissão estava sendo formada e despediu-se dos amigos, os quais foram para o jardim. O garoto seguiu sozinho para a igreja na esperança de encontrar a sua bela Berenice.

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