J. B. Pessoa
Capítulo - 38 do livro "Guris e Gibi"
O dia
amanheceu brumoso com a fria neblina caindo sobre a cidade, anunciando mais uma
semana com o inusitado inverno, que nos últimos dias se abateu sobre a região.
Essa busca quebra de temperatura, que não descia além dos dez graus
centigrados, era considerada severa demais para os moradores de Jequié e
relativamente comum para as cidades circunvizinhas, que estavam situadas fora
do vale do Rio das Contas, cujo clima tropical de altitude proporcionava um
inverno mais austero, o qual, em alguns municípios do planalto baiano, devido a
altitudes mais elevadas, se aproximava do zero grau. Naquela manhã de segunda
feira, o nevoeiro apareceu novamente, porém menos denso que nos dias
anteriores, dando uma característica pitoresca, a uma cidade acostumada às
nuances semiáridas da região.
As
pessoas transitavam pela cidade, vestidas com roupas adaptadas àquela
circunstância. Na Confeitaria Cristal, o consumo de chocolate quente superou os
refrescos com as frutas típicas da terra e nos bares da cidade, as doses de
uísque e conhaque suplantaram as costumeiras cervejas geladas. As vendas e
botequins da Praça da Bandeira, onde acontecia às feiras livres da cidade,
ficaram abarrotadas de pessoas, que entre tragos de aguardente, comentavam a novidade
e contavam estórias folclóricas sobre o frio.
No
Grupo Escolar Castro Alves, a garotada continuava em suas atividades diárias,
mudando a rotina das aulas pela preparação da festa de São João. As férias
juninas iriam começar e os alunos queriam uma despedida que fosse comemorada
com muita alegria. A grande novidade do momento era o sucesso de Orlando na
quermesse de Santo Antonio. Não se falava em outra coisa. Naquela manhã, quando
ele chegou à escola, diversos colegas foram ao seu encontro, congratulando-o
pelo sucesso na noite anterior. Orlando já era conhecido na cidade, pois havia
atuado em muitas festas de aniversário, acompanhado pelo famoso violonista
Jônatas Pithon; porém, aquela era a primeira vez que ele cantava em um palco,
se apresentando em praça pública, ao ar livre. As meninas ficaram a sua volta
pedindo autógrafos. Orlando se portava como se fosse um verdadeiro astro do
cancioneiro nacional. A professora Emília sugeriu que ele cantasse a canção
tema, que finalizava a peça teatral da festa escolar. O convite foi aceito com
satisfação. Orlando sabia que Eduardo estava cortejando a bela Luísa, e ele
queria impressionar a menina com a sua voz, para tirar de cena o insuportável
rival.
Eduardo
se encontrava no pátio esquerdo da escola, na companhia de Johnny e Luis,
merendando os quitutes de Dona Amália Ferreira. Quando soube da pretensão de
Orlando, por um garoto de outra sala, deu boas gargalhadas e virou-se para seus
amigos, dizendo com deboche:
- O
dia que um moleque feio como Orlando conquistar uma menina bonita como Luísa,
eu visto saias!
Luis
Augusto refletiu um pouco sobre a situação e perguntou ao portador da noticia:
- O
que será que Orlando pretende? Eu nunca cheguei compreender muito bem o rapaz.
Dá uma marcação cerrada em Berenice! Mentiu para todos dizendo que era namorado
da menina, e agora está competindo com Eduardo!
- Ué,
deve ser um típico caso, daqueles que, o cara não fode e nem sai de cima! –
Respondeu o garoto com um sorriso irônico.
Johnny
ficou impressionado com a desenvoltura de Orlando no palco. Ele tinha uma voz
adulta de tonalidade suave e tinha o charme dos grandes cantores que apareciam
nos filmes nacionais. Intrigado com o fato de não ter visto o rapaz nas
tertúlias, perguntou:
- Por
que será que Orlando nunca se apresentou no Teatro da Casa Paroquial?
Eduardo
respondeu com desdém:
-
Ah!... Aí são outros quinhentos! A fama dele como desordeiro é muito grande e
impediu que ele participasse desses eventos. As comadres da igreja são duronas
e suas exigências são implacáveis!
- Como
assim? Quais são essas exigências?! – Perguntou o garoto, curioso.
Você
ter que ir à missa e comungar todos os domingos, é uma delas. Orlando nem
sequer fez a primeira comunhão! – Respondeu Eduardo, que nesses termos era
parecido com Orlando.
Johnny
compreendeu o rapaz. Ele também não tinha tanta disposição para os rituais da
igreja. Assistia às missas por imposição de sua mãe e, quando ia sozinho,
ficava sempre na lateral da igreja proseando com outros camaradas. Nesse
momento Orlando chega, fazendo festas para todos, dizendo:
-
Então companheiros, já sabem das novidades?
Eduardo
foi o primeiro a cumprimentar o rapaz, dizendo:
-
Parabéns! Você esteve muito bem ontem à noite!
Orlando
olhou para Eduardo com desconsideração e disse com arrogância:
- É
isso aí meu compadre! “Quem pode, pode; quem não pode se sacode!”
Eduardo
olhou para o rapaz e dissimulando a raiva, disse a seguir:
- É
isso aí!... Cada qual com o talento, que Deus lhe dá!
- Por
falar em talentos, qual é o seu? – Perguntou Orlando, com ironia.
Chateado
com a falta de apreço do seu colega, Eduardo respondeu com soberba:
- Sou
inteligente, bonito e gostoso!
Johnny,
percebendo a rusga que iria acontecer, tratou de dar um fim na disputa,
perguntando sorridente para Orlando:
-
Então meu amigo! Quais são as novidades que você falou?
- Vou
participar da peça, cantando no final dela!
-
Parabéns mais uma vez! – Disse Eduardo aparentando indiferença, a seguir disse
com saliência:
-
Então vamos indo meu camarada, que o ensaio já vai começar!
Eduardo
seguiu em direção à biblioteca da escola, onde seus colegas o esperavam.
Orlando se despediu de Johnny e Luis e seguiu pouco tempo depois. Ficando a
sós, Luis Augusto comenta para seu primo:
-
Estou contente com o fato de Eduardo e Orlando não atrapalhar mais, os meus
planos de namoro com Berenice; porém, um pouco preocupado com a disputa dos
dois por Luísa!
Johnny
olhou para o primo e disse sorrindo:
- Não
há disputa alguma! Eduardo e Luísa estão namorando!
-
Deveras?!... Como você sabe disso?
- Eu vi
os dois trocando carícias, mais cedo; quando chegaram pela manhã!
-
Carícias?!... Como assim?
- Ora
primo! Afago nas mãos, beijos nos rostos e olhares cheios de ternura!
Luis
Augusto olhou para o vazio e disse com melancolia:
- Quem
me dera que eu tivesse um colóquio desses com Berenice! – Depois se virando
para Johnny, disse a seguir:
-
Estou curioso com o rumo dos acontecimentos. Vamos ver esse ensaio mais de
perto?
O
garoto concordou com a proposta e os dois seguiram para a biblioteca, onde a
professora Mary Rabello coordenava a atuação da garotada.
A peça
era uma comédia cheia de peripécias, onde a mãe da noiva dava as cartas,
obrigando a filha casar com um ricaço, passando por cima de um pai trapalhão,
que adorava a filha e morria de medo da mulher. No final, com a ajuda do pai, a
filha foge com o namorado, deixando o noivo no altar com cara de bobo. Nesse
momento entra Orlando e canta a famosa canção e todos caem na folia, dançando
um com os outros em cena.
O sino
da escola anuncia mais um fim de aulas. A garotada pega os seus pertences
escolares, e sai em filas, com muita disciplina, sendo fiscalizada pela
incansável Dona Amália. Na saída, já fora da escola, Eduardo se despede dos
colegas e segue com a sua namorada pela Praça Castro Alves. Despedindo-se dela
na Rua Nestor Ribeiro. Logo após, os dois seguem sozinhos para suas casas.
Johnny
e Luis seguem na companhia de Orlando, achando graça do jeito enfezado do
rapaz. A seguir, ele olha para os amigos e diz com determinação:
- Como
fala o povo: “Ri melhor quem ri por último!”
Os
garotos entreolharam-se, admirados com a postura do rapaz. Johnny, seguindo o
ensejo do amigo, disse sorrindo:
É isso
aí amigo! Nada melhor do que um dia após o outro!
Os
três amigos seguiram juntos, com Orlando mais animado, traçando seus planos de
futuro. Nesse momento a fria neblina, que tinha se dissipado algumas horas
antes, começou a cair novamente, fazendo com que os garotos apresassem, ainda
mais, os seus passos.
Estou adorando o livro. Toda semana fico na espera de mais um capítulo.
ResponderExcluirEstou adorando o livro.toda a semana fico esperando mais um capítulo.
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