segunda-feira, 15 de junho de 2020

As Novidades.


J. B. Pessoa

Capítulo - 38 do livro "Guris e Gibi"

O dia amanheceu brumoso com a fria neblina caindo sobre a cidade, anunciando mais uma semana com o inusitado inverno, que nos últimos dias se abateu sobre a região. Essa busca quebra de temperatura, que não descia além dos dez graus centigrados, era considerada severa demais para os moradores de Jequié e relativamente comum para as cidades circunvizinhas, que estavam situadas fora do vale do Rio das Contas, cujo clima tropical de altitude proporcionava um inverno mais austero, o qual, em alguns municípios do planalto baiano, devido a altitudes mais elevadas, se aproximava do zero grau. Naquela manhã de segunda feira, o nevoeiro apareceu novamente, porém menos denso que nos dias anteriores, dando uma característica pitoresca, a uma cidade acostumada às nuances semiáridas da região.
As pessoas transitavam pela cidade, vestidas com roupas adaptadas àquela circunstância. Na Confeitaria Cristal, o consumo de chocolate quente superou os refrescos com as frutas típicas da terra e nos bares da cidade, as doses de uísque e conhaque suplantaram as costumeiras cervejas geladas. As vendas e botequins da Praça da Bandeira, onde acontecia às feiras livres da cidade, ficaram abarrotadas de pessoas, que entre tragos de aguardente, comentavam a novidade e contavam estórias folclóricas sobre o frio.
No Grupo Escolar Castro Alves, a garotada continuava em suas atividades diárias, mudando a rotina das aulas pela preparação da festa de São João. As férias juninas iriam começar e os alunos queriam uma despedida que fosse comemorada com muita alegria. A grande novidade do momento era o sucesso de Orlando na quermesse de Santo Antonio. Não se falava em outra coisa. Naquela manhã, quando ele chegou à escola, diversos colegas foram ao seu encontro, congratulando-o pelo sucesso na noite anterior. Orlando já era conhecido na cidade, pois havia atuado em muitas festas de aniversário, acompanhado pelo famoso violonista Jônatas Pithon; porém, aquela era a primeira vez que ele cantava em um palco, se apresentando em praça pública, ao ar livre. As meninas ficaram a sua volta pedindo autógrafos. Orlando se portava como se fosse um verdadeiro astro do cancioneiro nacional. A professora Emília sugeriu que ele cantasse a canção tema, que finalizava a peça teatral da festa escolar. O convite foi aceito com satisfação. Orlando sabia que Eduardo estava cortejando a bela Luísa, e ele queria impressionar a menina com a sua voz, para tirar de cena o insuportável rival.
Eduardo se encontrava no pátio esquerdo da escola, na companhia de Johnny e Luis, merendando os quitutes de Dona Amália Ferreira. Quando soube da pretensão de Orlando, por um garoto de outra sala, deu boas gargalhadas e virou-se para seus amigos, dizendo com deboche:
- O dia que um moleque feio como Orlando conquistar uma menina bonita como Luísa, eu visto saias!
Luis Augusto refletiu um pouco sobre a situação e perguntou ao portador da noticia:
- O que será que Orlando pretende? Eu nunca cheguei compreender muito bem o rapaz. Dá uma marcação cerrada em Berenice! Mentiu para todos dizendo que era namorado da menina, e agora está competindo com Eduardo!
- Ué, deve ser um típico caso, daqueles que, o cara não fode e nem sai de cima! – Respondeu o garoto com um sorriso irônico.
Johnny ficou impressionado com a desenvoltura de Orlando no palco. Ele tinha uma voz adulta de tonalidade suave e tinha o charme dos grandes cantores que apareciam nos filmes nacionais. Intrigado com o fato de não ter visto o rapaz nas tertúlias, perguntou:
- Por que será que Orlando nunca se apresentou no Teatro da Casa Paroquial?
Eduardo respondeu com desdém:
- Ah!... Aí são outros quinhentos! A fama dele como desordeiro é muito grande e impediu que ele participasse desses eventos. As comadres da igreja são duronas e suas exigências são implacáveis!
- Como assim? Quais são essas exigências?! – Perguntou o garoto, curioso.
Você ter que ir à missa e comungar todos os domingos, é uma delas. Orlando nem sequer fez a primeira comunhão! – Respondeu Eduardo, que nesses termos era parecido com Orlando.
Johnny compreendeu o rapaz. Ele também não tinha tanta disposição para os rituais da igreja. Assistia às missas por imposição de sua mãe e, quando ia sozinho, ficava sempre na lateral da igreja proseando com outros camaradas. Nesse momento Orlando chega, fazendo festas para todos, dizendo:
- Então companheiros, já sabem das novidades?
Eduardo foi o primeiro a cumprimentar o rapaz, dizendo:
- Parabéns! Você esteve muito bem ontem à noite!
Orlando olhou para Eduardo com desconsideração e disse com arrogância:
- É isso aí meu compadre! “Quem pode, pode; quem não pode se sacode!”
Eduardo olhou para o rapaz e dissimulando a raiva, disse a seguir:
- É isso aí!... Cada qual com o talento, que Deus lhe dá!
- Por falar em talentos, qual é o seu? – Perguntou Orlando, com ironia.
Chateado com a falta de apreço do seu colega, Eduardo respondeu com soberba:
- Sou inteligente, bonito e gostoso!
Johnny, percebendo a rusga que iria acontecer, tratou de dar um fim na disputa, perguntando sorridente para Orlando:
- Então meu amigo! Quais são as novidades que você falou?
- Vou participar da peça, cantando no final dela!
- Parabéns mais uma vez! – Disse Eduardo aparentando indiferença, a seguir disse com saliência:
- Então vamos indo meu camarada, que o ensaio já vai começar!
Eduardo seguiu em direção à biblioteca da escola, onde seus colegas o esperavam. Orlando se despediu de Johnny e Luis e seguiu pouco tempo depois. Ficando a sós, Luis Augusto comenta para seu primo:
- Estou contente com o fato de Eduardo e Orlando não atrapalhar mais, os meus planos de namoro com Berenice; porém, um pouco preocupado com a disputa dos dois por Luísa!
Johnny olhou para o primo e disse sorrindo:
- Não há disputa alguma! Eduardo e Luísa estão namorando!
- Deveras?!... Como você sabe disso?
- Eu vi os dois trocando carícias, mais cedo; quando chegaram pela manhã!
- Carícias?!... Como assim?
- Ora primo! Afago nas mãos, beijos nos rostos e olhares cheios de ternura!
Luis Augusto olhou para o vazio e disse com melancolia:
- Quem me dera que eu tivesse um colóquio desses com Berenice! – Depois se virando para Johnny, disse a seguir:
- Estou curioso com o rumo dos acontecimentos. Vamos ver esse ensaio mais de perto?
O garoto concordou com a proposta e os dois seguiram para a biblioteca, onde a professora Mary Rabello coordenava a atuação da garotada.
A peça era uma comédia cheia de peripécias, onde a mãe da noiva dava as cartas, obrigando a filha casar com um ricaço, passando por cima de um pai trapalhão, que adorava a filha e morria de medo da mulher. No final, com a ajuda do pai, a filha foge com o namorado, deixando o noivo no altar com cara de bobo. Nesse momento entra Orlando e canta a famosa canção e todos caem na folia, dançando um com os outros em cena.
O sino da escola anuncia mais um fim de aulas. A garotada pega os seus pertences escolares, e sai em filas, com muita disciplina, sendo fiscalizada pela incansável Dona Amália. Na saída, já fora da escola, Eduardo se despede dos colegas e segue com a sua namorada pela Praça Castro Alves. Despedindo-se dela na Rua Nestor Ribeiro. Logo após, os dois seguem sozinhos para suas casas.
Johnny e Luis seguem na companhia de Orlando, achando graça do jeito enfezado do rapaz. A seguir, ele olha para os amigos e diz com determinação:
- Como fala o povo: “Ri melhor quem ri por último!”
Os garotos entreolharam-se, admirados com a postura do rapaz. Johnny, seguindo o ensejo do amigo, disse sorrindo:
É isso aí amigo! Nada melhor do que um dia após o outro!
Os três amigos seguiram juntos, com Orlando mais animado, traçando seus planos de futuro. Nesse momento a fria neblina, que tinha se dissipado algumas horas antes, começou a cair novamente, fazendo com que os garotos apresassem, ainda mais, os seus passos.

2 comentários:

  1. Estou adorando o livro. Toda semana fico na espera de mais um capítulo.

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  2. Estou adorando o livro.toda a semana fico esperando mais um capítulo.

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