domingo, 17 de maio de 2020

A sede do clube.

J. B. Pessoa


Capítulo - 34 do livro "Guris e Gibi"

Após acordar da sesta costumeira, Johnny se preparava para pôr seus deveres escolares em dia, quando foi interrompido por Géo que, numa animação fora do comum, estava lhe convidado para ir ao encontro da turma, a qual esperava por eles debaixo da frondosa mangueira. Surpreso com aquela animação perguntou:
- Que alegria é essa?!... Vai ter matinê grátis?
- Melhor do que isso! Venha você mesmo ver e comprovar a nossa satisfação! - Respondeu o garoto, esfregando as mãos de contentamento.
Johnny seguiu Géo e ambos foram ao encontro dos amigos, que os receberam em festas. Aquela agitação era devida ao simples fato deles terem ganhado o material para a construção da sede do Siqueira Campos Futebol Clube. Todos estavam contentes e pretendiam imediatamente começar a construção. Nêgo e Pé de Pata já estavam medindo o terreno para o início dos trabalhos, numa postura de quem estava realizando uma obra importante. Edgar, olhando para o material adquirido, comentou com Johnny:
- Não é uma beleza? Agora os outros times não vão poder dizer que somos pebas!
- Tenho certeza disso! – Respondeu o garoto contagiado com aquela animação. Depois avaliando o material, perguntou:
- Vocês já têm o projeto de construção?
- Ué, é preciso isso?
- Claro que sim! Como é que vocês vão edificar uma casa se não tem um plano ou planta em que se basear para executar o trabalho?
A animação de Edgar se esvaiu naquele momento. Ele olhou para as tábuas adquiridas e, chamando toda a turma para conscientizá-la do problema, disse preocupado:
- A gente não tinha pensado nisso!
Debaixo da mangueira estava uma porção de restos de madeira, vindo da serraria da Rua Curral de Bois, trazida pelo primo de Mipai. Johnny notou que as tábuas eram as partes externas dos troncos de madeira, que foram extraídas para a divisão e alisamento de vários outros, destinados às marcenarias e carpintarias da cidade. A parte removida era abandonada pela empresa por não ter valor comercial, sendo, portanto, um subproduto a ser vendido como lenha para as padarias. O primo de Mipai convenceu o jovem Adonias Pessoa, dono da serraria, a ofertar aquelas sobras aos garotos, por uma boa causa. O carregamento havia chegado, depois do meio dia, num caminhão da própria serraria, que entregou a carga aos surpresos garotos. Observando melhor todo aquele material, Johnny tranquilizou os meninos:
- Deixe comigo que eu tenho uma idéia interessante!
O garoto foi até a sua casa, pegou seu caderno de desenho e copiou de uma revista em quadrinhos, uma cabana de pioneiros do Oeste Americano. Fez um belo desenho, pintado com lápis de cores, no qual se via uma pequena casa de duas águas, com a lareira de pedras. Ao lado do desenho fez a planta baixa, indicando a base, onde teria que cavar para colocar as estacas, e nelas serem pregadas as madeiras. Em seguida
retornou e mostrou aos meninos, que ficaram encantados com o projeto. Géo olhou para o desenho e disse entusiasmado:
- Puxa a vida! Tá parecendo à casa de Davy Crockett!
Johnny explicou aos garotos, que as casas dos pioneiros eram feitas de tronco de madeiras. Como eles tinham adquirido aquelas tábuas, em que tinham uma parte lisa e outra cascuda do tronco original, era só deixarem a parte cascuda para fora que dava a impressão que foi construída com troncos de madeira.
Legal, meu camarada! – Disse Edgar, voltando a sorrir de contentamento.
Nêgo olhou para o desenho e fez observações:
- O que é isso aí?
- Isso é uma chaminé de lareira, para dar um toque mais original ao nosso clube! – Esclareceu o garoto, que concluiu:
- Géo, que é aprendiz de pedreiro poderá construir com pedras que iremos ajuntar por aí!
- Pode deixar com o papai aqui! – Disse Géo, orgulhoso do seu aprendizado.
Os garotos aprovaram a idéia. Agora só restava botarem às mãos em obras e trabalharem com afinco. Nesse momento chega um carro de bois, com um carregamento de telhas, compradas na olaria do tio de Pé de Pata, por um preço abaixo do normal. Essas telhas foram adquiridas com um dinheiro arrecadado de toda a turma, que durante um bom tempo, promoveu rifas e assinaturas em livros de ouro. Enfim, ali estava o material principal, faltando apenas às madeiras de suporte, os caibros e os ripões, que chegariam a qualquer momento, adquiridos por Bill Elliott de uma casa velha, demolida por seu pai.
O terreno escolhido pelos garotos ficava perto da mangueira, numa área de quatro metros de largura por seis de comprimento. A construção só teria um cômodo com as duas águas, com uma cumeeira de quatro metros e as caídas de água de três metros. O clube teria apenas uma porta com três janelas. Uma delas ficaria nos fundos e outra em uma das laterais da cabana. A entrada com seis metros, que seria a frente do clube, era voltada para o campo e nela ficaria a porta com a outra janela. Em uma das laterais, voltadas para a mangueira, seria construída a chaminé, que iria superar a altura da cumeeira. Observando a planta baixa elaborada por Johnny, os garotos começaram a cavar os buracos, que iam ser enfiados os suportes, nos quais seriam pregadas as madeiras, levantando assim, as paredes da construção.
No momento em que os garotos começaram a trabalhar, aparece no portão do seu quintal, o velho Manequito, observando as atividades da turma com muita curiosidade. O seu semblante mal encarado fez com que todos parassem momentaneamente seus afazeres, encarando o homem com rancor. Nêgo olhou para o velho com raiva e resmungou:
- Desconjuro! ... Esse sujeito tem parte com o Cão!
- Deixe estar, que o velho não pode fazer nada! - Assegurou Johnny para o garoto.
Edgar alisou o seu queixo, ficando pensativo por uns segundos e, em seguida, alertou:
- A gente deve tomar cuidado com ele, pois o sacana jurou vingança contra Tõe Porcino e toda a nossa turma!
- O que a gente pode fazer? – perguntou Johnny, sem poder imaginar, quais seriam as retaliações do velho inimigo.
- Bom isso eu não sei dizer! Mas como diz o povo: “Seguro morreu de velho e prevenido ainda está vivo!”, eu acho que a gente deve ficar de olho nesse bandido!
O velho Manequito sorriu com desdém, parecendo adivinhar o pensamento dos garotos. Depois de encarar a meninada de longe, balançou a cabeça afirmativamente, como quisesse dizer: “é isso mesmo moleques, tomem cuidado comigo!” Depois disso, entrou em seu quintal e fechou o portão, deixando a garotada desassossegada.
A turma procurou esquecer aquela figura sinistra e retornou às suas atividades, dando andamento no processo de construção do clube. Logo depois foram chegando outros garotos da rua, para colaborarem naquela labuta, que mais parecia uma recreação do que um simples projeto de trabalho. Depois de deixar as coisas ajeitadas, entregues aos garotos, Edgar partiu para seu trabalho na loja, despedindo-se da turma:
- Tenho que ir para meu emprego, pois estou em cima da hora! Vejo vocês mais tarde!
- E eu também tenho que ir. Logo que terminar meus deveres escolares, volto para ajudar vocês.
- Pode deixar com a gente! – Tranqüilizou Géo com um sorriso de contentamento no rosto.
Johnny despediu-se dos amigos e foi para sua casa. Quando entrou pela cozinha, encontrou a pequena Maria de Fátima, sentada no batente da porta que, curiosa com toda aquela agitação, perguntou ao irmão:
- O que vocês estão inventando?
O garoto ficou admirado com o termo usado pela menina, o qual era bastante apropriado para aquelas condições e disse sorrindo:
- Estamos tentando construir uma pequena cabana para ser a sede do nosso clube!
- Igual ao clube do Bolinha?
- Mais ou menos! Porém, eu acho que o nosso vai ficar mais bonito!
- Menina entra?
Johnny riu bastante diante da pergunta de sua irmãzinha, que aos oito anos era leitora assídua das aventuras de Bolinha e Luluzinha e estava ciente da implicância das personagens masculinas em relação às meninas. Lembrou-se da discussão dos garotos na época que decidiram fundar o clube e disse sorrindo:
- Eu tenho certeza que nesse clube, as meninas irão entrar!
O garoto pegou seus livros e cadernos e foi concluir seus deveres escolares; desta vez com mais rapidez, pois queria voltar para ajudar seus amigos naquele projeto, que era uma verdadeira experiência a ser cumprida.
Durante toda a semana a turma deu andamento às obras da construção, tendo o apoio de vários vizinhos, que colaboraram em diversos aspectos. O pai de Géo ajudou a erguer a chaminé, Seu Miguel arranjou as tintas, e as pedras foram arranjadas pelo jovem Alípio Oliveira. A porta e as janelas foram doadas por José Vaz Sampaio,
contando com a instalação delas pelo pai de Pé de Pata, que era um hábil carpinteiro. Em pouco tempo, a sede do clube ficou pronta, parecendo, realmente uma cabana de pioneiros, conforme o desenho feito por Johnny. A inauguração foi feita com grande alegria por toda a garotada da rua, que viu com contentamento mais uma vitória em suas vidas.
A primeira reunião aconteceu em um domingo pela manhã, na qual se estabeleceu as normas que deveriam seguir, através de um estatuto elaborado pelos meninos, contando com a ajuda de Luis Augusto, que se tornou sócio honorável do Clube. Tõe Porcino, Mipai, Eduardo e Mamãe Eu Quero, apesar de pertencerem a outros times, não ficaram de fora da associação, ganhando o título de sócios amigos do Siqueira Campos Futebol Clube. Na ocasião ficou decidido que, a partir das festas juninas, mais um torneio estava em pauta, naquele campinho de futebol.

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