J. B. Pessoa

Capítulo - 23 do livro "Guris e Gibis"
O
dia amanheceu lindo. Depois de uma semana de aguaceiro, o sol voltou a brilhar,
deixando os roceiros animados com a perspectiva de uma boa safra de milho, para
o mês de junho. O verde da vegetação já podia ser notado por toda a parte, onde
os tanques abertos no solo pelos camponeses e os caldeirões naturais das rochas
estavam cheios do precioso líquido. A última chuva havia caído no final de
novembro e nas cabeceiras do Rio das Contas havia chovido pouco, razão pelas
quais, as cheias do rio haviam sido modestas no começo do ano. O município de
Jequié fica situado entre duas regiões distintas: a zona da mata, onde chove
regularmente e a zona da caatinga, incluída no polígono das secas, vindo daí, o
nome da propriedade que deu origem a cidade, Borda da Mata. O temor de um estio
prolongado deixava todos preocupados, motivando festas quando chovia e as
tempestades eram um acontecimento louvado pelos sertanejos.
Johnny
acordou bem cedo nesse dia, sem ser preciso que sua mãe o tenha tirado da cama,
com reclames. Após o desjejum, a base de quitutes sertanejos, partiu exultante
para sua escola, onde um programa diferente o esperava. Ele e seus colegas do
quinto ano fariam uma visita, naquela manhã, ao Ginásio de Jequié. O padre
Leonides Spinola, futuro Marquês de Monte Maggiore, que era proprietário e
diretor daquela instituição escolar, convidou alunos de várias escolas da
cidade, para conhecerem as instalações do seu colégio. A finalidade daquele
convite era propagar as virtudes educacionais do seu estabelecimento, visando,
com isso, atrair mais alunos para as suas salas de aula, pois começava a sofrer
concorrência do recente colégio público, denominado Colégio Estadual de Jequié,
o qual foi inaugurado, havia apenas dois anos.
Orlando
não veio com a turma do Castro Alves, porque havia cabulado aula naquele dia.
Johnny, Luis e Eduardo visitaram todas as dependências do colégio, conhecendo
seus professores e suas propostas educacionais. Eles encontraram com camaradas
de outras escolas, que pretendiam fazer o exame de admissão naquele ginásio,
permanecendo por um bom tempo, conversando sobre amenidades juvenis. As meninas
de uma escola feminina, onde Berenice havia estudado, apareceram mais tarde,
deixando a garotada agitada, pois essa escola era famosa pela beleza de suas
alunas. A maioria da meninada estava na puberdade, entrando na adolescência,
cuja curiosidade natural despertava neles sensações esquisitas e muito
confusas. Muitos entendiam esses sentimentos como coisa natural de homens,
cujos deslumbramentos acabavam em conceitos inadequados. O termo sexo era
considerado pelos pais como uma palavra pejorativa. Não era ensinado nas
escolas e no seio familiar era visto como um verdadeiro tabu. Uma grande
ignorância tomava conta de todas as crianças e só as mais afoitas tinham um
conhecimento anômalo do assunto. Johnny nutria por essas meninas um sentimento
platônico e, quando era tomado por algo mais pungente, purgava-os em forma de
oração. Isso havia acontecido quando ele
conheceu
a insinuante Vera Olivia, e a própria Berenice despertava nele sensações
prazerosas, as quais ele não sabia definir.
A
maioria dos garotos estava animada com a probabilidade de ingressarem naquele
colégio, onde estudavam as meninas mais bonitas da cidade e já estava sendo
tratada pelos dirigentes como futuros calouros. Muitos deles aproveitavam a
oportunidade para fazer novas amizades e outros, mais ousados, ensaiavam seus
primeiros flertes. Johnny ficou conversando com um grupo de garotos, enquanto Luis
e Eduardo procuravam por Berenice. Ficaram sabendo pelas colegas, que ela
estava ensaiando uma peça teatral na casa paroquial, a qual seria apresentada
dentro de quinze dias. Tratava-se uma adaptação de um texto de Monteiro Lobato
com personagens da Commedia dell´arte, idealizada pela professora Maria Délia.
Berenice interpretava a Colombina, papel principal da referida peça, escrita
pelo professor Jason Wilson e dirigida pelo professor Antonen Brioude.
Debaixo
de uma frondosa árvore, que existia no pátio principal do colégio, um grupo de
garotos discutia sobre futebol. Era ano de copa do mundo, a qual seria sediada
na Suíça. O técnico da seleção brasileira Zezé Moreira, havia escalado três
jogadores do Vasco, três do Flamengo, três do Fluminense e apenas dois do
Botafogo, deixando de lado um famoso jogador desse time. Um garoto torcedor do
Botafogo ficou aborrecido com o fato e começou a protestar e ser mangado por
outro, que era torcedor do flamengo. Os dois começaram a discutir e o torcedor
do Flamengo disse, caçoando do colega:
- Cala
a boca que você é filho de uma gala!
O
menino não gostou da pilheria e, sentindo-se desrespeitado, quis partir para
briga, sendo contido por outro que lhe disse sorrindo:
-
Deixa de bobagem rapaz, que todo mundo é filho de uma gala!
- É
isso mesmo! Todo mundo é filho de uma garça, portanto você não precisa se
aborrecer! – Acrescentou Johnny, ajudando a evitar o confronto entre os
garotos.
Naquele
momento ninguém entendeu a afirmação despropositada do garoto. Porém, um dos veteranos
do colégio, percebendo a mancada, resolveu intervir e, prevendo uma possível
zombaria, perguntou:
- Como
é mesmo o negócio calouro?
Johnny
the Kid parou por um instante, olhou para todos e, percebendo que havia
cometido algum erro, procurou raciocinar rápido, chegando à nefasta conclusão:
-
Desculpe turma, eu me atrapalhei! Não é garça e sim cegonha! Todo mundo é filho
de uma cegonha, não é verdade?
O
veterano, já adolescente, chamou outros garotos mais velhos, gritando no maior
escárnio e, subitamente, apareceu à molecada mais endiabrada do centro da
cidade. Johnny, mais confuso ainda, não compreendia o motivo de tanta
algazarra. Pensou ter ouvido a palavra garça e não gala. Ele não sabia que o
vocábulo gala, significava o mesmo que sêmen na linguagem esquisita da
garotada. Aliás, ele nem sequer conhecia essas palavras e muito menos o
significado
delas. A molecada fez um círculo em torno do garoto e, em pouco tempo, ele era
o centro de atenção de todos os presentes no recinto. O veterano, em tom sarcástico,
perguntou:
- Como
é mesmo a história garoto? Conta pra gente!
Johnny,
atordoado com tudo aquilo, começou a relatar sua pueril versão, diante dos
olhares pasmados de seus colegas:
- Pois
é turma! Quando uma criança nasce é uma cegonha que traz do céu!
A
gargalhada foi geral. A maioria da meninada olhou para Johnny, surpreendida com
tanta ingenuidade. O garoto emitia um sorriso amarelo, procurando entender o
que estava acontecendo, quando a molecada caiu em cima dele com cascudos e
safanões, gritando com intensidade:
-
Calouro é bicho! Calouro é bicho!
A
gritaria da molecada chamou a atenção de duas belas normalistas, que vieram
acudir o garoto, repreendendo a todos pela violência cometida.
-
Calouro burro tem que apanhar mesmo! – Disse um dos moleques conhecido como
Pedro Chulé, o qual aproveitou a ocasião para dar umas pancadas naquele garoto,
que ele detestava.
Sem
compreender o motivo de tantos impropérios, Johnny se compôs rapidamente e,
sendo acariciado pelas moças, esboçou um tímido sorriso, agradecendo a ajuda.
Nesse momento Luis Augusto e Eduardo, que estavam em outro recinto, apareceram
e, cientes do vexame, trataram de tirar o amigo de cena, desaparecendo
rapidamente daquele colégio.
Luis
Augusto não conseguia compreender como um garoto tão inteligente como seu
primo, que era o melhor aluno de sua escola, pudesse ser tão acriançado a
respeito de certas coisas. Na volta para casa Johnny foi esclarecido pelos
amigos de maneira rudimentar, sobre a procriação. Incrédulo com tudo aquilo,
protestou com veemência:
-
Minha mãe jamais faria uma coisa dessas! Ela é uma mulher direita e meu pai um
homem de respeito!
Eduardo
ria muito da inocência do amigo e, tratando de convencê-lo que tudo aquilo que
ele acreditava era história da carochinha, disse a seguir:
- Eu
também acreditava nisso quando era pequeno! Meu primo me contou como era a
coisa. Ele já é rapaz e já foi na “zona”!
Eu
acreditei nisso até aos oito anos, quando um menino na praia me contou a
verdade! – Disse Luis, que acrescentou:
- Não
acreditei e perguntei a um primo de minha mãe que estudava medicina. Ele me
explicou tudo, me deu um livro para ler e fiquei sabendo da verdade! Mas você
tem doze anos, Johnny e no final do ano terá treze! Como é que você nunca
percebeu uma mulher grávida?
- É
que nos livros e nos desenhos animados a gente sempre vê uma cegonha carregando
um bebê em um pano, segurado pelo bico! – Disse o garoto, na tentativa de se
desculpar daquele vexame.
- Tudo
para enganar os bestas! Se você quiser saber da verdade, pergunte a algum
adulto, que eles irão lhe esclarecer de tudo. - Argumentou Eduardo.
Johnny
estava bastante confuso e sentia sua auto-estima bem baixa. Foi criado na roça
sem ter um amigo da sua idade, para trocar idéias ou lhe fazer companhia. Havia
apenas três meses que tinha conhecido sua turma, sendo acolhido por eles com
muito carinho. Eram os seus primeiros amigos e jamais tocaram em tal assunto.
Às vezes comentavam sobre namoradas, casamentos e filhos, mas de maneira
romântica, como ideal de futuro. Lembrou-se do que Mipai lhe disse certa vez, a
respeito de uma menina: “Eu vou fazer um filho nela!” No entanto ele não
entendeu, o que o amigo queria dizer e não se preocupou com isso, julgando ser
mais um dos seus gracejos. Depois de se despedir de Eduardo e Luís, o garoto
foi para sua casa, bastante atordoado com os últimos acontecimentos. Eram onze
horas da manhã e naquela hora o tempo estava fechando, prometendo uma boa
chuva. Ele parou em casa dos tios de sua mãe, de quem tinha uma estima
especial. Tentou esclarecer o assunto com suas primas, mas o que ouviu delas
foram deduções evasivas, que o deixou mais confuso ainda. As moças sentiram-se
constrangidas com um assunto tão delicado e deixou as explicações para seus
irmãos. Os primos riram bastante e depois de muitas pilherias, explicaram o
assunto de maneira torpe e pouco convencional.
No dia
seguinte, antes de ir à escola, recebeu a visita do seu tio avô, que ficou
sabendo do dilema do sobrinho. Era um velho espiritualista, grande inimigo de
biblistas, que repelia qualquer tipo de preconceito. Tinha verdadeira aversão
pelos politiqueiros, pelos falsos moralistas e sempre dizia que sua religião
era a Verdade, a qual existia independentemente à sua ignorância. Johnny ficou
encantado com a atenção dada pelo tio, que se deslocou do centro da cidade,
onde morava e veio ter com ele aquela agradabilíssima conversa. Ele sabia
deixar um jovem à vontade e o garoto expôs as suas dúvidas sem
constrangimentos. Ficou ciente de tudo; embora, um tanto decepcionado com a
realidade das coisas. Contudo, houve um pequeno detalhe, que ele considerou
como uma boa aquisição à sua existência. Aquela atração lasciva que ele sentia
pelas meninas, era uma coisa normal e ele podia dar evasão no momento oportuno,
mesmo que fosse de forma virtual. Pouco importava, pois não era ilícito e não
trazia conseqüências futuras. Ele estava dando adeus à sua infância e uma nova
etapa em sua vida iria recomeçar: João Evangelista Bruni Pereira, o Johnny The
Kid deixava de ser uma criança, tornando-se um adolescente. Aquele dia
tornou-se maravilhoso, cheio de imaginações e esperanças no futuro. Ao
anoitecer se recolheu mais cedo e dormiu tranqüilo o sono dos justos, apesar da
nova chuvarada que se abateu sobre a cidade, seguindo por toda a madrugada, terminando
ao amanhecer.
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