J. B. Pessoa
Capítulo - 18 do livro " Guris e Gibis".
A
sessão da matinê terminou às dezesseis horas e trinta minutos, sob a gritaria
da meninada alegre com o programa assistido. Muitos dos meninos que saíram do
cinema permaneceram em sua calçada, reiniciando o comércio de revistas. Mamãe
Eu Quero era o mais animado. A turma ria bastante, quando ele relembrava as
partes mais interessantes do filme, usando gesticulações e sonoridades
esquisitas, pois o menino não sabia ler, o suficiente para acompanhar a rapidez
das legendas e o seu entendimento do enredo baseava-se nas imagens e ação do
filme. A sua deficiência na leitura dos quadrinhos o forçou a ter mais
interesse pelos estudos. Géo e Pé de Pata ficaram caçoando dele por algum
tempo, que zangado, reagiu com uma promessa, já feita a si mesmo.
-
Podem rir a vontade, pois um dia eu vou ser doutor!
- Isso
só depende de você! Deus ajuda a quem se ajuda! – Observou Tõe Porcino, que
gostava muito do primo, acrescentando:
- Como
diz o povo: “Querer é poder”!
A
turma concordou com Porcino, reiterando o conselho. Nesse momento Johnny, que
esperava algum tempo o garoto retomar o caso do relacionamento de Orlando com
Berenice, disse com impaciência:
- E aí
rapaz, termina o caso de Orlando com a menina!
- Ih
turma, já tinha até esquecido!... Onde foi que parei?
- Você
disse que a menina é irmã de leite dele e que a mãe de Orlando tem parentesco
com a família! – Observou Luis com muita curiosidade.
- Ah
sim, agora me lembro – Disse Porcino e retomou a história:
-
Orlando toma conta de Berenice a pedido do pai da menina, pois ela levou uma
carreira do “pegador de meninos”!
-
Nossa Senhora! O que o “pegador de meninos” fez com ela? - Perguntou Mamãe Eu
Quero com ansiedade, pois tinha muito medo do sombrio individuo.
-
“Pegador de meninos” uma ova! Foi Guito Guigó que estava correndo atrás de uma
molecada, a qual havia mexido com ele! Berenice e uma menina chamada Eva Marli
vinham caminhando pela calçada da Rua Silva Jardim, quando deu de frente com
uma porção de meninos correndo. Vendo o doido jogar pedras neles, ficaram com
medo e correram também. Parece que um dos moleques disse pra elas, que Guito
era o “pegador de meninos”.
- Puxa
a vida, Guito Guigó?! – Exclamou Géo, que preferia enfrentar um batalhão a se
meter com Guito. Ele carregava uma pequena cicatriz no coro cabeludo, produto
de uma pedrada do doido, numa ocasião parecida com aquela.
- Pois
é! Orlando, que no momento passava por perto, deu uma de herói. Foi ao encontro
das meninas com os braços abertos, amparando as duas. Guito passou pertinho
deles e não fez nada, continuando atrás dos moleques. Orlando levou as duas pra
casa e, malandro como é, contou o caso a sua maneira. Resultado: o sacana, além
de bancar o protetor da menina, ainda ganha uma boa gorjeta do pai dela.
- E
por que ela confirma que é namorada dele? Isso eu mesmo presenciei! – Observou
Johnny, que andava intrigado com aquilo.
Tõe
Porcino parou um pouco para relembrar os acontecimentos e dar os detalhes
corretos de toda a história, pois detestava os boatos inventados que distorciam
a verdade.
- Aí o
negócio é outro: tem um chato por que anda querendo namorar a menina. É um
sardento tirado a bonito, que estuda no Ginásio do Padre. Ele é chamado de
Marcelo Peru. Você conhece o cara?
- Sim!
Ele anda sempre com Pedro Chulé! – Respondeu Johnny, que detestava os dois
rapazes, pois era sempre hostilizado por eles.
- Pois
é! O sacana tem dezoito anos e quer namorar Berenice, que só tem treze! Vê se
pode?!... Então a menina pediu pra Orlando dizer pra todo mundo, que é namorado
dela.
- Faz
sentido! – Opinou Luís, satisfeito com a explicação.
- Como
é que você ficou sabendo de tudo isso? – Perguntou Johnny, admirado com as
informações do negrinho.
-
Minha mãe é agregada da família e muito amiga da mãe de Orlando.
- É
isso aí, amigo! A gente gostou da sua explicação. – Disse Johnny, apertando a
mão do garoto, demonstrando amizade.
- É
devera! Eu sabia que um cara feio como Orlando, não podia ter uma namorada
bonita como aquela! – Disse Géo, que andava despeitado, com muita inveja de
Orlando. Ele e Pé de Pata faziam parte dos admiradores da garota.
Tõe
Porcino olhou bem sério para os amigos e disse:
-
Berenice é uma menina linda e rica, mas pouca gente conhece o anjo que ela é!
Eu e Orlando crescemos juntos e conhecemos a menina, desde que ela era pequena.
Ela é muito inteligente, educada e sem preconceitos. Eu sei que tem muitos
marmanjos por aí apaixonados pela garota. Acho bom todos tirar seus “cavalinhos
da chuva”, pois a menina está pretendendo ser freira.
- Ser
freira?!... Puxa a vida! Quer dizer que aquele cabaçozinho a terra há de comer?
– Perguntou Mipai em tom de galhofa.
- Olha
o respeito sujeito! Você não tem irmã seu porra? – Gritou Porcino, bastante
zangado com a zombaria do garoto.
-
Minha irmã eu prendo em casa. “Agora quem tem suas novilhas, segure nos
currais, porque o garrote aqui ta pastando!”
-
Deixa de ser besta e toma termos, seu ximbungo, que a menina é de família! Onde
já se viu uma coisa dessas – Bradou Edgar, que detestava a falta de respeito
por moças e senhoras de honra comprovada. Johnny, que também se sentiu
incomodado de ver a menina ser objeto de escárnio, disse em tom de conselho:
-
Rapaz! Você sabe que respeito é uma coisa muito boa e todo mundo gosta disso!
Mipai
desdenhava a opinião do amigo, enquanto Luis lhe esclarecia da necessidade de
respeitar e ser respeitado em todos os sentidos. O garoto falou de moral e
civismo e bons costumes, alertando do dever que cada um ocupa em uma sociedade
democrática. Mipai olhou para Luis com raiva e não gostando da compostura,
disse zangado:
-
Espera aí, sujeito! O que eu disse foi uma brincadeirinha entre amigos. Se eu
estivesse me referindo a uma moça pobre, nenhum de vocês iria se incomodar!
Portanto, não me venha com esse papo de “cu de ferro” pra cima de mim, não,
porra!
- Aí é
que você se engana! Pelo visto não me conhece! Para mim é a mesma coisa! Pode
ser que eu esteja exagerando em minhas explanações, porém não lhe ofendi! Mas
acontece que você aborreceu o seu amigo e deixaram os outros chateados!
Nesse
momento, Pé de Pata Viageira, pressentido que a discussão poderia terminar em
briga, pois Luis estava nervoso e Porcino, visivelmente irritado, entrou para
apaziguar os ânimos. Sabia que Mipai não era um “galo de baixar as cristas”,
por isso disse com seriedade:
- Se é
verdade é ou não, que a menina vai ser freira, ninguém tem nada com isso. Mipai
estava brincando e Porcino não entendeu. Eu estou conhecendo o Luis hoje e
gostei do que ele disse. Só que eu acho uma bobagem a gente ficar discutindo
por uma coisa à toa e todo mundo ficar nessa frescura. Nós somos todos
camaradas! “Um por todos e todos por um”, certo?! Acabou a discussão e fim de
papo!... Onde já se viu isso, Oxente?
Para
encerrar o assunto, usou uma expressão sem sentido, usada pela molecada
jequieense:
-
“Fechou o paquete e amém”!
Os
meninos ficaram calados por alguns segundos e, intimamente, cada um fez a sua
reflexão. Eles tinham consciência que a grande potencialidade de sua turma, era
a sua união e o respeito que um tinha pelo outro. Cada um tinha a sua
singularidade e ao mesmo tempo eram muitos parecidos. Até Luis, que era de uma
classe mais abastada, cuja mãe pertencia à aristocracia soteropolitana, se
identificava com aqueles modestos meninos. Mipai, reconhecendo seu erro, pediu
desculpa a todos, principalmente a Luis, que retribuiu num afetuoso abraço.
Edgar e Porcino também abraçaram Mipai, se desculpando, arrancando lágrimas em
Mamãe Eu Quero que, emocionado, repetiu:
- É
isso aí, turma: “Um por todos e todos por um”!
Nesse
momento o relógio da matriz anunciou às cinco horas da tarde. A turma, com os
ânimos mais calmos, seguiu para a porta do Cine Bonfim, que naquele momento
terminava a sua sessão de matinê, na intenção de flagrar Eduardo assistindo um
“filme de amor”.
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