J. B. Pessoa
Capítulo - 13 do livro " Guris e Gibis".
Johnny
tinha dormido bastante naquela tarde. Ele era o único da garotada, que tinha o
costume de fazer a sesta depois do almoço e, quando acordou às duas horas, toda
a sua turma já tinha ido para o centro no caminhão da prefeitura, comandado
pelo Sr. José Vaz Sampaio. O garoto tomou um banho frio, reanimando o corpo
preguiçoso pelas horas de sono e, com a permissão de seus pais, partiu para
mais uma aventura na folia carnavalesca jequieense. A comprida rua onde ele
morava, estava bastante movimentada, pelas pessoas que moravam nas redondezas,
pois era a principal via de acesso ao centro da cidade. Quando Johnny adentrou
no alto do Maringá, encontrou com o Bloco das Dengosas, subindo a Rua Rio de
Contas, com a Maria Dengosa no comando. Tony de Leda ainda estava com a perna
enfaixada, em conseqüência do incidente acontecido no domingo. Porém não
mancava mais e a sua caracterização da Dengosa estava mais engraçada do que
antes. O bloco encontrou com o da Turma do Barril, que reabastecia o seu
caminhão no Posto Maringá. Os dois blocos se juntaram no bar do posto e a
bebedeira cedeu lugar ao consumo de lança-perfume, deixando o lugar carregado
com a suave fragrância, despendidas pelos pequenos recipientes cilíndricos com
éter perfumado. O bar estava bastante movimentado, com os dois garçons
trabalhando arduamente, para poder atender, além dos fregueses costumeiros,
aqueles bandos de marotos em suas extravagâncias. Em dado momento aparece o
palhaço do Barro Preto, com o seu companheiro fantasiado de urso que, usando o
velho pretexto, de pedir aos foliões uma boa talagada de aguardente, para se
refrescar e acalmar o seu urso, os dois ficaram bebendo de graça o tempo todo,
enquanto divertia a pandegada com suas piadas. O dono do estabelecimento
arregaçou as mangas e foi ajudar os garçons, sonhando com o lucro do dia, pois
os músicos do bloco A Turma do Barril transformou o ambiente num verdadeiro
baile carnavalesco.
Johnny
deixou o bar e seguiu para a Praça Ruy Barbosa, descendo pela Rua Maracás.
Entrou na Avenida Rio Branco e passou pela porta do Cine Teatro Jequié, que
continuava exibindo o famoso filme nacional, com um grande número de pessoas
nas filas das duas bilheterias. A grande sala desse cinema contava com mil e
duzentos e vinte e cinco poltronas e, como aquela matinê era a última
apresentação da película, muita gente, inclusive das cidades circunvizinhas,
que passavam o carnaval em Jequié, aproveitaram a oportunidade para assistir ao
filme, lotando toda a sala de espetáculos. O garoto ia se dirigindo para praça,
quando ouviu o chamado de alguém. Era Tõe Porcino e sua turma, que estava perto
de um caminhão estacionado na lateral do Grupo Escolar Castro Alves, na
companhia de diversos garotos, todos vestidos com a camisa do flamengo. Johnny
se aproximou deles e foi recebido com grande alegria. Tõe Porcino lhe entregou
uma camisa, dizendo:
- Esta
eu guardei pra você, meu camarada!
O
garoto agradeceu a gentileza do amigo e, verificando que, Edgar e Nêgo também
estavam usando a camisa do flamengo, questionou:
Ué!...
Vocês não afirmaram que jamais vestiriam a camisa do flamengo?
Edgar
respondeu, cinicamente, com um provérbio:
- “Em
cavalo dado não se olha os dentes!”
- Além
disso, a gente pode vender por uma boa nota. Ela deve valer, no mínimo, vinte
mil reis e eu já tenho comprador certo para a minha! – Argumentou Nêgo.
Nesse
instante, o relógio da matriz anunciou às quatro horas da tarde e o Sr. José
Sampaio, funcionário da prefeitura, ordenou que a meninada subisse no caminhão,
pois o corso estava começando naquele momento. O Sr. Sampaio estava coordenando
a campanha de um abastado fazendeiro, candidato a vereador naquele ano de
eleições municipais. Como era torcedor do flamengo carioca e tinha simpatias
pelo time jequieense, conseguiu convencer o político a distribuir as camisas
entre a garotada, alegando, que a maior torcida nacional era a desse time.
Argumentou que, embora a garotada não tenha, ainda, idade para votar, na certa
iria influenciar os seus pais. O candidato gostou da idéia e importou do Rio de
Janeiro dezenas de camisas, distribuindo entre a meninada.
O
caminhão deu partida e entrou na fila dos carros, que compunha o corso. Porcino
pegou o seu pandeiro e começou a batucar um samba, que fazia apologias ao time
carioca. A turma o acompanhou, cantando alegremente:
Flamengo
joga amanhã, eu vou pra lá.
Assistir
mais uma peleja no Maracanã!
Os
mais queridos, são Rubens, Dequinha e Pavão.
Eu vou
rezar a São Jorge, pra flamengo ser campeão!
Johnny
ficou algum tempo em cima do caminhão, participando daquela brincadeira sem
nenhuma animação. Notou que Edgar e Nêgo procuravam se esconder no meio da
meninada, para não transparecer que torciam pelo time homenageado. Depois de um
curto tempo, sem dizer nada a ninguém, Edgar pulou do caminhão e desapareceu na
multidão. Em seguida foi à vez de Nêgo. Johnny também queria sair dali, pois
preferia assistir o corso ao invés de participar. Com receio de fazer uma
desfeita com o Sr. Sampaio, colega de seu pai na prefeitura, achou melhor ficar
algum tempo na companhia dos torcedores, louvando o time rubro negro. Mais
tarde, alegando a necessidade de ir ao banheiro, o garoto aproveitou a
oportunidade e deu o fora. Ele foi para a praça, onde ficou por um bom tempo se
divertindo, observando os foliões com suas fantasias hilárias. Logo depois,
tratou de achar um lugar estratégico para ver os carros alegóricos, que
começava a desfilar no corso.
Era
grande o número de pessoas que transitavam pelo centro da cidade naquela tarde.
A folia parecia ferver no baile que acontecia na pista de patins, desta vez
comandada pela banda “Jacó e seus Cadetes”, a qual era financiada pela
prefeitura. Em diversos bares a animação era constante, formando verdadeiros
bailes improvisados. O último dia de carnaval era, sempre, o mais animado e
aquela terça feira não fugia a regra. Carros alegóricos, bandas musicais e
blocos de foliões, patrocinados pelos candidatos daquele ano de eleições, davam
àquela festividade uma conotação mais arrojada do que nos anos anteriores. A
maioria dos trabalhadores brincava com mais vontade no último dia do carnaval,
pois no domingo teria que dormir cedo e cedo acordar para trabalhar no dia
seguinte. Já na terça feira, data real do carnaval e, portanto, feriado
nacional, o folião assalariado podia dar o luxo de amanhecer o dia, pois na
quarta feira de cinzas havia o
privilégio
de acordar mais tarde, devido o costume do comércio só abrir suas portas depois
do almoço.
Johnny
se acomodou em um lugar especial da praça, sentando no grande e largo muro,
conhecido como “Colarinho de Saback”. Ficou encostado em um dos pequenos postes
de luz, situados linearmente em cima do muro. A construção era de estilo
neoclássico, possuindo uma curvatura côncava, formando um grande arco, que
parecia abraçar o parque infantil e a pista de patins. Esse muro foi construído
para disfarçar uma pequena escarpa que, outrora, existia no local, o qual faria
parte do projeto arquitetônico do paço municipal. Atrás do muro havia pista
calçada, a qual servia de via de contorno para os veículos que circulavam na
praça. Na parte central, que ficava no ponto mais íngreme da pequena ladeira,
havia uma escadaria que dava para o parque infantil e a pista de patins, onde
estava acontecendo o concorrido “baile municipal”. O garoto estava contente da
posição por ele escolhida, onde se encontrava, ficando boas horas naquele
maravilhoso entretenimento, pois tinha uma visão panorâmica de toda a praça,
onde podia observar os acontecimentos lúdicos daquele carnaval.
O
corso estava magnífico. Além dos carros particulares enfeitados com motivos
carnavalescos, que já tinham desfilado no domingo, apareceram outros, com
roteiro especial, representando clubes e entidades jequieenses. Johnny ficou
fascinado com o carro do Jequié Tênis Clube, o qual apresentava o rei momo com
as chaves da cidade, ladeado pela rainha do carnaval e suas princesas. O rei
momo era caracterizado por um gorducho, comerciante local e figura notória nas
rodas da boemia. A rainha era representada por uma belíssima morena; uma deusa
do amor que deslumbrou a multidão, com seu busto generoso e porte perfeito.
Johnny imediatamente a reconheceu. Era a linda colombina da batalha de confetes
na tarde anterior. Estava esplendorosa em seu maiô dourado, mostrando suas
lindas e torneadas pernas. As princesas, garotas de quinze a dezoito anos, eram
igualmente lindas, deixando a garotada delirante. O maior sucesso, porém, veio
do Jequiezinho. Era numa grande prancha, puxada por um jipe, na qual foi armado
um grande dragão verde, confeccionado com esmero pelas moças do bairro. Na armação
da alegoria havia um dispositivo especial, o qual fazia mover a cabeça e a
cauda do dragão, quando o carro se movimentava. Em seu dorso estavam montadas
belas garotas, com fantasias de gueixas, odaliscas, musas, ninfas e fadas, numa
mistura exótica de mitologias, as quais arrancavam aplausos da multidão.
Vários
blocos de batucada, financiados pela prefeitura, desfilaram pela praça,
mostrando suas cadências e disciplinada harmonia. O mais famoso era “Bando da
Lua” da Lagoa Dourada, comandado por um famoso capoeirista do largo. A parte
hilariante da tarde ficou por conta de uma figura folclórica da cidade, um
afamado beberrão que, detonando a verba patrocinada, não teve outra saída,
senão sair sozinho, batucando um pandeiro com um cartaz dizendo: “Bloco do solitário”.
A boemia da cidade se concentrava no bar do Joly Hotel, que funcionava no
Edifício Vicente Grillo, o qual ficava situado na esquina da Praça Ruy Barbosa
com a Rua Dois de Julho, bem em frente da construção de um novo prédio, com
dois andares, onde seria instalada a futura Rádio Bahiana de Jequié, a qual
seria inaugurada ainda naquele ano. Johnny saiu do lugar onde estava,
atravessou o jardim e foi para a calçada da Confeitaria Cristal, esperar o
carro do Rei Momo, que juntamente com a prancha do dragão e as batucadas
tiveram um roteiro especial,
para
serem julgados pela comissão do carnaval, a qual ficava um palco armado no
colarinho entre a pista de patins e o parque infantil. Os demais participantes
continuaram no roteiro original, passando pela Rua da Itália. O garoto queria
rever as beldades do rei Mono e verificou, sem nenhuma surpresa, que outros
garotos tiveram a mesma idéia.
De
repente um grande alarido se formou nas imediações do Bar Joly. A meninada que
estava na porta da confeitaria, correu para ver o que acontecia. Três jovens
fantasiados de baianas foram impedidos de entrar no bar, por um grupo de
beberrões, alegando que o recinto não comportava a freqüência de indivíduos
daquela espécie. Um dos jovens chamado Lourival Pereira de Souza, conhecido
como Lourinho, o qual não tinha o costume de acatar desaforos, deferiu um
potente soco em um dos desordeiros, deixando-o completamente desacordado. O
resto dos beberrões partiu para cima do valente homossexual que, exímio na
capoeira, derrubou meia dúzia dos impertinentes, botando o resto pra correr. A
algazarra feita pela meninada foi grande na porta do bar, que vaiaram sem
piedade a turma surrada. Lourinho e seus amigos desapareceram em seguida,
minutos antes da chegada do Tenente Etiene Falcão com uma dupla de policiais,
conhecidos como “Cosme e Damião”, que atuaram os desordeiros, intimando-os a
pagarem os estragos sofridos no estabelecimento.
Johnny
ficou algum tempo ouvindo a resenha da confusão. Quando voltava para a porta da
confeitaria, ouviu o chamado de sua mãe. Ela e Maria de Fátima estavam dento de
um sedan, na companhia de dos tios avós Emilio e Lina. O garoto se aproximou,
pedindo a benção dos dois, ficando encantado com o belo Ford 1946. Maria de
Fátima quis conhecer o carnaval e sua mãe satisfez o seu desejo. As duas
ficaram tomando sorvete na confeitaria e, às vezes, passeava pela praça. Quando
se preparavam para retornarem à sua casa, encontrou os tios, que lhes
ofereceram carona. Era quase oito horas da noite e o corso estava se
dissipando, gradativamente, com o retorno das famílias para seus lares. Dona
Nonna pediu para o garoto entrar no carro, pois a partir daquela hora a praça
ficaria a mercê da boemia. Johnny argumentou que ainda era cedo, pois queria
ficar por ali, ainda algum tempo. Porém, diante da insistência de sua mãe, não
teve alternativa. Entrou no carro, dando adeus ao carnaval daquele ano.
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