J. B. Pessoa
Nicanor
Parreira era um rapaz gentil e educado. Apesar de ser totalmente desprovido de
beleza física, ele jamais entregou os pontos. Fazia questão de estar sempre na
moda e não foi à-toa que ele ganhou como o homem mais elegante da festa,
promovida pela associação comercial no ano do centenário de emancipação
política de Jequié. Não era rico, mas adquiriu algumas posses herdadas de uma
velha tia solteirona e, além disso, o seu emprego no Banco do Brasil lhe
proporcionava um bom salário, levando ele uma vida cômoda e sossegada. Para
melhorar seu corpo raquítico e matar aquela solidão que o apavorava, resolveu
fazer musculação na melhor academia de ginástica da cidade, onde freqüentava as
garotas mais lindas da Terra do Sol. Porém, o rapaz era tímido e sentia muita
dificuldade em arranjar uma namorada, principalmente naquele ambiente de jovens
saudáveis e corpos modulados pela ginástica.
Certo
dia, em uma festa no Jequié Tênis Clube, onde a sociedade comemorava os
carnavais de antigamente, Nicanor foi apresentado uma linda morena de cabelos
encaracolados e belos olhos verdes, chamada de Soledad. Era a moça mais bonita
que ele tinha visto na vida. Alta e elegante, o seu charme chamou a atenção de
todos os rapazes naquela noite festiva. Quando começou a folia, à maneira
antiga, todos fizeram questão de cantar e dançar a sua volta. Nicanor não
gostava daquelas músicas antigas, porém tentou dançar para ficar perto daquela
belíssima jovem. Sendo impedido pela timidez, retirou-se da pista de dança e
foi à varanda do clube, conversar com um colega de trabalho. Fascinado pela
garota, ele comentou:
- Eu
queria pegar aquela morena, mas fico com vergonha de “pular” o carnaval ao som
dessas marchas antigas!
O
rapaz olhou para Nicanor e disse sorrindo:
- Só
tu?!... Todo mundo!... Somente as meninas “pulam” numa boa! Os marmanjos encham
a cara de bebida para encarar o ridículo.
Nicanor,
bastante aborrecido com aquele carnaval fora de época, queixou-se ao amigo:
-
Nunca gostei de carnaval, principalmente do novo carnaval baiano!
- Nem
eu! - Respondeu o companheiro, depois virando para Nicanor, disse a seguir:
– Que
tal a gente ir ao bar e tomar uns uísques!
- Eu
não costumo beber! – Disse Nicanor com relutância.
- É só
pra matar a timidez - insistiu o rapaz, que abraçando Nicanor de lado, o
conduziu até a parte baixa do clube, onde ficava o bar.
Nicanor
resolveu encarar o desafio e ingeriu três doses do malte escocês, ficando
bastante alegre e descontraído. Como ele estava livre do acanhamento, caiu
naquela desvairada folia, dançando a valer e distribuindo simpatias à menina.
Sem o menor constrangimento, paquerou Soledad com muita segurança e acabou
ganhando da menina um sensual beijo na boca! Ficou perdidamente apaixonado e, a
partir daquela data, só tinha um objetivo na vida: Conquistar aquela deusa!
No dia
seguinte, o rapaz tratou de levar a tento o seu objetivo, sendo mais uma vez
obstruído pela terrível timidez. Chegava perto da menina e nada acontecia. Ele
ficava engasgado, a voz não saia e, quando tentava emitir qualquer som, o
nervosismo deixava sua fala fina, coisa que o tornava mais insignificante
ainda. Certo dia, no trabalho, encontrando com o colega, ele se queixou de suas
desventuras e pediu conselhos. O amigo lhe disse sorrindo:
- O
que você tem que fazer é tomar um bom chá!
- Que
tipo de chá?
-
Aquele que passarinho não bebe!
- Ué!
Que chá é esse?!
- O
mesmo chá que você tomou naquela noite em que beijou a menina! Umas boas doses
de uísque.
Nicanor
se lembrou daquela maravilhosa noite, na qual ele se apaixonou por Soledad. Era
o seu primeiro amor. Essas lembranças fizeram com que ele começasse a gostar
das antigas marchinhas de carnaval, indo até em lojas especiais para adquirir
alguns discos. Lembrou-se também da terrível ressaca do dia seguinte.
-
Rapaz! Eu fiz aquilo tudo, porque estava bêbado! Eu não teria coragem se fosse
de outra maneira!
- Pois
é! Quase todo mundo é assim! – O colega admirado com a falta de experiência de
alguém mais velho do que ele, acrescentou sorrindo:
-
Inclusive eu!
Seguindo
os conselhos do amigo, Nicanor Parreira tomava algumas doses de bebida antes de
assediar a moça. Articulava com total segurança que deixava todo mundo
admirado. Porém, a menina não se interessou por ele. Tratava-o com bastante
simpatia e amizade. Mas, namoro que é bom, isso não acontecia. Aconselhado por
outros amigos, o rapaz começou a namorar outras meninas, para deixar Soledad
enciumada. E, de pacato bancário que era, passou a ser um grande boêmio das
noites jequieenses!
O
tempo foi passando e Nicanor, cada dia mais frustrado com a rejeição, foi se
entregando à bebida. Andava constantemente triste e sombrio. As outras garotas
que ele namorava não conheciam o motivo de sua tristeza! Numa certa noite, de
bebedeiras no bar Prosa & Versos, desabafou para o colega bancário:
- Não
sei mais o que fazer!... A morena não quer saber de mim!
- É
porque você não tem carro!...Compre um e você verá como a coisa muda de figura!
– Olhando para Nicanor que estava esmorecido, deu-lhe um tapa nas costas e lhe
disse às gargalhadas!
-
Afinal, gasolina é o perfume predileto das mulheres!
Nicanor
comprou o carro. Espremeu sua poupança e adquiriu um Fiat Uno, duas portas,
novinho em folha. Começou a mudar o seu guarda roupa para peças mais na moda e
de grifes famosas. De boêmio tornou-se um playboy. Aos trinta e cinco anos de
idade, ele andava com jovens, recém-saídos da adolescência, que o apelidou de
Nick Baby. Não deixou de beber. Quando foi forçado pelas circunstâncias do
modernismo imbecil, a usar algo mais em moda, rejeitou de maneira categórica.
Não queria ser taxado de maconheiro! Para curar sua frustração pelo amor não
correspondido, começou a paquerar garotas adolescentes e andar com os garotões
entendidos de carros e corridas. Participava de “pegas”
com
uma turma de inconseqüentes, bem mais jovem do que ele. Um dia, bastante
embriagado, sofreu um acidente sem maiores conseqüências. Aconselhado por
amigos a respeito de suas aventuras automobilísticas, ponderou muito pelo
assunto e deixou de fazer essas extravagâncias desnecessárias; principalmente
porque, a morena que ele amava foi embora da cidade e não havia mais
necessidades dele chamar a atenção de ninguém. Nicanor “sacudiu a poeira e deu
a volta por cima”, como dizia um velho samba. Arranjou uma bonita namorada e
colocou sua vida na direção certa. Continuou freqüentando bares e festas, pois
o pessoal que ele conhecia, gostava mais dele quando o encontrava nas farras.
Não era e nunca foi um bêbado chato! Pelo contrario, quando se encontrava
sóbrio, sua timidez incomodava, porque ficava taciturno e não conversava muito.
Cometia a grande imprudência de dirigir embriagado e seus pequenos acidentes
tornaram-se motivo de piadas. Acabou se tornando uma figura folclórica na
cidade, sendo estimado por todos que o conhecia.
Certa
noite, quando estava farreando, soube por alguém, que Soledad se encontrava
numa festa, em Ipiaú, cidade próxima a Jequié. Não pensou duas vezes.
Despediu-se dos amigos, alegando que estava com dor de cabeça e partiu com seu
velho Fiat para a cidade vizinha. Estava com bastante saudades da bela morena e
queria revê-la mais uma vez. Quando ele se aproximava de Jitauna, pequena
cidade entre as duas, o seu carro capotou de maneira espetacular, caindo em pé,
com a direção voltada para Jequié. Sua sorte foi que ele sempre usava o cinto
de segurança. O teto e a parte direita do carro ficaram bastante danificados!
Porém Nicanor não sofreu o menor arranhão, ficando apenas, por breve instante,
desacordado. Quando veio a si, não ligou para o assunto, pegou uma garrafa de
uísque, que sempre carregava, tomou um bom trago. Ligou o motor, que funcionou
maravilhosamente, partindo para sua inusitada jornada. O susto acometido fez
com que ele tomasse bastante cuidado, dirigindo devagar e olhando sempre em
frente, com muita atenção. Pensando que ainda estivesse em direção a Ipiaú, foi
cantarolando pela estrada. Quando chegou ao alto da colina, na periferia da
cidade e avistou as luzes de Jequié, exclamou com surpresa:
- Puxa
gente!... Como Ipiaú cresceu!
Nicanor
nunca mais encontrou com a sua bela morena. Resolveu mudar de ares e pediu
transferência do seu banco para Salvador. Inteligente como era, Retornou aos
estudos, passando no vestibular da Universidade Federal da Bahia, onde cursou e
graduou-se em Economia. Filiou-se ao PT e fez parte do primeiro escalão do
Ministério de Economia do Governo Lula, freqüentando com louvor, as festanças
da Granja do Torto.
Esse
texto faz parte do livro não publicado “Velhos Tempos Jequieenses”.
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