Já virei muitas páginas na vida. E ainda tenho muitas a virar. Quantas? Não sei. Agora mesmo venho de virar a última página do romance histórico de Wilson Midlej retratando a saga de Anésia Cauaçu, figura singular de bandoleira que chamou a si a responsabilidade de vingar a morte de parentes, comandando 20 jagunços, ou mais, na luta contra os capangas do poderosíssimo Marcionílio de Souza.
Apesar de tratar-se de uma obra de ficção, Wilson Midlej se comportou com muita dignidade, não omitindo as fontes e não esquecendo as aspas que alicerçaram-lhe o imaginário. O que não causou surpresa, levando-se em conta seus trabalhos anteriores como jornalista e cronista. Por tudo isso, o romance de Wilson enriquece sobremaneira obras anteriores de outros autores, pondo em relevo a personalidade forte e injustiçada de Anésia Cauaçu. Coincidentemente, a guerreira do sertão de Jequié, guardadas as devidas e necessárias proporções, chega a lembrar Diadorim, de Guimarães Rosa, no excelente romance “Grande Sertão: Veredas”, um clássico na moderna literatura brasileira.
Comecei a lecionar ainda jovem. No turno matutino, os discípulos tratavam-me como um irmão mais velho. No turno da noite, destinado aos comerciários, bancários e outros profissionais que trabalhavam durante o dia, alguns deles já casados, a situação já se invertia com discípulos mais idosos do que este escriba. Não obstante, minha convivência com alunos jovens e idosos sempre foi excelente. Aprendemos muito. Devo aos meus discípulos o incentivo para que escrevesse a história de Jequié e sua região, partindo praticamente do nada. Paralelamente como as pesquisas feitas na Cidade-Sol, um município quase sem memória, no período de férias, quando ia a Salvador, andei vasculhando dados no Arquivo Público do Estado, o Instituto Geográfico e Histórico, na Biblioteca Central, no Gabinete Português de Leitura e outras instituições, possibilitando-me escrever três livros sobre Jequié e circunvizinhanças, a partir de sua origem e formação. Ao debruçar-me sobre o banditismo que assolava o Sul e o Sudoeste baianos, uma figura extraordinária de mulher que fugia aos padrões convencionais, chamou-me a atenção apesar de rejeitada por uma historiografia elitista e preconceituosa. Como de hábito, escritores da época não tinham pejo de zurzir nos costados dos que, sem opção, tornavam-se bandoleiros, após serem expulsos de suas propriedades pelos jagunços dos coronéis. O cinema norte-americano sabe dourar a pílula da maioria dos filmes que tratam da ocupação das terras pelos migrantes da Inglaterra. Capricha no enredo, a ponto do espectador comum encarar com naturalidade o massacre das tribos indígenas viventes na região.
Em artigos que datam da década de 1960, estribado em nova visão sociológica, tirei Anésia Cauaçu do limbo. Wilson Midlej e Antônio Luís Martins projetaram um filme sobre Anésia, que não chegou a ser concluído. Novas pesquisas, mais didáticas e com mais apuro, realizadas por outros autores, resultaram em livros, aos quais tive a oportunidade de me referir em artigos anteriores. A eles, juntamente com agora o excelente romance de Wilson Midlej, tendo como título “Anésia Cauaçu. Lenda e História do Sertão de Jequié”.
Melhor ficar por aqui e virar mais uma página na longevidade da existência. (Por Emerson Pinto de Araújo*)

*Emerson Pinto de Araújo é professor, historiador, escritor, cronista. Foi vereador de Jequié, presidente da Câmara Municipal, Professor de História da Educação e Sociologia Educacional na Escola Normal de Jequié. Fundador da Associação Cultural Dante Alighieri, do Conselho Comunitário, da Associação Jequieense de Imprensa, Integrante do Comitê Cidades Irmãs Jequié – Takoma Park, da Academia de Letras de Jequié. Venerável da Loja Maçônica União Beneficente, presidente do Rotary Clube do Jequié. Em 1977 ingressou no Rotary Clube da Bahia. Governador do Distrito 455, 1990-1991. Secretário de Governo Prefeitura Municipal de Jequié. Chefe de Gabinete do secretário de Educação do Estado da Bahia, 1983-1987. Redator do Jornal A Tarde, assessor e chefe de Gabinete do Conselho Estadual de Educação e da Secretaria Estadual de Educação e Cultura. (Revista Bahia em Foco)