quinta-feira, 8 de junho de 2017

Beto Martins, Música Sem Fronteiras.

                            Charles Meira


Quando termino uma matéria para a revista Cotoxó, sempre tenho na mente outro tema que considero relevante para apresentar a sociedade Jequieense. O escolhido foi o conceituado baterista e meu amigo Bené Sena. Todas as vezes que tentei marcar uma entrevista com o músico, calmamente e cordialmente não aceitava e rapidamente dava uma opção de alguém para substituí-lo. Em outra ocasião, encontrei novamente com Bené na Banca de Antônio e insisti em fazer a entrevista. Segurando meigamente no meu braço, o artista falou baixinho que a entrevista deveria ser feita com um jovem e talentoso baterista chamado Beto Martins, uma real promessa na música da Bahia. O tempo passou e recentemente Bené me emprestou a conceituada revista Modern Drummer, para ler uma matéria nela publicada, feita por Fábio Marrone com o baterista Jequieense Beto Martins. Através da sua indicação deste interessante assunto para publicar na revista Cotoxó ou no Blog, inteligentemente Bené conseguiu adiar novamente a desejada entrevista do seu amigo Charles Meira.


         “Beto despertou para música muito cedo. Pouco antes de completar 10 anos, sua irmã começou a estudar violão clássico e acabou tendo contato diário com um instrumento musical. No entanto, sua história com a bateria começou em um momento muito triste da família, quando seu tio de quem herdou o nome, faleceu. Talvez ele tenha sido sua maior influência, pois era ele que sempre tocava nos encontros da família. Foram para o velório em Minas Gerais e, quando arrumava as malas para voltarem para a Bahia, seu primo Guga, o presenteou com a bateria que seu tio não usava mais. Então, aos 15 anos, Beto conseguiu a bateria que tanto queria, já que desde pequeno, assistiu a todas as passagens de som das bandas que tocavam na sua cidade e quase nunca tinha a oportunidade de encostar-se à bateria.  O interesse do jovem era tanto pela bateria que em pouco tempo passou a tirar músicas de ouvido e a tocar acompanhando os discos. Em seguida passou também a estudar videoaulas e livros didáticos. Aos 17 anos começou a tocar em bandas da cidade e acompanhar artistas locais, até que um dia Beto estava tocando em um lugar e quem estava na platéia era Benedito Sena, grande baterista Jequieense que estava morando em Salvador e que, naquele período, estava retornando pára Jequié. Sena foi muito importante para sua carreira. Deu muitas dicas e influenciou completamente a sua forma de tocar. Foi Benedito que o iniciou como ouvinte na música instrumental brasileira e no jazz. Copiou CDs do Zimbo Trio, Edilson Machado, Miles Davis... e deu a Beto, entretanto outro dia ele avistou um CD de John Coltrane no armário de Bené, apontou para o disco e falou: ”E esse aqui, Benedito” Ele respondeu: “Ta cedo! Leve os que estou te mostrando”.
 

Depois de um tempo, Benedito disse para o jovem músico: “Beto tente ir para Salvador; tem um baterista que foi meu professor e você pode estudar com ele!”. Martins seguiu os conselhos de Sena. Juntou o dinheiro de shows que fazia e viajava 365Km uma vez por mês, passava quatro dias estudando em Salvador e retornava para Jequié. Permaneceu por quase três anos estudando com o professor Eddie Cameron, estudado em Salvador e morando em Jequié.
Durante as suas idas para Salvador, acabou se apaixonando pela cidade. Ia para shows de música instrumental, workshops, festivais coisas que em Jequié nem sonhava acontecer. Foi fazendo contatos, juntando dinheiro e por volta de 2002 resolveu mudar para Salvador. Chegando à capital, em menos de três meses começou a tocar na noite por meio de Rafael Catatau, tecladista e grande amigo dele na infância que já tocava com diversas bandas e o inseriu no meio musical da capital. Parece que foi ontem, mas já se passaram 14 anos.


             Beto sempre foi muito dedicado aos estudos e uma percepção da música como profissão. Com isso começou a ser frequentemente procurado para aulas. Como já havia lecionado durante os últimos anos em que viveu em Jequié, resolveu dar aulas na casa onde morava na região central de Salvador. Após uma rápida pesquisa pela internet, constatou que Salvador era uma das poucas capitais que não tinha uma escola especializada em bateria e ficou com a idéia de abrir uma. Mas como sempre viajou muito como sideman, acabava deixando o projeto da escola em segundo plano. Um dia, após uma viagem exaustiva, chegou na sua casa e pensou: “ Até quando vou aguentar esta vida”? Enfim, como alguns dos alunos que teve haviam estudado com baterista Marcel Freire na Pracutum (escola de música do músico Carlinhos Brown) e todos falavam bem, ligou para o Marcel e perguntou se ele tinha interesse de montar uma escola de bateria. Ele disse que topava e que já tinha um espaço que estava inacabado. Estruturaram e montaram o instituto que além de funcionar com os bateristas de Salvador, tem recebido alunos do interior do Estado e também estrangeiros, já que em Salvador aparecem muitos músicos de fora interessados em música brasileira. A escola também já realizou diversas clínicas com inúmeros músicos, como Aquiles Priester, Kiko Freitas, Marcio Bahia, Carlos Ezequiel, Cristiano Galvão, Marcelo Martins, Alejandro Avilés, Douglas Las Casas, Vandinho Carvalho, Hernan Voyzuk, Victor Brasil e Marcio Dhiniz.


Após o seu envolvimento no cenário da música instrumental da Bahia, Beto Martins na sua opinião, em Salvador tem grandes músicos como: Mou Brasil, Zeca Freitas, Joatan Nascimento, Letieres Leite, Ivan Huol, Chico Oliceira, Fred Dantas Jurandir Santana, Marcelo Brasil e sempre tocaram e fomentaram a música instrumental, e muitos deles continuam, porém compreende que, com a ascensão da Orkestra Rumpilezz, mais orquestras têm se movimentado. Observa mais músicos, interessados em tocar música instrumental, e percebe que muitos deles começaram a acreditar mais nos seus projetos. Entende também que não só os brasileiros como os estrangeiros passaram ater mais interesse pela música instrumental baiana, principalmente as de raízes afro-brasileiras. Já o interior da Bahia é muito mais carente de música instrumental. O grande saxofonista e professor Rowney Scott organiza anualmente o Festival de Jazz do Capão, que é fantástico, sobretudo por ser no Capão, lugar mágico da Chapada Diamantina.


Observa que em Salvador existem projetos interessantes e de sucesso, como a Jam no MAM, uma jam session que leva cerca de mil pessoas todos os sábados para o Museu de Arte Moderna da Bahia, e acontece há quase duas décadas. Alguns festivais – destacaria o Festival de Música Instrumental da Bahia, que acontece anualmente e do qual teve a honra de participar com o meu show em 2015, na vigésima edição. O Festival da Rádio Educadora, anual, que trata e premia a música instrumental da mesma forma que a música com letra.
Em sua apreciação, a situação do artista que faz música instrumental em Salvador ainda é complexa e com poucos espaços para fazer trabalhos autorais, mas é otimista e acredita que tem melhorado muito. Beto diz que é necessário que o Estado cumpra cada vez mais o papel de fomento à arte e que os produtores culturais se preocupem mais com a formação de platéia e menos com o imediatismo com do dinheiro arrecadado por um determinado projeto aprovado por lei de incentivo. Até porque, do jeito que o nosso país está indo, não sebe até quando essas leis durarão. É preciso de mais produtores interessados em arte, porque sabe e reconhece que os músicos, têm dificuldades de organizar seus eventos, correr atrás de apoio etc.


       Dificuldades foram acrescentadas também na ocasião da realização do seu trabalho acontecer mesmo, período que Beto batalhou feito um louco. No seu primeiro CD, fez todas as composições, arranjou, mixou, fez toda a produção artística e executou, colocou em todas as plataformas digitais, editou etc. Acabou fazendo quase tudo, exceto as fotos, que foram feitas por Chris Duk, a masterização por Marcelus Leone e a arte gráfica por Daivert Santos, parceiros que o ajudam sempre.
Quanto ao processo de composição do seu trabalho autoral, Beto Martins não é muito sistematizado. Cada música acaba sofrendo um processo diferente, porém na maioria das vezes, compõe no violão. Quando inicia a composição em outro instrumento, como o piano, por exemplo, acaba sendo menos racional e isso às vezes é bom, porque as regras e a consciência, às vezes, atrapalham na hora de compor. Mas tem músicas que surgem andando na rua, a de uma primeira melodia, de um riff ou de uma idéia rítmica. Apesar de ser baterista, Beto nunca fez uma música a partir de algo que criou na bateria. Estranho, não é? Geralmente faz com o violão, depois define as formas, faz os arranjos com instrumentos virtuais, faz as partituras e, por fim. Convida os músicos. No seu primeiro CD, Músicas sem Fronteiras, gravou separadamente. Gravou as bateras em um estúdio no interior, depois convidou os músicos e eles substituíam os instrumentos virtuais. Para o seu próximo trabalho, já está terminando as partes de todos e pretende fazer uns dez shows antes de entrar em estúdio e registrar com todos tocando juntos.


Atualmente Beto Martins tem estudado violão clássico por estar cursando licenciatura com habilitação em violão e, de certa forma, isso tem mexido bastante comigo. Também tem estudado percussão afro-brasileira e isso tem o influenciado muito, sobretudo na hora de compor. Quanto a influencia dos músicos e seus trabalhos, Beto destaca alguns, como o álbum Time Tales, do trio do batera Jeff Ballard com Miguel Zenon e Lionel Louek, um guitarrista muito original que ele adora. Os álbuns do Brian Blade com o The Fellowship Band, a música do grande Tutty Moreno com Joyce, principalmente o álbum Samba Jazz e Outras Bossas; o disco ao vivo do Eric Harland chamado Voyager Live By Night: o batera Mark Guiliana, especialmente nos trabalhos com Brad Mehldau e da cantora Gretchen Palarto; Munir Hossn com o percussionista Adriano DD Tenório no álbum Indígena Jazz; o show Magiô, do quarteto de Tito Oliveira; a música da Orkestra Rumpilezz; o CD Maghreb and Friends, do guitarrista Nguyên Lê; os trabalhos do Hamilton de Holanda; a música de Hermeto Pascoal, de Egberto Gismonti; os álbuns solo de Dafnis Prieto, Karim Ziad, Ari Hoenig. Segundo Beto tem muita gente e tanta música boa que é até difícil fazer uma seleção, mas todos o têm influenciado de alguma forma.


Além de muito estudo no campo musical, Beto Martins tem feito alguns workshops, porém com formatos predefinidos para que os works fiquem menos superficiais e que diminuam um pouco a idéia de que workshop é um evento de exibicionismo, e não algo com fins didáticos. Foi para os últimos dos americanos que estiveram aqui e eles só faziam tocar com play-alongs e responder a um monte de perguntas, muitas vezes rasas, ou falar da vida e carreira, que não deixa de ser importante, porém acredito que tenham muita informação para passar e o formato de workshow acaba atrapalhando. Acabou montando alguns formatos para cada situação: quando o evento não tem uma relação com as marcas que o patrocinam, estrutura um roteiro e vai esmiuçando tudo que utilizou em cada composição que apresenta. Fala das formas das músicas, dos padrões que utiliza como: fraseado, criação de solos, polirritmia, linguagem para cada estilo de música, os ritmos usados e suas adaptações para outras métricas, técnica etc. Porém, tem acontecido muito de escolas – ou grupos de bateristas – de cidades em que vai tocar reúnem uma turma e o convida para uma aula em grupo! Nesses casos, quando eles não escolhem os assuntos, Beto tem duas clínicas montadas; uma que chama de Música sem Fronteiras, com um formato parecido ao do seu workshop, mas com apostila e com a interação dos alunos tocando. E o segundo formato, em que trabalha técnica, fundamentos básicos da música, ritmos brasileiros até métricas ímpares e fraseado cíclicos para serem aplicados sobre música pop e música brasileira, tudo a depender do nível da turma.
Fazem parte dos planos futuros de Beto Martins, disponibilizar no YouTube dois DVDs prontos: a Música sem Fronteiras ao Vivo e o lançamento em breve do Drum Session, em que registrou a gravação de bateria de nove músicas. Ultimamente tem trabalhado bastante no projeto de um livro play-alog. Fez um esboço do projeto e, no final do ano passado, enviou para uma editora internacional e eles se mostraram bastante interessados. Também está terminando as composições do seu novo CD, que sairá em breve e terá a participação especial da cantora francesa Sabine Kouli e de um grande saxofonista americano, sobre quem não falou para ficar como surpresa”.

* Matéria publicada na Revista Cotoxó de maio de 2017.

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