Charles Meira
Depois de
vários contatos através de telefone, facebook, pessoal e um passeio dominical para
localizar sua residência, foi realizada na manhã do dia 25 e na tarde de
26/09/16 esta entrevista muito solicitada.
Após
conhecer detalhes dos seus automóveis, um Gurgel XEF ano 1985 cor azul, um
Tupy-Buggy ano 1970 cor vermelha e um Ford KA ano 2000 cor
dourado estacionados
na garagem, fui para o local onde o entrevistado passa o maior tempo do dia.
Antes de iniciar o bate-papo, o presenteei com um dos meus
CD”s, que gentilmente recebeu, agradeceu e de imediato deu a sua empregada, uma
amante da música evangélica, porém fiquei na obrigação de levar outro CD para
ele na próxima visita. De olho no bolo recheado que estava na minha frente,
iniciei a entrevista.
Mário Alves Filho, conhecido carinhosamente por Marinho, é músico, cantor,
compositor, escritor e advogado. Nasceu em Itagibá – BA em 01/08/1947, filho de
Mário J. Alves e Mariaelita Souza Alves, casado com Francisneide Souto Alves,
pai de Marine Souto Alves e Jade Alves Pazzos e avô de Jasmim Alves Pinheiro e
Jade Alves Pazzos.
Como a música predominou na trajetória da sua vida, demos maior ênfase
sobre este tema na entrevista. Um fato interessante marcou o começo desta
caminhada. Quando criança com aproximadamente sete anos de idade, passeava com
seu pai no centro comercial da cidade de Itagibá-BA, quando viu exposto em uma
loja chamada “Casa Marrocos” uma gaita pequena. Imediatamente pediu para ele o
instrumento de presente. Seu pai ponderou, pois o filho não sabia tocar, entretanto
propôs um desafio ao menino. Daria o presente se ele tocasse uma música. Mário
aceitou a provocação e mesmo imperfeitamente tocou a música “Asa Branca” de
Luiz Gonzaga, sem nunca ter um ensinamento musical. Impressionado com o talento
do garoto, o dono da loja chamado Clovis de Marrocos foi quem deu a gaita para
Marinho.
No início de 1954, Mário mudou-se para Ipiaú-BA e começou a tocar a
gaita. Por causa do seu talento executando o instrumento, encantava a todos na
escola onde estudava. Motivado pelo
sucesso alcançado na instituição de ensino, o menino foi convidado na época para
participar em um show do cantor e sanfoneiro Luiz Gonzaga, realizado na praça
principal do município. Na oportunidade, Marinho tomou parte como cantor,
interpretando a música “Não Meta a Mão no Buraco do Tatu”. Para tirar minha
curiosidade, o músico cantou a musica executada na época, demonstrando estar
com ótima memória.
Em agosto do mesmo ano, quando faleceu o presidente do Brasil Getúlio
Vargas, a família Alves morava em Jequié-BA na Avenida Rio Branco. Logo se
tornaram membros da Primeira Igreja Batista, ocasião que o Sr. J. Alves usou o
seu talento para pintar o batistério do templo. Não demorou em Marinho se
destacar cantando e tocando na igreja a gaita pequena que havia ganhado do Sr.
Clovis Marrocos em Itagibá e uma grande presente do seu pai. Além de tocar
gaita, Mário cantava no coral infantil e participava de apresentações nas
classes da Escola Bíblica Dominical, fazendo teatro e artes em geral.
Antes de ir para Salvador no início da década de 60, o talentoso jovem
não contentando com as aptidões que tinha, resolve também aprender a tocar
violão. Mário pediu o instrumento para seu pai, que de pronto não concordou com
a idéia, pois achava que o filho iria ser um boêmio e o alertou dizendo que se
ele aparecesse com um violão quebraria na sua cabeça, uma ameaça feita somente
da boca pra fora. O velho também não
concordou com o pedido e o repreendeu, porque gostava de freqüentar e cantar na
Estação da Estrada de Ferro, local onde o violonista Geminiano Saback, Saturnino
e os cantores de seresta, Umberto Biondi, Vavá Lomanto, Geraldo Teixeira
cantando a música “Marina”, Enzo Limonji, dentre outros que frequentavam a
“Barraca de Dona Filipa. Naquela ocasião,
Marinho não contrariou a opinião do seu pai, entretanto quando começou a
trabalhar de Office-boy em Salvador-BA, ganhando meio salário mínimo, comprou à
prestação o seu primeiro violão, que com a ajuda de um método iniciou o
processo de aprendizagem.
Na mesma década, retornou para Jequié e levou o violão para a casa de
amigo de infância chamado Nilton Muniz, que mais tarde foi contrabaixista do “Conjunto
Bossa 6”, receoso de o seu pai cumprir a promessa de quebrá-lo na sua cabeça, caso
aparecesse em casa com o instrumento e também porque era um local adequado para
sempre frequentar e aperfeiçoar o trato com o violão. Passados alguns meses, Mário
levou o violão para sua casa e mentiu para o senhor J. Alves, dizendo que um
amigo tinha lhe emprestado. Por muito insistir, conseguiu mostrá-lo o que tinha
aprendido na casa dele e comprovar para o velho o seu aprendizado. Paulatinamente,
Mário conquistou também a confiança do pai, o que facilitou contá-lo o mais
rapidamente à verdade e também pedir para o instrumento permanecer na sua casa.
O relacionamento musical entre eles foi ficando tão harmonioso, que em certos
momentos quando estava tocando o senhor J. Alves sentava e ficava escutando. Em
uma desta ocasião, a pedido dele cantou uma música acompanhado por Mário e a
partir daquela data, o velho começou a aprender sozinho a tocar violão.
O envolvimento teatral na Primeira Igreja Batista quando chegou a Jequié serviu
de aprendizado e despertamento para em conjunto com a música envolver-se também
nesta área. Na mesma época que aprendeu
a tocar violão, foi integrante de um grupo teatral dirigido por Robinson
Roberto. Os ensaios aconteciam nas casas paroquiais da Igreja Matriz de Santo
Antônio e da Igreja do Perpetuo Socorro no bairro do Jequiezinho. A peça
teatral encenada pelo grupo que obteve maior sucesso foi “O Bumba Meu Boi” de
Capinan e Tom Zé, que foi apresentada em Jequié, Vitória da Conquista, Itabuna
e Itapetinga com o elenco formado pelos seguintes componentes: Mariluza,
Robinson Roberto, Mário, Derval Barros, Rivando, Conceição e outros que no
momento não conseguiu lembrar.
Por volta do ano de 1963, apresentou-se em Jequié uma orquestra que tinha
uma dançarina de rumba chamada “Bola Sete”. Na época com 16 anos de idade,
Marinho foi convidado para abrir o show com o violão. O evento era apresentado
pelo radialista Geraldo Teixeira. Na oportunidade, Mário cantou a música “Rock
do Sacy”, composição gravada na época pelo famoso cantor da Jovem Guarda
Demétrius. Quando Geraldo disse; “com vocês, ele, Mário Alves Filho, Marinho”. Foi
recebido com uma grande vaia, entretanto Mário não desistiu, cantou a música e no
final foi aplaudido pelo público que lotava o Cine Auditório.
Provavelmente no início do ano de 1965, ocasião que conheceu os músicos
Jaime Luna (de saudosa memória), um exímio acordeonista e compositor, Milton,
filho do gerente do Banco do Brasil, um excelente solista de violão elétrico,
Nilton Muniz, que gostava de contrabaixo, Ronaldo Ganso, baterista, Benedito
Sena, percussionista, Edson Almeida (de saudosa memória), que tocava uma
guitarra havaiana feita por ele, surge o “Conjunto Musical Atalaia”, que Mário
participou no violão ou acompanhamento. Meses depois Milton deixou o grupo, porque o
banco transferiu seu pai para outra cidade, assumindo no seu lugar o jovem
violonista solo Judimar, mais conhecido como Boneco. O “Atalaia” tocava em casa
de amigos, aniversários e chás dançantes no Jequié Tênis Clube. Com esse nome,
o conjunto durou em torno de seis meses. Posteriormente com o nome de “Bossa 6”, em
homenagem a Bossa Nova que na época estava no auge. Mantendo os mesmos componentes
o conjunto foi profissionalizado e devido à excelente aceitação começou a ser
contratado para tocar com frequência em Jequié e nos municípios da região. Mesmo
na época recebendo um cachê fixo nas apresentações, os recursos financeiros eram
insuficientes para adquirir os violões elétricos e o conjunto teve que
substituí-los por guitarras fabricadas numa carpintaria localizada na Avenida
Lomanto Junior. Posteriormente com o equilíbrio das finanças e mais estruturado
o grupo comprou instrumentos de melhor qualidade. “O Bossa 6” também adquiriu
uma Kombi e nela foi pintada a face de cada componente, feito pelo artista Lula
Martins, trabalho que chamava a atenção de todos onde o veículo passava.
Durante a existência do grupo, aconteceram outras mudanças na formação do
grupo. Saiu Ronaldo Ganso, baterista, assumindo Bené Sena, que era percursionista.
Saiu também Edson Almeida da guitarra havaiana e o acordeonista Jaime Luna passa
a tocar escaleta e entra os saxofonistas Heron e Ivan Dias. O sucesso e o
reconhecimento do “Conjunto Bossa 6” na Bahia, foi culminado com a apresentação
na TV Itapuã no programa intitulado “Sabatina da Alegria”, onde disputou com os
conjuntos “Os Lordes” de Itabuna, “Oliveira e seu Conjunto” de Castro Alves,
“Os Dedos de Ouro” de Juazeiro, “Raulzito e seus Panteras” de Salvador, dentre
outros e ficou colocado em primeiro lugar, sendo considerado o melhor conjunto
musical da Bahia. Na ocasião da realização deste evento, as pessoas de Jequié
reuniram-se em casas de visinho para assistir a apresentação do programa, pois
poucos lares da cidade tinham televisores. Reconhecendo a importante vitória do
grupo no evento, quando do retorno para Jequié, foram recebidos por muitos
conterrâneos na localidade da Suíça e também homenageados com a realização de
uma festa no Jequié Tênis Clube, principal organização da cidade. Depois
deste evento, o conjunto continuou sua carreira musical normalmente, inclusive
tocando nas manhãs de domingo no programa “Os Brotos Comandam”, apresentado por
Umberto Roosevelt e posteriormente pelo próprio
Marinho.
Por decisão da maioria dos componentes, em meados do ano de 1967 o nome do
“Conjunto Bossa 6” mudou para “América Hippies” e foi para o Rio de Janeiro
aventurar uma carreira mais alta. A decisão não foi aceita por Marinho que
deixou o grupo.
Na época já existia na cidade alguns conjuntos musicais a exemplo de: “Os
Ímpares”, “Capítulo 5º”, “The Byrds” e outros. Com a saída de José Pinheiro, contrabaixista
do conjunto “Os Ímpares”, Marinho foi convidado para substituí-lo e prontamente
aceitou. Os membros do conjunto eram: Reinaldo Pinheiro, guitarra base, Binho
Vieira, guitarra solo, Marinho, contrabaixo e Reinaldo Falcão (de saudosa memória),
bateria. “Os Impares” tocou na Bahia e também em cidades de Minas Gerais. Com a
saída do solista Binho Vieira, entrou o seu primo Gilberto Vieira (Gazo). O conjunto terminou no início dos anos 70,
ocasião que a maioria dos seus componentes foram estudar em Salvador-BA.
Com o término do “Conjunto Os Ímpares”, Mário adquire a boate “Jequequé”,
localizada na Avenida Alves Pereira, que devido à perseguição de um morador
chamado Idefonso Guedes foi fechada, levando o proprietário à falência. Na mesma
década, sem saber por onde recomeçar sua vida recebe um convite de Betulino e Milton
Pithon para tocar no “Conjunto Kynta Dimensão”, grupo composto por: Betulino guitarra
base, Gilberto Vieira guitarra solo, Tonhe Gatinha bateria, Milton Pihton contrabaixo,
Marinho teclados e Valfrêdo Dórea cantor
Durante a sua trajetória musical, Marinho também tocou nos conjuntos “Os
Fonda” e no “Embalo 4”. Participou de Festivais de Música no IERP, tocando no “Conjunto
Kynta Dimensão” e como jurado no “Festival dos Brotos”. Como compositor,
participou de um festival no ginásio de esportes Aníbal Brito intitulado
“FestWalter”, época que Walter Sampaio era prefeito de Jequié. Neste festival,
Mário cantou a música de sua autoria intitulada “A Rua da Saudade”, que ficou coloca
em primeiro lugar e também foi eleito o melhor interprete. Na oportunidade,
estava representando o prefeito o jornalista Kleber Barreto (de saudosa memória),
que prometeu no outro dia entregar o premio no gabinete do prefeito. No dia
seguinte, Mário foi à prefeitura e foi recebido pelo secretário da fazenda
Miguel Caricchio, que não pagou o prêmio porque ele era adversário do prefeito.
Mário conseguiu falar com o prefeito e exigiu dele explicações, entretanto
Walter respondeu que o problema era com o secretário. Este fato na ocasião
deixou Mário muito decepcionado com os dois, entretanto perdoou as pessoas
citadas.
Deixando o “Kynta Dimensão”, Mário comprou o restaurante “Ulabalú” no Parque
de Exposições Luiz Braga. Devido à localização do comércio e o perigo de
assalto ao deixar o local tarde da noite com o dinheiro arrecadado, resolveu atender
ao pedido de sua mãe e vendeu o estabelecimento no final de 1975.
No seu projeto de vida incluiu a política, na qual foi eleito vereador
por duas vezes e perdeu quando concorreu para o cargo de prefeito. No governo
de Luiz Amaral, exerceu os cargos de Secretário de Comunicação, Procurador
Geral do Município e de primeiro presidente do Instituto de Previdência dos
Servidores da Prefeitura Municipal de Jequié (IPREJ.)
No ano de 1977, juntamente com o cantor e compositor João Mendes
adquiriram o “Barguilha”, localizado na Avenida Rio Branco, próximo da Praça do
Viveiro, onde funcionava bar, Restaurante e tinha um espaço reservado para
apresentações musicais.
No final de 1978, Mário é aprovado no vestibular para Direito na UESC
em Itabuna – BA e depois de formado passa a exercer a profissão, entretanto não
abandona a música, tanto que continuou tocando com os amigos Geminiano Saback e
Osmar do violino em vários eventos familiares e participando do grupo “Medida
Provisória” com João Mendes, Tiete e Jairo dos Teclados. Gravou também em maio
de 2005 o CD “Comida dez Fome Zero” no AEC Studio em Jaguaquara – BA, que teve
a participação especial de: Célia Maris, João Mendes, Marine Alves e José
Roberto Lobo.
Também exercendo a Advocacia, Mário foi cronista do programa jornalístico
na Rádio Bahiana de Jequié no programa de João Mendes, durante 112 dias. Ao
escrever uma crônica denominada “Vende-se a prainha, quem quer comprar?”, desagradou
a direção da empresa e foi dispensado. Além das crônicas na rádio, Marinho escreveu
dois livros intitulados: “Gozando com a Língua” e “Gozando com a Língua,
Revisão da Primeira Gozada”, ambos com a participação do cartunista Carlos Éden
Meira. No forno, encontra-se escrito um livro em parceria com escritor Émerson
Pinto de Araújo e Robinson Roberto sobre a História de Jequié, que tem o apoio
da Academia de Letras de Jequié. Mário também ficou conhecido pela publicação
do escrito denominado de “Jacuzada”, feito com uma boa dose de humor logo após
a apuração das eleições.
Hoje, Mário continua curtindo a música em sua casa tocando o seu teclado,
especialmente quando aparecem amigos para visitá-lo e apaixonadamente também o vovô
acompanha sua netinha Jasmim Alves que adora cantar. Depois de encerrada a
entrevista, a pedido de Mário, sua esposa Francisneide, serviu para Charles
Meira uma fatia do bolo que estava na sua frente e dele não tirava o olho.
* Texto editado na "Revista Cotoxó" de Outubro de 2016.
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