Charles Meira
No domingo
06/01/13, quando chegava na casa de tia Lulu, no bairro do Mandacaru, para
visitá-la, fui abordado pelo amigo João Quintino, que revelou ter lido uma
matéria publicada na Revista Cotoxó, falando sobre Cely Meira. Depois de um
abraço, elogiou enfaticamente o texto, porém questionou ter falado pouco da Carpintaria
Antônio do Carmo & Irmão e da Serraria Santo Antônio e dos seus baluartes.
Entramos na casa de tio Hércules dialogando sobre o assunto, porém meus
argumentos não mudaram a sua opinião. No domingo seguinte fui à residência de
João acompanhado do meu amigo Zequinha, ex-colega da Coelba. Numa visita
rápida, anotei o telefone dele e prometi ligar para marcar o dia e horário de
entrevistá-lo sobre o assunto, que de acordo o seu entendimento estava
incompleto. Liguei e marquei. No dia 16 de janeiro, às 8h30, como combinado, iniciamos
um bate-papo descontraído e emocionante com João Quintino Neto, nascido em
Jequié-BA em 03/09/1931, sentados a uma mesa no quintal da sua casa.
Em toda conversa,
João falou principalmente da figura de José Barros Meira, que nasceu em
02/12/1921 na cidade de Livramento de Nossa Senhora – BA, um dos principais
baluartes no ramo de carpintaria e serraria em Jequié-BA. José concluiu apenas
o primário, pois começou a trabalhar muito jovem. Na adolescência foi aprendiz
e ajudante do seu pai Cely Meira na marcenaria em Jitaúna-BA. Quando completou
20 anos de idade, adquiriu um caminhão de seis rodas da marca International e passou
a exercer a profissão de Motorista. Na companhia do seu fiel ajudante Antônio
de Jesus Santos (Ciara), que nasceu em 15/01/1926 na cidade de Rui Barbosa-BA, transportava
cacau dos distritos de Rio Branco, hoje Itajurú, Barra Avenida e das cidades de
Itaji-BA e Ipiaú-BA para Jequié-BA, onde vendia a mercadoria para a empresa
Correia Ribeiro e outros armazéns do mesmo ramo existentes na cidade.
Nesta época
trabalhavam no mesmo ramo os motoristas João Buzina, Cristóvão, Oscar das Cobras,
Diógenes e Antônio Baota. Em seguida, José vendeu o caminhão e foi trabalhar
também como motorista, em uma empresa do mesmo ramo, dirigindo um caminhão
Dodge, transportando cacau na região de Itabuna-BA e Ilhéus-BA.
A Carpintaria
Antônio do Carmo & Irmão, localizada na Rua Santos Dumont, próxima da casa
da família de Geraldo Teixeira, foi o desafio seguinte de José, seus irmãos e o
comandante Cely Meira. As dificuldades eram muitas, a começar pela falta de
energia elétrica em Jequié, motivo pelo qual o funcionamento da carpintaria era
totalmente manual. Para suprir esta deficiência, as madeiras eram serradas por dois
homens fortes em um serrotão, que
ficava em cima de um estaleiro, e compraram também um motor industrial a óleo
diesel, fizeram várias adaptações e colocaram para funcionar as outras máquinas
da carpintaria. Na área financeira não foi diferente: Antônio do Carmo Meira (Cecé)
tinha que ter jogo de cintura para controlar as contas da empresa. Como parte deste controle, o primeiro caminhão
da carpintaria foi montado e adaptado por José, seus irmãos e funcionários, com
peças de outros veículos.
João
Quintino nesta parte da entrevista enfatizou a serralheria, um setor muito
importante na carpintaria. Com muita alegria, falou dos profissionais que exerceram
suas funções na empresa. O primeiro foi um senhor idoso e de larga experiência
chamado Albertino e depois o seu irmão Gilberto Quintino dos Santos (Veinho),
ferreiro tão bom que Cely Meira dizia: “Ele é capaz de fazer um homem de ferro”,
e Veinho replicava dizendo: “Se tio Cely falou, eu faço”.
Nem o latido
do cachorro, o canto dos pássaros, o entrar e sair de parentes e amigos
conseguiam interromper a entrevista. Indiferente a tudo que acontecia, João continuava
a conversa, agora falando da época em que ele começou a trabalhar com a família
Meira depois que a empresa se mudou para a Avenida Otavio Mangabeira, no bairro
do Mandacaru, no ano de 1946, e passou a chamar-se Serraria Santo Antônio.
João
Quintino dos Santos, que nasceu na cidade de Jequié-BA em 03/09/1931, no início
era ajudante de tudo, posteriormente motorista e mecânico. Um automóvel da
serraria, tipo fóbica, transformado pela
família em um caminhão Chevrolet 1929, chamado de Brasileirinho e que teve como
primeiro motorista o senhor Agenor, foi o carro que João Quintino dirigiu na
empresa.
Nesta
época José Barros Meira tinha 25 anos de idade, um jovem cheio de ideias e com toda
a energia do mundo, particularidades que contribuíram decisivamente para a
concretização do projeto elétrico e a montagem das máquinas, que na sua maioria
foram feitas ou adaptadas por José e o ferreiro Veinho, que tomava conta da serralheria
da indústria e classificado por José de “brabo e pra tudo”.
Depois de
tudo pronto para funcionar, os dirigentes da indústria determinaram que os
horários de trabalho fossem às 7h30, 11h30, 13h30 e 17h30 e o aviso aos
funcionários do inicio e término do expediente seria por meio do toque de uma sirene. Os horários
eram sempre cumpridos, pois o patrão não atrasava e exigia também o cumprimento
deste item pelos empregados. José iniciava a sua jornada de trabalho às 05h da manhã,
usando a camisa do pijama, bem à vontade, como ele gostava. Quando eram 07h
tomava o café, atendendo o chamado da esposa, e rápido voltava à labuta. Às 10h,
tomava café no bule levado por Marli. No horário do almoço, comia em pé, sempre
ouvindo o pedido de D. Maria sua esposa: “Senta José, você acaba se sentindo
mal”. Ele não dava importância e continuava em pé junto da janela que dava para
a serraria, pensando no que iria fazer após a refeição. Às 15h, novamente tomava café no bule levado
por Marli. Quando às 17h30 a sirene tocava e os empregados saíam, José fechava
o portão e ficava até às 23h limpando, amolando, arrumando as ferramentas, fazendo
manutenção das máquinas e tudo que fosse necessário para agilizar o trabalho do
dia seguinte, prática seguida por José quando era solteiro.
A dedicação,
organização, excelente maquinário, mão de obra qualificada, garra, disposição
para trabalhar e a vontade de vencer de José e seus familiares, foram alguns dos
fatores que contribuíram para o sucesso da Serraria Santo Antônio.
Na serraria
faziam-se portas, cadeiras, carros-de-boi, galeotas, carroças e até carrocerias, item confeccionado e montado por
Osmar Galdino, Vitalino, José, Cely, Veinho e um pintor contratado apenas
para este fim. A ótima qualidade deste produto foi testada na época por uma
senhora chamada Lourdes, proprietária de um caminhão Bernie, do Rio Grande do Sul, que adquiriu o produto
e divulgou para colegas caminhoneiros, tornando o nome da indústria conhecido
em todo Brasil. Devido ao reconhecimento do excelente trabalho realizado pela
empresa, houve um aumento na demanda de solicitações de serviços em toda a
região, motivo que levou a família a adquirir
outro caminhão em Salvador-BA, da marca MAM, fabricado na Alemanha.
O caminhão
que era dirigido por João Batista, irmão de José, transportava toros de madeira
comprados na região de Porções-BA, Nova Canaã-BA, Iguaí-BA e Ibicuí-BA e
vendidos para a empresa de Norberto Odebrecht na cidade de Ituberá-BA.
Neste
momento da entrevista, João Quintino fez uma pequena pausa para limpar os olhos
que estavam lacrimejando, tal era a emoção que estava sentindo em falar do seu
patrão e amigo José Barros Meira. Deu um forte suspiro e respondeu o
questionamento sobre o temperamento de José. “Uma onça acuada por cachorro”. Citando
essa frase, Quintino começou a defini-lo. No seu simples modo de entender, José
vivia a maioria do seu tempo entocado na empresa, feroz, valente, uma fera no o
seu ambiente de trabalho. Mostrava-se muito sério com os familiares, amigos e
funcionários, temperamento também confirmado por sua cunhada Lala, Maria
Letícia sua esposa, Lourdes sua irmã e outros amigos e familiares.
No ambiente
de trabalho, José gritava muito com os funcionários que não realizavam com
perfeição as suas atividades. Quando gritava o nome do seu ajudante chamado Ciara.
Ele rápido se apresentava a José em posição de continência e falava: “Oretiu”, traduzindo:
“estou aqui, pode falar”, fato contado pelo meu colega de Coelba Rubem, que na
época trazia comida para seu irmão Juca na serraria. Prosseguiu o bate-papo falando
que nunca conheceu um homem do seu quilate, ser humano amoroso, organizado, inteligente,
sabia fazer de tudo e no seu dicionário nunca existiu a palavra impossível.
Para confirmar o que estava falando, João contou um fato que ocorreu na época
em que a família adquiriu uma serra-fita (engenho) em Ponta Grossa-PR e queriam
contratar um técnico para montar o equipamento. José não concordou com a ideia
e perguntou: “a pessoa que vocês querem contratar é homem como eu?”. O silencio
dos presentes respondeu a sua pergunta e ele disse que iria montar a máquina. E
assim aconteceu.
Por esse e
outros empreendimentos realizados na serraria, como a confecção e montagem da
cobertura do antigo Mercado Municipal de Jequié, toda feita com madeira de lei,
quando era prefeito o seu amigo Lomanto Júnior, pessoas influentes da sociedade
de Jequié e região vinham conhecer pessoalmente o talento e a inteligência
daquele homem.
Inesperadamente
João deu uma boa gargalhada, que chamou a atenção de todos que estavam
presentes no quintal e depois contou que num bate-papo dos empregados num local
da serraria, um deles falou baixinho que não sabia quando, como, José namorava
e tinha dois filhos, concordaram sorrindo.
Depois deste
momento de descontração, João prosseguiu dizendo que aquele fato era uma
realidade na vida de José, pois o trabalho era tudo na vida dele, nunca viu uma
coisa daquela, só do trabalho para sua casa, as compras da casa eram feitas
pela esposa e funcionários da empresa, pouco viveu para a família, José nunca
tirou férias e seu lazer era ir ao circo, dar banca e levar Marli, sua filha de
criação, à matinée do Cine Bomfim e participar de algumas festas de
aniversários na residência dos amigos mais chegados, como Padre Spínola,
Antônio Coelho Lima, Zuzinha, Valdomiro da Coelba, Lomanto Júnior, Renato
Sergipano e o professor Antonin Brioude, quando também visitavam o maior e mais
bonito presépio de Jequié-BA e celebravam com os familiares a noite de Natal.
Depois da
entrevista com João Quintino, que terminou quase às 11h, fomos no carro dele visitar
Osmar Galdino da Silva, que nasceu na cidade de Jequié-BA em 16/05/1930, filho
de criação do “velho” Cely Meira, considerado por João um dos maiores baluartes
da Carpintaria Antônio do Carmo & Irmão e da Serraria Santo Antônio. No
percurso entre os bairros do Mandacaru e o Km-3, comprovamos a eficiência do motorista,
apesar dos seus 81 anos de idade. Fomos recebidos cordialmente por Osmar na sua
residência, que não me conheceu, mesmo tirando o chapéu e mostrando a minha
careca, parecida com a de José Barros Meira. Após ficar sabendo de quem se
tratava, fomos para a sala da casa e iniciamos um bate-papo bastante
proveitoso. De maneira educada e pausada, Osmar inicialmente citou os nomes dos
seguintes baluartes que trabalharam com a família Meira: ferreiros -- Albertino e Gilberto Quintino dos
Santos (Veinho); serradores de madeira -- Arlindo, Jason Meira e Laurêncio; carpinteiros
-- Sinhozinho, Félix, Vitalino, Gregório (zuca), Juca, João Pedro, Zé Antônio,
Manoel Preto, Agenor e Tito; maquinista -- Domiciano; escriturário – Toninho; ajudantes --
Natalício, Dinga, Ciara, Fausto, Zé Lima, Juju, Benedito e Miguel; e motoristas
-- Agenor e João Quintino dos Santos.
De acordo
com citação anterior, João Quintino falou que José gritava muito com seus
empregados. Perguntei a Osmar se com ele acontecia da mesma maneira. Com um
olhar que transmitiu um profundo sentimento de carinho, quase chorando,
balançou a cabeça e falou bem baixinho que não. Perguntei novamente: “então
você fazia tudo correto?”, deu uma risada e disse: “Em vez de discutir nós
dialogávamos”. Em seguida, depois de mostrar
algumas fotos, disse que ganhava por produção e, por ser o mais rápido e
produtivo da serraria, era chamado por José de “o homem a jato”. Na sequência, contou
que um dia faltou energia na serraria e uma das máquinas ficou ligada. Quando a
energia retornou, o motor ficou roncando, João Buzina correu e pegou um machado
e cortou o fio da máquina em vez de desligar a chave. José, que estava próximo
do local, ficou muito chateado e do seu jeito costumeiro, esbravejou, reclamando
da atitude incorreta do empregado.
Após Osmar contar
este fato, perguntei se ele sabia o verdadeiro motivo da morte de José Barros
Meira. Afirmando que estava na serraria neste dia, Osmar contou que por motivo
de limpeza e arrumação, dois funcionários pegaram uma peça de madeira em um
determinado local da serraria e estavam levando para o outro lado. José, que
estava acompanhando o serviço, aproximou-se dos homens e colocando-se no meio
deles levantou e baixou sozinho a madeira, dizendo que um empregado era
suficiente para realizar aquela tarefa. Como era final de expediente, foi para
sua casa. Passados alguns minutos, alguém da família de José veio correndo
avisar que ele estava vomitando sangue. José foi levado de avião para Salvador-BA,
ficou internado no Hospital Português, onde faleceu no dia 27/12/1957 e foi
enterrado em Jequié-BA no cemitério São João Batista.
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