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Carlos Eden Meira* |
Magricela,
dentuço, “zarôi”, “branquelo”, ou “quato-ôi” (quatro olhos). Estas eram
consideradas minhas características físicas, nos tempos de escola. Um garoto de
sete ou oito anos de idade com estes “atributos” numa escola pública, tinha que
ser o alvo principal de todas as gozações da molecada. Numa sala de aula com
mais ou menos uns cinqüenta alunos, aonde meninos e meninas de idades diversas,
em alguns casos chegando a uma considerável diferença na faixa etária,
compartilhavam o mesmo espaço diariamente. Era uma época em que pouco se sabia
a respeito desse negócio de “trauma psicológico”. Em casa, qualquer tentativa
de se queixar desses abusos era considerada “desculpa para não ir para a
escola”.
Na sala de aula, quem tentasse se queixar para
a professora, era ameaçado pelos grandalhões com a famosa frase: “te pego na
saída”. O jeito era aguentar dentro do possível, procurar se enturmar com os
colegas mais ou menos da mesma idade, e tentar ganhar de alguma maneira, um
mínimo de respeito dos garotos maiores. Entrar na porrada com algum colega,
mesmo sem um motivo justificável, era imprescindível para conquistar algum
respeito. Levei muitos cascudos e petelecos de grandalhões de todas as classes
sociais, que ali estudavam. Um deles me nomeou seu “limpador particular de
borrachas”, pois, limpava sempre suas borrachas sujas de grafite em meu cabelo.
Já naquela época, eu gostava de desenhar. Foi o que me valeu, pois, quando a
turma descobriu que eu desenhava personagens de quadrinhos (super-heróis ou
cowboys), passei a ser um pouquinho menos atormentado. Desenhei muita coisa
para os colegas.
Alguns
mereciam outros, não. Entretanto, aquela foi a maneira que eu encontrei de me
preservar um pouco, daquilo que hoje chamam de “bullying”. As garotas, algumas
delas sempre gentis e educadas comigo, e que me pediam para desenhar seus mapas
nos trabalhos de geografia, eu atendia sem pestanejar. No entanto, as
“piriguetes” daquele tempo, as gostosonas da sala que me esnobavam, mudavam seu
comportamento tornando-se falsamente meigas e carinhosas, na hora de me pedir
desenhos. Eu, mesmo chateado, acabava atendendo. O quadrinista norte-americano,
Robert Crumb, autor do personagem “Mr. Natural” sofreu coisas do “bullying”
iguais ou piores do que as minhas, conforme ele descreve em suas HQs. Mas, no
final dos anos sessenta, ficou famoso ao ser descoberto pelo pessoal da
contracultura e acabou desenhando a capa do disco “Cheap Thrills” da Janis
Joplin. Até hoje, ele não entende muito bem o que foi que aconteceu. Há quem
diga que o “bullying” ironicamente, também pode funcionar como motivação para
despertar suas revoltas em forma de arte, e serve às vezes, como uma maneira de
adaptação ou mesmo de sucesso, no meio em que se vive. Depende aí do talento, capacidade
de luta e reação da “vítima”. No meu caso, o “bullying” funcionou dentro dos
seus padrões traumatizantes. Tornei-me inseguro, tímido, ansioso, introspectivo, e como se vê, ainda tenho queixas fazer.
*Carlos Eden Meira – jornalista e
cartunista
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