quinta-feira, 11 de março de 2021

O Ano Novo.

                                                                    J. B. Pessoa


Capítulo - 68 do livro " Guris e Gibis".

O último dia do ano caiu numa sexta feira, a qual era o segundo dia da feira semanal jequiéense. O dia mais importante da grande feira era o sábado; porém, nessa semana, iria cair no primeiro dia do ano novo. Sendo assim, aquela sexta feira estava destinada a ser bastante movimentada, pois o dia seguinte era feriado. Logo nas primeiras horas da manhã, Tõe Porcino e Mamãe Eu Quero estavam de prontidão com os seus carrinhos de mão à espera de grandes empreitadas. O sol estava brilhante, com a temperatura que justificava o cognome da cidade. O mercado municipal, recentemente inaugurado, acolhia em suas dependências, os feirantes que fugiam do calor, tomando uma cerveja gelada em seus bares. Por toda a parte se via pessoas atarefadas, na árdua labuta diária de seus afazeres, tentando tirar o melhor proveito em seus negócios. Os dois gibis aproveitaram o grande ensejo e lucraram bastante em seu trabalho. Às cinco horas da tarde, quando o sol declinava no horizonte, os dois primos encerraram os suas atividades, alegres com seus rendimentos. Mamãe eu Quero era o mais satisfeito, pois, com a renda do dia, completaria a quantia necessária para comprar um pequeno acordeom, sonho que acalentara nos últimos meses, aspirando ser um astro das tertúlias aos domingos.

Naquele final de tarde, Johnny foi à feira na esperança de encontrar alguns umbus, para Dona Nonnita preparar a famosa umbuzada, tão apreciada pela sua família. Encontrou Tõe Porcino e seu primo tomando um caldo de cana, numa lanchonete moderna, que ficava na área externa do mercado. Ao ver o garoto, Porcino abriu os braços e o abraçou com alegria, repetindo a sua famosa frase, extraída dos quadrinhos:

- Johnny the Kid, meu camarada! Que bons ventos o trazem aqui?

- Eu tenho que comprar uns umbus para minha mãe e receio que tenha chegado um pouco tarde para isso!

- Não se preocupe que Seu Abdias ainda está no batente. Eu também vou levar uns litros para casa e pedi para ele guardar alguns para mim!

- Puxa a vida, que sorte! Fiquei conversando com os meninos no clube e o papo estava tão animado que me esqueci das horas!

Johnny e Porcino foram até o local onde um velho caboclo vendia a suculenta fruta sertaneja, que era a predileta da maioria dos catingueiros, a qual nascia sem ser semeada, cuja árvore resistia a longas secas. Johnny agradeceu a Porcino aquele favor e resolveu tomar um copo de caldo de cana, depois de concluída a sua compra. Os dois ficaram proseando sobre as festividades daquela noite, enquanto Mamãe eu Quero admirava a moderna maquina elétrica, que moía a cana, tão diferente das habituais, as quais eram necessários, dois homens fortes para movimentar a típica moenda. Logo após, os garotos seguiram juntos para suas casas, se separando no Largo do Maringá, marcando um encontro na porta do Cine Teatro Jequié.

Depois do jantar, Johnny ficou na companhia de seus pais, sentado na calçada de sua casa, ouvindo o rádio novo, enquanto Maria de Fátima brincava de roda com outras crianças. A noite estava extraordinariamente bela, com um céu cheio de estrelas e a lua, na sua fase crescente, brilhava com intensidade, num céu de poucas nuvens. A brisa noturna, típica das regiões agrestes, proporcionava uma temperatura agradável, após um dia de extenso calor, proporcionando o uso de roupas leves e claras. A seguir chegou o compadre Francisco Dias de Souza, Pai de Pé de Pata, com a sua esposa Dona Idazinha, que ficou conversando com Dona Nonnita, relembrando os dias de suas mocidades. Logo após, chegaram outros vizinhos, interessados em ouvir o rádio e curiosos com a emissora local, inaugurada naquele ano, a qual transmitia um programa de músicas, apresentando as novas marchinhas de carnaval, as quais seriam tocadas nos bailes de réveillon daquela noite, e também em muitas cidades brasileiras.

Johnny despediu-se dos seus pais e vizinhos, pois pretendia ir até o centro da cidade para encontrar seus amigos e apreciar as festividades do fim de ano. De repente, o batuque dos pandeiros e o som de flautas de bambus chamaram a atenção de todos naquele momento, Da baixada do Barro Preto vinha um bumba-meu-boi, chamado de Boi Barroso que, além dos componentes do bumba, arrastava uma multidão de pessoas, entre eles a turma do Bariri, que o seguia, na maior animação, cantando a sua música tema:

Clareia lua, oh clareia bem!

Clareia lua, que Barroso já vem.

Quem foi que disse,

Que Barroso não saía,

Boi Barroso está na rua.

Com prazer e alegria!

Johnny acompanhou o bumba na companhia de Zé da China e Bisa, até ele entrar em uma rua que ia dar na Caixa D’Água, seguindo, depois, pelos trilhos da estada de ferro, terminando no Bairro da Estação. O garoto despediu-se da turma do Bariri e seguiu solitário pela Siqueira Campos, relembrando a sua bela Berenice. Ao adentra-se pelo largo do Maringá, notou que outro Bumba subia pela Rua Rio de Contas, vindo da Lagoa Dourada. Era o famoso Boi Brioso, que disputava com o Boi Barroso a fama e a admiração dos habitantes do Bairro Joaquim Romão. Vinha cantando uma de suas cantigas:

~Ê,ê, ê, ê, ê, á!

Arreda do camin,

Deixa Brioso passar!...

Johnny esperou pelo Bumba, o qual arrastava também muita gente, se divertindo com as peripécias do boi. Entre o bando de garotos que seguia o bumba estavam Mipai, Tõe Porcino e Mamãe Eu Quero. Os garotos saudaram Johnny efusivamente, desejando-lhe um feliz ano novo. O bumba entrou na Rua Bela Vista e de lá seguiu pela Lélis Piedade, a qual descambava na Praça Ruy Barbosa, bem em frente do parque de diversões, ao fundo do Colarinho de

Sabak. Johnny resolveu seguir o bumba, juntamente com seus amigos. Chegando à praça principal da cidade, o bumba entrou na pista de patins e seus componentes deram uma verdadeira mostra de talento e arte, seguindo a tradição, deixada pelos seus antepassados.

A noite continuava esplendorosa e a suave brisa vinda do sudoeste prenunciava fortes chuvas em janeiro. A temperatura estava amena proporcionando bem estar naquele verão, que prometia um início de ano com muito calor. A praça, esplendidamente iluminada com sua decoração natalina, estava movimentada com muita gente passeando pelo jardim, à espera da missa do galo. O Bar Joli estava repleto com seus frequentadores habituais, juntamente com estudantes da capital, os quais estavam passando as Boas Festas em sua cidade natal. Os garotos sentaram em um banco do jardim, que havia sido desocupado naquele momento. Porcino olhava para todos os cantos, com se estivesse em busca de algo ou alguém. Johnny notando a sua agitação, perguntou:

- O que é que há amigo! Você está esperando alguém?

O garoto respondeu sorrindo:

- Não é nada não! Eu soube que o terno das Chitinhas ia sair hoje e vinha para o jardim!

- Chitinhas?!... Por que esse nome?

- Porque as meninas usam uma fantasia de chita e se dizem pobres pastorinhas! É um terno da Rua Ipiranga, que tem muitas morenas bonitas! – Respondeu Mipai

- Tõe Porcino está arreado os quatro pneus por uma delas! – Disse Mamãe Eu Quero, zombando do primo.

- Cala a boca seu moleque ou te dou uns cascudos!

- Se eu estiver mentindo me dê os cascudos! – Continuou o garoto em sua zombaria.

- Quem é ela? – Perguntou Johnny, com curiosidade:

- É uma belíssima lourinha chamada Carolina! - Respondeu Mipai, sem fazer nenhuma chacota. Mamãe eu Quero emitiu uma sonora gargalhada, dizendo:

- Você está vendo Johnny? - Os dois bocós estão apaixonados pela mesma menina!

-Você está vendo Johnny?!... O moleque está perdendo a noção do perigo! - Disse Mipai, agarrando o pequeno pela gola da camisa, ameaçando o gibi com os cascudos. Mamãe Eu Quero gritou:

- Lá vêm elas!

- O que?!

- O terno das meninas!

Mipai soltou o garoto. Mamãe Eu Quero olhou para Johnny e, debochando dos dois, disse sorrindo:

- Salvo pelo gongo!

Johnny olhou em direção à Rua Dois de Julho e viu um terno que ia entrando naquela via, acompanhado por vários garotos, muitos dos quais enamorados das meninas. Vinha distribuindo charme e simpatias, entoando o seu canto predileto:

Alerta, alerta ó gente,

Venham todas para cá!

Venham ver as Chitinhas,

Que saíram a passear...

Porcino e Mipai se apressaram indo ao encontro do terno, sendo acompanhado por Johnny e o pequeno negrinho, que continuava debochando dos dois. As Chitinhas eram meninas, que usavam suas fantasias confeccionadas com chita, a qual era um tecido barato feito de algodão. Todos os anos, saiam com trajes de pastora, mudando, às vezes, a estamparia do tecido. Naquele ano, suas indumentárias foram costuradas com um belo tecido amarelo, estampado com pequenas flores vermelhas. Elas eram realmente bonitas; principalmente a lourinha de doze anos, que passou pela turma, sem olhar para ninguém. Deram uma volta pelo jardim e entraram na Rua Sete de Setembro, saindo na Praça Luís Viana e, passando pela Rua Motta Coelho, desembocaram na Rua Gameleira, voltando para o bairro Joaquim Romão. Porcino e Mipai despediram-se de Johnny e, na companhia de Mamãe Eu Quero, acompanharam as meninas de volta para casa.

Ficando sozinho naquela multidão, Johnny resolveu tomar uma coca cola na Confeitaria Cristal, com a esperança de encontrar a sua turma do centro da cidade. A confeitaria estava repleta, com todas as suas mesas ocupadas pela alegre mocidade jequiéense. O garoto comprou um picolé e ficou passeando pelo jardim. Nesse momento, vindo da Avenida Alves Pereira, apareceu um terno bizarro, misto de bumbas e cantadores de reis, chamado de “A Mulinha”. Apareceu na praça fazendo sua festa, sendo acompanhado de bumbas e flautas, com uma multidão que cantava com eles. Esse terno tinha como personagem principal uma mula, com um vaqueiro montado nela e um palhaço que fazia estripulias em torno dela. A pessoa que fazia o papel do vaqueiro era a mesma que comandava os passos da mula, numa artimanha mirabolante, pois as pernas visíveis do vaqueiro eram falsas. Acompanhando a Mulinha, vinham os cantadores de reis e várias pastoras, com seus cânticos tradicionais. Johnny ficou apreciando aquele espetáculo até o terno deixar a praça e ir em direção à igreja. Nesse momento ouviu uma voz feminina gritar o seu nome. Era Norma que estava em frente de um carinho de pipocas. A garota estava carregando muitos sacos e pediu ajuda ao amigo, implorando:

- Garoto me socorre aqui, ou estas pipocas vão cair no chão!

Johnny se apressou em ajudar a amiga, ficando feliz em encontrá-la. A garota, depois de pagar a conta, saiu com ele em direção às escadarias do Colarinho. Naquela noite Johnny não tinha encontrado a sua turma do centro, em nenhum lugar. Tinha ido até a confeitaria e a procurou por todo o jardim. Intrigado com o fato, perguntou:

- Onde vocês estavam? Eu procurei por toda a parte e não encontrei ninguém!

- Fomos até a confeitaria e não tinha nenhuma mesa vazia, então seguimos para o jardim e todos os bancos estavam ocupados. Depois fomos passear no parque de diversões e a seguir, ficamos sentados na escadaria do Colarinho.

- Estão todos reunidos na escadaria?

- Sim garoto, todos os casais de namorados estão juntos! Somos os únicos solteiros da turma – Respondeu Norma em tom brincalhão.

Os dois Jovens seguiram conversando sobre as festividades da noite. Na pista de patins, outro terno de cantadores de reis terminava sua apresentação, seguindo adiante em seu destino. Chegando à escadaria, na parte de cima, todos os jovens saudaram Johnny com alegria. Eva Marli foi a primeira a ir ao seu encontro, exclamando:

- Onde você estava garoto? Procuramos você por toda a parte!

- É verdade fomos até a igreja. – Assegurou Bill Elliott.

Johnny saudou todos os amigos, dizendo:

- O que houve foi um desencontro. Afinal a praça está muito cheia nesta noite!

- Eu nunca vi a cidade tão movimentada como hoje à noite! – Disse Norma distribuindo os saquinhos de pipoca para os garotos.

Do alto do Colarinho, Eduardo divisou toda a praça, comentando:

- Com certeza!... Está até parecendo uma capital.

- Não vamos exagerar garoto. Talvez, num futuro remoto, valha a pena morar em uma cidade do interior. Contestou Norma diante daquele ufanismo juvenil.

Saboreando a sua pipoca, Bill Elliott comentou, aparentando não dar muita importância àquele assunto:

- Apesar disso, Jequié já foi capital da Bahia!

Eva Marli, surpresa com a novidade, virou para os jovens e disse caçoando do rapaz:

- Esse meu namorado tem uma imaginação prodigiosa!

A garotada começou a rir da afirmação de Bill Elliott, que explicou o fato com a mesma passividade:

- Foi durante as lutas oligárquicas em 1911, quando o presidente do legislativo baiano Aurélio Rodrigues Viana, assumindo o governo, decretou a mudança da capital para nossa cidade. Porém, após o fato, houve intervenção federal e a coisa voltou como era antes.

-Eu nunca ouvi falar disso! – Contestou Eduardo, sem ter certeza se o rapaz falava sério, ou estava brincando.

Neide interveio no assunto, dizendo:

- O fato é verdadeiro!... Minha avó já comentou isso com a gente.

Sendo assim, a cidade tem o seu status, pois “quem foi rei nunca perde a majestade” – Disse Johnny, querendo encerrar o assunto, com um ditado popular.

-É verdade! Boa ou ruim, essa é a nossa cidade! – Concluiu Luísa.

Johnny se aproximou de Edgar que, na companhia de Neide, irradiava uma felicidade nunca dantes sentida. Estava usando um terno novo, denotando certa prosperidade pessoal. Aquele ano tinha sido especial para ele. De simples carregador de feiras, ele conseguiu o cargo de caixeiro na loja mais importante da cidade, ficando entre os três melhores vendedores da empresa, nesse final de ano, ganhando com isso um prêmio especial. Agora com catorze anos completos e desfrutando da companhia de uma bela namorada, fazia planos para o futuro, cuja meta principal seria os estudos. Johnny cumprimentou o amigo com alegria, elogiando a sua elegância. Neide abraçou o seu braço esquerdo, trazendo a si, repetindo elogio de sempre:

- Ele é o meu Cary Grant!

Edgar apertou a mão do amigo, perguntando:

- Você viu a turma hoje à noite?

- Só Mipai, Porcino e Mamãe Eu Quero! Eles estão acompanhando o terno das Chitinhas.

- E o resto da turma?

- Pé de Pata está com Gina. Nêgo e Géo eu vi pela última vez no nosso clubinho, hoje à tarde. Eles devem estar zanzando por aí, pelo jardim. - Respondeu Johnny, dando uma olhada geral, pela praça, do alto das escadarias. Nesse momento aparece Ricardo Coração de Frango, saudando a todos animadamente. O Johnny vira para o garoto e diz:

- Parabéns pelo primeiro lugar no exame de admissão!

- Obrigado! Você também se saiu bem! – Disse Coração de Frango olhando com surpresa para Johnny, pois ele foi o único garoto, que o congratulou pelo seu sucesso.

Os jovens resolveram dar uma volta pelo jardim e convidaram Coração de Frango para vir junto. O garoto ficou contente com o convite e seguiu aquela turma com alegria, pois Johnny, Eduardo e Luísa, provavelmente, seriam seus colegas de classe no ano que estava chegando. Nesse momento o relógio da matriz anunciava às onze horas, com suas sonoras badaladas. Luísa olhou para os lados da confeitaria dizendo:

- Eu acho que há mesas vazias na confeitaria, pois a festa do Tênis deve estar começando!

- Vamos dar uma olhadela! - Falou Eduardo.

A garotada seguiu juntos até a confeitaria, encontrando aquele estabelecimento especial, apinhado de jovens aformoseies, alguns já embriagados, esperando o começo do réveillon, no Jequié Tênis Clube. Nesse momento alguns rapazes saem, deixando uma mesa vazia, perto da porta principal da sala, a qual dava uma ótima visão da praça. Bill Elliott,

rapidamente, apodera-se dela, convidando as meninas a se sentar em suas cadeiras. Norma olhou em volta, comentando:

- É uma pena que, daqui a pouco, a confeitaria fique privada dessa juventude bonita e elegante!

- Bonita e elegante como também, bêbada! – Disse Eva Marli, olhando apoquentada para alguns jovens que saiam um tanto cambaleados.

- Norma sorriu e disse caçoando da menina:

- Ora Eva!... Nem todas as coisas são perfeitas! Festas são assim mesmo.

Os garotos não deram opinião, preferindo ficar calados. O pai de Coração de Frango tinha uma destilaria de aguardente em sua fazenda e, ele próprio, já havia tomado uns tragos da famosa branquinha, às escondidas. Eduardo e Bill Elliott já haviam experimentado e gostado de tomar umas cervejas em festas familiares, longe das vistas de seus pais. Johnny se lembrou da noite de São João quando, na companhia de Berenice, tomou uns cálices de licor. Nesse momento, uma saudade peregrina viajou a terras distantes, aflorando o seu peito juvenil. A lembrança daquela noite infortuna e a partida de Berenice ainda doía-lhe na alma. Edgar foi o único que se pronunciou, fazendo algumas reservas a respeito de bebidas, mesmo assim com um pouco de demagogia.

A Confeitaria Cristal não costumava vender bebidas alcoólicas, salvo em ocasiões especiais. Entretanto, a rapaziada bebia no bar Joli e ia tomar refrigerantes na companhia das garotas; no único lugar da cidade, onde as senhoras e moças de família frequentavam sem quaisquer restrições. O fato de alguns bêbados aparecerem nas ocasiões festivas deixava Eva Marli aborrecida. Os jovens pediram um sorvete especial, com o nome Dust Miller. Edgar, curioso, quis saber o significado da palavra. Eva Marli respondeu em um tom jocoso:

- Eu acho que nem o Seu Spencer sabe o significado dessa palavra!

Os jovens riram bastante diante daquela chacota. A garotada ficou conversando, alegremente, sobre as coisas que entravam e saiam de moda, enquanto ouviam o alto-falante da Rádio Bahiana de Jequié, tocando as novas marchinhas, lançadas para o próximo carnaval. Enquanto isso a confeitaria ia se esvaziando, com a juventude se retirando para o baile no Tênis Clube, deixando Norma chateada por ter pouca idade. Neide, querendo animar a menina, disse sorrindo:

- Não se preocupe Norminha, que no próximo ano você estará entre a moçada Jequiéense.

- Se eu estiver por aqui, naturalmente. – Replicou a garota com presunção:

Luísa perguntou animada:

- Você irá debutar no ano que está chegando?

- De jeito nenhum!... Pra que gastar dinheiro com coisas á toa? Já combinei com o meu pai, que em vez de debutar, irei passar as férias em Aracajú, terra da minha mãe.

Johnny comentou em tom irônico:

- Ué, eu pensei que o sonho de toda a menina, era debutar na sociedade, aos quinze anos!

- Eu tenho duas primas que não pensam noutra coisa! – Disse Coração de Frango, em tom de deboche.

- Algumas sonham com isso, evidentemente! Porém outras não têm opção. – Disse a garota com certa ironia. A seguir acrescentou:

- Até parece que são sonhos de suas mães!

- De algumas são mesmo!... É evidente que sim! – Concordou Eva Marli.

- Com certeza! – Afiançou Bill Elliott.

Luísa, decepcionada com a afirmação das amigas, objetou em seus pareceres:

- A maioria das meninas quer debutar e suas mães as incentivam nesse sentido, pois isso faz parte de uma tradição!

Neide perguntou à menina:

Você pretende debutar, quando chegar a sua vez?

- Claro que sim!... Eu sonho com isso. Espero que Eduardo seja o meu par daqui a três anos.

Eduardo abraçou a namorada e, feliz com seu desejo, disse sorrindo:

- Claro meu amor! Seus sonhos são os meus sonhos!

Johnny procurou dar uma opinião coerente do assunto:

- Norma tem razão quando diz que uma garota não deve ser obrigada pelos pais a fazer algo que ela não deseja. Entretanto, se uma menina quer uma coisa que é comum entre elas, por que não satisfazê-la?

- Isso mesmo garoto!... Luísa quer ótimo! Eu não quero e fim de papo! – Afirmou Norma, querendo finalizar a questão.

O relógio da matriz anunciou as horas naquele momento. Faltavam apenas quinze minutos para meia noite. Norma chamou seus amigos para dar uma olhadela na festa do clube. A praça ia se esvaziando com muita gente se dirigindo para a igreja, na intenção de assistir a missa do galo. Outros acompanhavam os velhos cantadores de reis, que pretendiam ver o amanhecer e sentir o primeiro calor solar, daquele ano novo.

O Jequié Tênis Clube estava repleto, exibindo uma glamorosa recepção para seus convivas e associados. As senhoras e senhoritas ostentavam luxuosíssimas toaletes, enquanto jovens e velhos senhores, com seus trajes a rigor, alguns dos quais em démodé, desfilavam pelas dependências do clube, numa grande animação. Alguns rapazes usavam ternos escuros, aceitos pela direção, como os chamados trajes de passeio completos. Do lado de fora, na calçada do clube, através das grades, os jovens amigos, juntos de alguns curiosos, admiravam a festa, que do seu início até às doze horas, só executava as músicas dançantes, tais como boleros e sambas-canções, em sua famosa orquestra. A partir da zero hora, já no ano que começava os sambas, frevos e as marchinhas predominavam, prenunciando o carnaval do ano que chegava. Johnny e seus amigos ficaram, por pouco tempo, observando toda a festividade, indo em seguida para a igreja. Quando o relógio da matriz soou as doze

badaladas, dezenas de pistolões e foguetes foram ao ar por toda a cidade. Os garotos abraçaram uns aos outros, desejando um feliz ano novo. A seguir, o padre Climério Andrade deu início à missa campal, com toda a Praça Castro Alves cheia de fiéis. Os jovens amigos ficaram juntos durante toda a missa. Norma ajoelhou-se perto de Johnny, dizendo:

- Vou rezar para que Berenice volte logo para você!

- E Eu vou rezar para que você realize todos os seus sonhos! – Disse Johnny para a garota.

Inquieto, junto a Edgar, Ricardo Coração de Frango objetou:

- Esse negócio de missas campais é que a gente tem que ajoelhar no chão duro!

- Quem tem fé não sente dor! – Disse Neide sorrindo do garoto.

Coração de Frango olhou para os novos amigos e ouviu de Bill Elliott, à voz baixa, o jocoso comentário:

- Se você quiser ser amigo das meninas vá se acostumando com isso!

Ricardo Coração de Frango deu de ombros e falou sussurrando:

- Fazer o que? Quem manda, são elas!

Bill Elliott concluiu:

- “Manda quem pode e obedece quem tem juízo!”

A missa terminou à uma hora da manhã, com a cantaria dos galos por toda a cidade. Uma finíssima chuva, típica dos burgos próximos à zona da mata, caiu naquela madrugada, trazendo com ela um pouco de frio, o qual incomodava as pessoas em trajes de verão. Terminando a missa, as garotas se despediram dos namorados e foram ao encontro de seus pais. Eduardo e Coração de Frango foram para suas casas, deixando Johnny na companhia de Edgar e Bill Elliott, os quais foram embora, seguindo juntos pela Rua Nestor Ribeiro, a qual desembocava no largo do Maringá. Logo após, os garotos encontraram Géo e Nêgo, no começo da Siqueira Campos, os quais não pararam de falar, contando como havia conquistado as suas namoradas do terno As Espanholas.

Despedindo-se de Bill Elliott, Johnny e Edgar seguiram na companhia de Géo e Nego, que tagarelavam por todo o caminho, só parando após entrar em suas casas. Edgar estava bastante feliz. Aquele ano tinha sido maravilhoso para ele. Com muita fé no futuro, entrou em sua casa e foi dormir o sono dos justos. Chegando a seu lar, Johnny pediu a benção dos seus pais e foi dormir pensando na sua bela Berenice, pedindo aos anjos para sonhar com ela. O galo cantou, a noite findou e alvoreceu o primeiro dia de um ano novo, trazendo muitas esperanças à população Jequieese.

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