J. B. Pessoa
Capítulo - 59 do livro " Guris e Gibis".
O sol
brilhava com intensidade, naquela manhã de domingo, prometendo à garotada, uma
recreação maravilhosa, nas plácidas águas do Rio das Contas. Sentados debaixo
da grande mangueira, os garotos comentavam, alegremente, as novidades da semana
e dos filmes que estavam em cartaz nas matinês dos dois cinemas. Como era final
de setembro, o assunto da conversa descambou para as festividades do fim do ano
e a animação dos meninos ficou mais intensa com a proximidade das férias
escolares.
Os
garotos decidiram ir ao rio, para tomar banho e quando estavam todos se
preparando para a longa caminhada, apareceu Eduardo, na companhia de dois
garotos de seu time, que moravam nas proximidades do Morro de Cruzeiro. Eram
Tião Pente Fino e Zeca Maracanã, antigos colegas de Edgar nas Escolas Reunidas
João Cordeiro. Eles estavam preocupados com um acontecimento especial e vieram
pedir ajuda para os garotos da Siqueira Campos. Falavam os três ao mesmo tempo,
numa grande aflição, que não dava para se entender nada. Johnny pediu para os
meninos se acalmarem, e perguntou para Eduardo:
-
Afinal de contas, o que foi que aconteceu?
Pente
Fino respondeu antes de Eduardo:
- Os
biribanos atacaram a gente e tomaram nosso clube!
-
Ué!... O clube de vocês não tem homem? – Perguntou Edgar, indignado com a
ousadia dos garotos de rua.
Eduardo
estava morrendo de raiva, pelo o fato de um bando de moleques de rua terem
afrontado a sua turma; e envergonhado em ter sido tripudiado por aqueles
maloqueiros, procurou se desculpar de sua falta de ação, esclarecendo para os
garotos:
- A
turma do nosso time foi tomar banho na Provisão! Só ficaram comigo Tião e Zeca.
- Eles
estão sendo comandados por Alcides Zoião e Bentivi. – Finalizou Zeca Maracanã.
Pé de
Pata comentou no momento:
- Bem
que eu estava admirado com essa novidade, pois os biribanos sozinhos, não
teriam coragem para isso.
- Você
está por fora! Os biribanos estão cada vez mais ousados. – Afirmou Nêgo,
remoendo a sua raiva, pois foi surrado por eles, enquanto se banhava no poço
Panela do Rio Jequié. Géo, que acompanhava o amigo naquela ocasião e foi,
também, agredido por eles, bradou com indignação:
- O
sacana do Alcides está pensando o quê?!... Só porque ele tem um pai rico, pensa
que pode sacanear com todo mundo?
Pente
Fino respondeu para Géo:
-
Alcides não passa de um filho da puta!
-
Claro, ele e Bentivi! – Concluiu Nêgo.
Edgar,
que detestava os dois garotos completou:
- São
dois sacanas irresponsáveis, que não respeitam nada!
-
Então turma, vocês vão nos ajudar?
-
Claro que sim! Vamos dar uma lição neles! - Respondeu Edgar, que acrescentou:
- Eles
vão “ver com quantos paus se faz uma canoa”!
Johnny
ficou analisando a situação e chegou à conclusão, que aqueles meninos de rua
tinham muita segurança no que estavam fazendo. Eles eram espertos e sabiam que
a turma do Cruzeiro eram amigos dos garotos do Joaquim Romão. Na certa previam
uma reação e, com certeza, tinham esquematizado uma estratégia de defesa.
Johnny tinha conhecimento que esses pequenos marginais eram brigões e suas
próprias condições de vida os tornavam fortes e destemidos. Chamou Edgar a
parte e expôs a sua cisma. O garoto meditou por alguns segundos e começou a
traçar seu plano de ataque. Chamou Eduardo e perguntou:
- Você
sabe quantos biribanos estão com Alcides?
- Não
sei não!... Acho que são mais de dez!
-
Nesse caso, vamos chamar Mipai e Tõe Porcino.
Os
garotos desceram pelo Largo do Cururu e subiram a colina, que dava ao alto da
Lagoa Dourada. No caminho encontraram o negrinho e seu primo Mamãe eu Quero.
Explicaram a situação aos amigos, que se prontificaram em ajudá-los. Em
seguida, toda a turma foi até a Rua Santa Luzia a procura de Mipai. Johnny
ficou surpreso ao ver o amigo na companhia de Juvenal Peito de Aço, seu mais
famoso rival, o qual pertencia turma da Caixa D’ Água e era amigo de Alcides e
Bentivi. Mipai já tinha conhecimento da invasão por Juvenal, o qual se apressou
em explicar o sucedido, aos garotos que estavam chegando:
- Foi
Alcides Zoião com os caras do Bar Caixa D’Água quem atacou o clube!
Mipai
alisou o seu queixo e ficou pensativo por alguns instantes. Depois virou para
Juvenal e disse com seu sorriso cínico:
- A
turma de vocês está cada vez mais ousada!
- E
precisando tomar umas boas porradas! – Completou Toe Porcino.
Juvenal
ficou assustado e, com medo da reação dos meninos, disse se defendendo de
qualquer acusação:
- Eu
não tenho nada a ver com isso, pois não me associo a ladrões! Foram Alcides,
Bentivi e Balbino, que contrataram os biribanos para atacar o clube!
Edgar
perguntou ao rapaz:
Quem
são os caras que estão com eles?
- Tõe
Pacote, João Bicho Feio, Cachorro Doido, Mané Gostoso e Galinha Choca. Ninguém
da turma da gente! O resto eu não conheço.
Edgar
virou-se para os garotos, perguntando:
-
Então turma?...Vamos botar aqueles sacanas pra correr?
-
Vamos! – Gritaram os meninos em conjunto.
Vendo
todo aquele rebuliço, Juvenal ficou animado e perguntou a Edgar:
-
Posso ir junto?
-Ué,
você não era amigo deles? – Perguntou Nêgo, que detestava o rapazola.
-
Era!... Mas agora ele está com a gente! – Corrigiu Edgar ao ver sinceridade no
garoto.
Juvenal
Peito de Aço estava um tanto sem jeito na companhia daqueles garotos, os quais
eram hostilizados pela sua confraria. Era grande amigo de Alcides Zoião. Mas,
quando ele percebeu o envolvimento de Alcides e Bentivi com os garotos de rua e
sua participação em alguns roubos, resolveu se afastar deles, comunicando o
fato a outros garotos de seu time. Desde o dia em que Zé Biribano e Chico Sarará
foram presos e receberam surras de palmatórias da polícia, o garoto ficou com
medo e se refugiou em sua casa, aparecendo pouco na praça. Johnny achava
estranho aquele garoto na companhia dele. Eram grandes rivais nas peladas no
areão do rio e, várias vezes, chegaram se atracar em lutas violentas. Porém,
fora disso, eles nunca tiveram o menor desentendimento. Mipai, ao perceber
certo constrangimento entre ele e os garotos, declarou:
- De
hoje em diante Juvenal é nosso camarada. Ele veio nos avisar da pretensão dos
biribanos e nos ofereceu ajuda.
-
Assino em baixo das palavras de Mipai – Disse Edgar muito sério.
- Eu
também! – Concordou Porcino, sabendo que os verdadeiros inimigos de todos os
seus amigos, eram os meninos de rua, com os quais, ele e seu primo, tinham tido
muitas encrencas.
Os
garotos seguiram pela Rua Rio de Contas, que era uma ladeira que acabava no
alto do Maringá. Eduardo alertou os amigos, dizendo que o inimigo deveria estar
esperando por eles no final da rua, onde ele morava, a qual dava visão para
frente do clube. Para não serem vistos, os garotos resolveram atacar pela
retaguarda, indo pela rodovia e caminhar alguns metros até a base do morro e
contorná-lo, seguindo por uma trilha, que terminava no fundo de uma cabana, que
era o clube do time de Eduardo.
O
famoso Morro do Cruzeiro ficava próximo ao centro e em sua base foi edificada a
igreja matriz. Era a colina mais alta da cidade. Ganhou esse nome após a grande
enchente de 1914, a qual destruiu a primeira igreja de Jequié. Ela tinha sido construída,
com grandes sacrifícios e durante anos foi a única paróquia da cidade. A igreja
ficava situada na Praça Luis Viana que, naquela época, era o principal centro
comercial da cidade. Em frente dessa igreja ficava uma grande cruz de madeira,
símbolo da fé cristã que, em épocas de grandes secas, os crentes saiam em
procissão, cantando hinos católicos, para buscar água no rio e molhar o pé da
cruz, num ritual de sacrifício, à espera do milagre das chuvas. Tempos depois
de construída a atual igreja, matriz da cidade, os jequieenses, em um solene
ato religioso, transferiram a grande cruz de madeira, para o local mais alto da
cidade, na esperança de serem abençoados, sem mais nenhuma tragédia.
Chegando
ao cimo da colina, os garotos ficaram escondidos no mato, que circundava o
campo de futebol do time de Eduardo, observando todos os
movimentos
da turma inimiga. Alcides sabia que os meninos não deixariam aquela afronta de
graça. Por isso construiu um pequeno muro de pedras soltas em volta do clube,
numa espécie de forte, para melhor se protegerem de um possível ataque. Em cima
de uma pequena plataforma, construída pelos garotos, estava Balbino portando um
longo bastão de madeira, usando como se fosse uma lança e uma espécie de
escudo, feito com uma tampa de vaso de sanitário. Usava em sua cabeça um
capacete romano, o qual tinha sido uma peça de fantasia carnavalesca e, nos
ombros, amarrado ao pescoço, uma toalha de banho, imitando uma capa. O garoto
se portava como se fosse a sentinela do forte e estava atento a todos os
movimentos. Alcides era o general comandante e, assim era tratado pelos
companheiros. Bentivi era o seu tenente e Balbino o seu sargento. Johnny achou
ridículo toda àquela encenação, principalmente por haver entre os meninos de
rua, garotos com mais de quinze anos. Percebia que tudo aquilo não passava de
uma aventura fantasiosa. Ficou um pouco apreensivo com as conseqüências daquela
falta de senso e infantilidade do ato. Contudo, ele não poderia deixar de
participar, pois os seus amigos precisavam de sua ajuda e foram eles que
sofreram a agressão, por parte de delinqüentes juvenis.
O
clube do Cruzeiro era bem maior do que o da Siqueira Campos, que foi queimado.
Era um pequeno depósito de cereais, que o pai de Eduardo emprestou aos meninos.
Construído de adobão e coberto por telhas, foi consertado e pintado pelos
garotos do Cruzeiro, os quais tinham orgulho do seu time. A maioria dos sócios
era composta por crianças, vizinhos de Eduardo, que não tinham, ainda,
compleições físicas para competir com garotos mais velhos. Razão pela qual,
encorajou os moleques de rua a atacar o clube.
Chegando
ao morro Edgar dividiu a turma em duas brigadas. A primeira comandada por
Mipai, na qual faziam parte Johnny, Eduardo, Pente fino, Zeca Maracanã e
Juvenal. A segunda comandada por Tõe Porcino, que tinha Mamãe eu Quero, Pé de
Pata Viajeira, Géo e Nêgo em suas fileiras. Edgar preparou o ataque e deu
ordens a Porcino ir à frente para dar um ultimato à turma invasora. Os garotos
foram juntos e a certa distância do inimigo, Porcino gritou:
-
Vocês têm apenas cinco minutos para dar o fora do nosso clube!
Nesse
momento a turma ouviu a voz de Alcides, em tom de comando:
-
Soldados preparar!... Fogo!
De
repente uma saraivada de balas de estilingue surpreendeu os garotos, os quais,
instintivamente, se jogaram ao chão, evitando ser atingidos pelos duríssimos
projéteis. Nêgo foi atingido nas costas e Géo ganhou um balaço na parte
esquerda da testa, sofrendo, com isso, um pequeno corte, o qual sangrou
bastante. Pé de Pata correu em socorro do amigo, arrastando-o para dentro do
mato, evitando aquelas bordoadas de balas de argila, cozida ao fogo. Os outros
garotos fizeram o mesmo. Tõe Porcino examinou Géo para verificar a gravidade do
ferimento e encontrou o garoto gemendo, com um grande calombo na testa. Géo
dramatizou o momento e, fingindo grande sofrimento, disse ao amigo:
- Fui
ferido em combate, companheiro!
Nesse
mesmo instante, a garotada que estava atrás do muro de pedras, começou a
escarnecer dos garotos, com insultos e vaias. Balbino subiu na plataforma e
gritou bem alto:
-
Cambada de otários!... Agora vocês tão sabendo, o que é bom para tosse!
Subitamente,
após acabar de pronunciar a sua afronta, Balbino recebeu um balaço no meio da
testa, caindo fora do muro, ficando desacordado por alguns segundos, fato
presenciado por todos os garotos em contenda. O autor da façanha foi Mamãe eu
Quero o único da sua turma que portava um estilingue. Depois de alguns
instantes de silêncio e surpresa, os garotos comandados por Alcides, socorreram
Balbino, trazendo-o de volta ao muro. Balbino não estava entendendo o que havia
lhe acontecido, enquanto turma de Porcino abraçou Mamãe eu Quero, felicitando o
garoto pelo seu heroísmo. Nêgo sorriu para o garoto e apertando a sua mão,
perguntou:
- Com
o que você acertou o cara, meu irmão?
- Com
um rolimã de aço, do tamanho de uma bola gude! – Respondeu o garoto, sorrindo.
Nesse momento chega Eduardo, que tinha ido até a sua casa, para buscar algodão,
esparadrapo e um vidro de mercúrio cromo, para medicar Géo.
Os
garotos ficam indecisos diante da defesa dos invasores que, sitiados no clube,
resistiam com suas baladeiras, qualquer tentativa dos garotos, em um ataque
mais conciso. Edgar convocou os garotos a buscarem suas atiradeiras, para fazer
pressão ao inimigo. Durante um bom tempo a troca de balas disparadas pelos
estilingues dos dois lados, não definia o rumo dos acontecimentos. Alcides e
sua turma, aquartelados naquele forte improvisado, dirigiam injurias a todo o
momento, deixando Edgar e os meninos possessos de raiva. Apesar de achar aquela
contenda perigosa, passível de acidentes, Johnny comungava a mesma indignação
de seus companheiros. Observava tudo àquilo com interesse, tendo noção da
maneira fantasiosa como a coisa era conduzida. Depois de algum tempo remoendo
os seus pensamentos, embarcou também naquela aventura e uma brilhante idéia lhe
veio à mente. Chamou Edgar, Porcino e Mipai e cobrou deles uma solução,
dizendo:
-
Então meus amigos, vamos ficar nesse chove e não molha!
-
Esses putos não têm coragem de sair na mão grande e ficam intocados lá dentro.
– Disse Mipai, chateado com aquela situação. Edgar, perdendo a paciência,
bradou com raiva, gritando bem alto:
- Se
vocês são homens saiam daí e venham nos encarar, bando de covardes!
Bentivi
respondeu, cantando o trecho de uma machinha de carnaval.
-
Daqui não saio daqui ninguém me tira! Onde é que eu vou morar?...
Alcides,
morrendo de rir, disse, mangando dos meninos:
- E se
vocês são tão valentes assim, venham nos tirar daqui na marra, bando de
otários!
Johnny
virou para os garotos e disse em seguida:
- Eu
tenho um plano, mas é preciso de dinheiro!
Naquele
momento, o relógio da matriz anunciava onze horas e trinta minutos. O tempo
estava passando, deixando Edgar impaciente com aquela demora, pois tinha
marcado um encontro com Neide na porta do Cine Bonfim. O garoto olhou para o
amigo e perguntou ansioso:
- Que
plano é esse?
Johnny
respirou forte e explicou aos amigos:
- Para
desalojarem aquela turma de onde está é preciso usar de muita ignorância!
- Sim,
e daí?! – Perguntou Porcino que estava mais avexado, do que o resto dos
garotos.
Johnny
respondeu calmamente:
- A
gente faz uma “vaquinha” entre a turma, e vamos à venda de Seu Saviano Pessoa,
para comprar algumas caixas de pistolões, dos grandes, daqueles de três tiros,
e soltamos em direção do forte de Alcides e seus biribanos. Aí então nós é que
veremos, se eles sabem o que é bom para tosse!
- Puxa
a vida!... Você é um gênio, meu camarada! – Disse Mipai sorrindo, animado com a
idéia. Edgar e Porcino abraçaram Johnny, congratulando o amigo pela estratégia.
Nêgo gostou do plano, porém com ressalvas. Por isso perguntou a todos?
- Tudo
certo e muito direito! Mas quem tem grana para comprar os pistolões? São fogos
muito caros!
- Isso
é verdade! – Disse Géo, um tanto preocupado, pois detestava gastar dinheiro com
extravagâncias.
- Foi
isso que eu disse. Precisamos arrecadar esse dinheiro! – Assegurou Johnny para
os meninos. Eduardo pensou um pouco e depois de analisar a situação, ponderou:
- Bom:
o clube é do time do Cruzeiro e os sócios terão de se responsabilizar pelos
gastos. Depois de a gente resolver essa questão urgente, que é a expulsão dos
biribanos, eu converso com os meninos e apresento os prejuízos a eles.
Eduardo
foi até a sua casa e trouxe o dinheiro necessário para a compra dos especiais
fogos. Porcino e Mamãe eu Quero foram até a venda do Seu Saviano, no começo da
Rua Rio de Contas e voltou com três caixas de pistolões, cada uma com dez
unidades. Porcino quis distribuir os pistolões com toda a turma, e fazer logo a
festa naquele momento. Johnny descartou a idéia e pediu para os meninos ficarem
tranqüilos, alegando que era necessário, um plano mais elaborado. O garoto
aproveitou o ensejo da luta e, entrando naquela fantasia, se sentiu um grande
guerreiro. Avaliou a questão e resolveu combater o inimigo, numa tática, onde a
surpresa prevalecia. Dividiu a turma em duas brigadas diferentes da primeira.
Convocando todos os garotos a um conselho de guerra, articulou:
-
Edgar, Mipai, Porcino e Juvenal, que são os mais fortes, vão ficar juntos e dar
uma volta, se posicionando atrás do clube, a espera do meu comando. O
resto
dos saldados ficam comigo. Vamos dar um novo ultimato para a turma. Se eles não
aceitarem abriremos fogo e depois a brigada de Edgar ataca na mão grande e, em
seguida toda a turma ataca em conjunto.
Mipai
abraçou Johnny e disse contente:
-
Garoto, você esta me saindo melhor do que eu esperava!
Edgar
e Porcino também gostaram da idéia, aplaudindo Johnny efusivamente. Eduardo,
animado com a possibilidade de ver o seu clube livre, gritou:
-
Então vamos ao ataque meus guerreiros!
-
Vamos! – gritou a garotada em conjunto.
Alcides
e seus camaradas ouvindo a gritaria dos meninos ficaram em alerta dentro do
muro. Conforme as determinações, a brigada de Edgar foi se posicionar no lugar
combinado. Depois de alguns minutos, Johnny se aproximou do forte e, usando
como escudo uma velha gamela, gritou para a turma adversária, o mesmo ultimato
do início.
-
Vocês têm cinco minutos para dar o fora!
Novamente,
uma saraivada de balas foi a resposta.
Johnny
se retirou do lugar e, se protegendo com a velha gamela de madeira que achou no
lixo, foi se posicionar com a segunda brigada. Dentro do forte os moleques
cantavam:
Somos
madeiras que ninguém tira umbira!
Vocês
tiram nos outros, mas na gente vocês não tiram!
Pois o
miolo do pau ferro é de aço!
E os
moleques que não forem bons de machado!
Nós
damos de banda, damos cima, damos de lado.
E
todos os velhos que tem filhas são nossos sogros,
E os
irmãos nós chamamos de cunhados!...
Antes
que os moleques acabassem com a cantoria, Johnny ordenou:
-
Preparar, apontar, fogo!
Nesse
momento, sete grossos pistolões foram disparados, jogando vinte e uma bombas,
que caíram no forte e no clube, deixando em polvorosa a molecada dentro deles.
Assustados com aquela novidade, os moleques receberam mais outras descargas,
fazendo com que a maioria fugisse subitamente ao ataque. Os que tentaram manter
a defesa foram abordados pela brigada de Edgar, que distribuíram pancadas a
valer, botando aqueles valentões para correr, os quais sumiram do lugar,
deixando seus chefes Alcides e Bentivi a mercê da turma vitoriosa. Vendo-se
sozinhos, Alcides e Bentivi levantaram os braços e gritaram:
Nós
nos rendemos!
Edgar
agarrou Alcides Zoião pelo colarinho e o torceu, deixando o moleque quase
sufocado pelo ato, dizendo em seguida:
-
Agora você e Bentivi são nossos prisioneiros.
- E
para serem libertados terão que pagar indenização de guerra. – Ameaçou Eduardo.
Alcides
sorriu e disse em tom brincalhão:
- O
que é isso, turma?... A gente só estava brincando com vocês!
-
Brincando uma ova! Vocês estavam sacaneando a gente. Portanto o valor do
resgate de vocês vai ser de trinta cruzeiros. Isto é, se as revistas dos
meninos não sumiram! – Bradou o raivoso Edgar.
- Não
se preocupem! Ninguém levou nada! – Assegurou Alcides, disposto a pagar a
quantia exigida pelos garotos.
Bentivi,
curioso com a exigência do dinheiro, perguntou:
- Por
que trinta cruzeiros?
- Foi
o preço que gastamos com a munição de guerra. Assegurou Eduardo, o qual não
queria ficar no prejuízo.
Bentivi
tentou protestar, mas foi silenciado pelo próprio Alcides, que disse:
- Tudo
bem! Vamos pagar o que vocês querem!
Alcides
arrecadou junto a Bentivi a quantia de dezenove cruzeiros e, para completar a
quantia exata, deixou um isqueiro, um canivete e sua carteira de couro. Os
garotos se deram por satisfeitos e libertaram os prisioneiros. Alcides e
Bentivi foram embora, descendo uma trilha que dava no Bar Caixa D’ Água. Na
metade do caminho, fora do alcance dos garotos, gritou injurias, bem alto,
ameaçando a turma vitoriosa com vingança. Os garotos responderam com vaias e
aproveitaram a ocasião, disparando o restante dos pistolões para o ar, como
comemoração à vitória adquirida naquele campo de batalha.
Os vencedores daquele combate ficaram ainda um tempo pelo clube verificando se faltava alguma coisa. Géo, observando o muro de pedras soltas, sugeriu a Eduardo que fortificasse o seu clube, para evitar futuras invasões. Nesse momento o relógio da matriz anunciou às treze horas e a garotada foi para suas casas, comentando a grande aventura do dia.
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